Efeméride

Leve a Semana de Arte Moderna para a sala de aula

Saiba mais sobre o evento que marca o início do movimento modernista no Brasil e que abalou as estruturas do que era reconhecido como arte

O Modernismo brasileiro dá boas-vindas ao Theatro Municipal. Na ilustração, "Antropofogia", de Tarsila do Amaral; "O Moleque", de Cândido Portinari; "Bananal", de Lasar Segall; os personagens Vei (a deusa sol) e Piaimã, do livro "Macunaíma", de Mário de Andrade; e pererecas e rãs do poema-piada de Manuel Bandeira, "Os Sapos".
O modernismo brasileiro dá boas-vindas ao Theatro Municipal. Na ilustração, Antropofagia, de Tarsila do Amaral; O Moleque, de Candido Portinari; Bananal, de Lasar Segall; os personagens Vei (a deusa sol) e Piaimã, do livro Macunaíma, de Mário de Andrade; e pererecas e rãs do poema-piada de Manuel Bandeira, Os Sapos. Ilustração: Clara Gastelois/NOVA ESCOLA

Quantos de seus estudantes não têm um espírito transformador e adorariam "mudar tudo"? Então é provável que eles gostem de conhecer uma turma de artistas que fizeram exatamente isso, cem anos atrás. 

Reunido na Semana de Arte Moderna de 1922, esse grupo debochou de todas as regras artísticas e literárias que estavam postas há décadas e fez ecoar seus ideais que até hoje reverberam, revolucionando as formas de compreender a arte e de ser um artista brasileiro.

Foi na Europa, no fim do século 19, que tudo teve início. O continente havia acabado de passar pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e enfrentava a pandemia da Gripe Espanhola. As vanguardas europeias começaram a bagunçar a cena artística. Nessa época, brasileiros que tiveram a oportunidade de estudar no Velho Mundo impressionaram-se com a potência dessa transformação artística que buscava comunicar uma nova era, mais tecnológica e industrial. 

Por aqui, no mundo da literatura reinava o parnasianismo, escola literária que deu origem ao nosso Hino Nacional, que prezava por um vