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Para repensar a prática

Por que e como ensinar Educação para o trânsito na escola

O tema é uma grande oportunidade para falar sobre empatia, cooperação e cidadania e desenvolver habilidades de Geografia e Matemática

Ilustração animada de situação cotidiana em ônibus. Nesta cena é possível de ver os seguintes personagens: motorista, passageira e passageiro com bebê de colo.
Ilustração: Nathalia Takeyama/NOVA ESCOLA

O trânsito é o local onde todos se encontram, mesmo que os vidros dos veículos estejam fechados ou que a pressa seja um impedimento para que as pessoas se olhem diretamente. Cada pedestre ou motorista é um personagem neste grande cenário da vida real, com vontades, necessidades e caminhos distintos. Mas é fato que todos compartilham um mesmo espaço. Por conta disso tudo, é possível afirmar que o trânsito faz parte da sociedade e é uma ótima representação dela. 

Na escola, a Educação para o trânsito pode ser trabalhada como um tema transversal, uma vez que, para o perfeito funcionamento desse ir e vir de veículos e pessoas, é preciso haver regras. E isso, por sua vez, está diretamente relacionado com as competências gerais 9 e 10 da Base Nacional Comum Curricular (BNCC): Empatia e Cooperação e Responsabilidade e Cidadania

“As ações que visam democratizar o direito de todos, como as normas de trânsito, precisam de negociações. Essa é uma questão de formação de valores, não só algo a ser decorado pelos alunos”, diz Lana de Souza Cavalcanti, professora no curso de Geografia da Universidade Federal de Goiás (UFG), coordenadora do Núcleo de Ensino e Pesquisas em Educação Geográfica (Nepeg - UFG/PUC Goiás e UEG) e do Núcleo de Pesquisa em Ensino de Cidade (Nupec - UFG e UEG) e editora-chefe da Revista Signos Geográficos. “Educar para o trânsito é ensinar valores no direito ao usufruto da cidade e direito à vida. A cidade é um espaço público, então, todos nela têm direitos e deveres”, complementa. Para saber mais, leia o e-book Segurança no Trânsito para a Comunidade Escolar

Um motorista desrespeita a sinalização e estaciona o veículo na vaga exclusiva para idosos. Um pedestre apressado atravessa a rua quando o sinal está aberto para os veículos. Um bebê é transportado num carro sem estar na cadeirinha obrigatória. O que é possível explorar com a turma sobre essas situações? “Vale convidar os estudantes a refletirem que pessoas são pautadas por motivações individuais (confira uma proposta de atividade sobre o tema) que podem ter consequências para a segurança e o bem-estar individual e coletivo”, explica Lana.

O trânsito, o sujeito e o espaço

Segundo a BNCC, o trabalho com Geografia permite “atribuir sentidos às dinâmicas das relações entre pessoas e grupos sociais, e desses com a natureza, nas atividades de trabalho e lazer”. Para isso, o aluno tem de entender quem é, onde se localiza e as características socioespaciais do território e da paisagem. 

É possível trabalhar a Educação para o trânsito pensando na mobilidade, na acessibilidade, na relação de cada um com a cidade. Além da dimensão territorial, também existem as dimensões política, social e ambiental que podem ser consideradas”, comenta Lana. Segundo ela, os sujeitos precisam saber como se deslocar para que possam ser e estar no espaço. Isso inclui refletir, por exemplo, sobre as consequências do excesso de carros no trânsito para o meio ambiente, sobre as opções de transporte e também sobre os cuidados necessários ao utilizar cada veículo ou se locomover a pé. Sobre esse recorte, confira uma sugestão de atividade que propõe uma reflexão sobre o caminho de casa para a escola e aspectos relacionados ao transporte e ao trânsito do entorno. 

O geógrafo Milton Santos (1926-2001) falava que a cidade é o lugar da copresença. “Partindo dessa referência, podemos dizer que a cidade é para o meu usufruto, mas também é para o uso do outro. Então, preciso aprender a praticar a minha cidadania e isso só se faz na vida pública, nos espaços compartilhados”, reflete Lana. 

Números do trânsito em classe

O Brasil tem uma população de 213,3 milhões de habitantes, de acordo com as estimativas mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ou seja, são muitas pessoas que ocupam o território e precisam se deslocar por ruas, calçadas, avenidas e estradas. 

Além do grande número de pedestres, as cidades brasileiras também têm muitos carros. Segundo o anuário de 2020 da Federação Nacional dos Distribuidores de Veículos Automotores (Fenabrave), o Brasil é o sétimo país do mundo com mais automóveis e veículos comerciais leves. Em 2021, a frota brasileira atingiu 60 milhões de unidades em circulação, o que representa um crescimento de 2,65% em relação a 2019 (vale destacar que as vendas apresentaram queda por causa dos efeitos socioeconômicos da pandemia). No ranking mundial de crescimento anual da frota de veículos, ocupamos a 17ª posição.

Segundo dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DataSUS), entre 2015 e 2019, o Brasil registrou uma queda anual de 7% nas mortes por acidentes de trânsito. Entretanto, nossos números ainda são altos: em média, 30 mil pessoas morrem por ano no país nesses acidentes. Entre as causas apontadas pela polícia estão a falta de atenção, desobediência às regras, velocidade incompatível, consumo de álcool e defeitos mecânicos. 

Mergulhar em dados sobre trânsito com os alunos de Anos Iniciais do Ensino Fundamental é uma boa pedida para falar sobre trânsito com intencionalidade pedagógica em Matemática. “Como o Brasil é um país muito grande, é mais interessante trabalhar dados por estado ou mesmo por cidade, ajustando as grandezas com o que se quer explorar com as crianças”, comenta Fernando Barnabé, professor de Matemática, especialista da área no Time de Autores da NOVA ESCOLA e consultor deste NOVA ESCOLA BOX especial. Segundo a BNCC, no 3º ano, os alunos podem trabalhar até a ordem de unidade de milhar; no 4º ano até dezenas de milhar; e no 5º ano, até centenas de milhar.

“O professor precisa ter em mente que a estatística é um dos carros-chefe da Matemática. A Base já sugere que devemos trabalhar com gráficos e tabelas, com informações de diferentes áreas de conhecimento e contextos. Temos de pensar que os números de veículos vendidos e em circulação, de acidentes e da qualidade do ar, por exemplo, podem ser dados concretos para a conscientização da comunidade escolar sobre a necessidade de se respeitar as regras e de pensar alternativas para o trânsito”, comenta Fernando. 

Pensando em um estudo amplo sobre Educação para o trânsito, é interessante, em Matemática, explorar situações-problema que relacionem atividades de geometria com aspectos diversos, como tamanho das vagas para estacionar, quantidade de veículos, tempo de mudança da sinalização semafórica, formato das placas e faixas de sinalização. Assim, os alunos poderão estudar conceitos matemáticos considerando objetos e situações que observam no dia a dia. 

Geolocalização e trânsito: tudo a ver 

Segundo Fernando, para elaborar projetos interdisciplinares sobre Educação para o trânsito, é possível unir a Matemática e a Geografia, por exemplo, em ações de trabalho com geolocalização, como a oferecida por aplicativos, por exemplo. “Para entender a planificação da cidade, dos mapas e o sistema de localização, é preciso ter noção de localização em malha quadriculada. Isso pode ser trabalhado desde os Anos Iniciais”, sugere.

Outra possibilidade de atividade é analisar com os alunos qual caminho um aplicativo apresenta para ir da casa de um estudante até a escola. A sugestão que aparece na tela é segura para os pedestres? É rápida para ser feita de ônibus? É possível ser realizada por uma pessoa cadeirante? Há opções melhores?

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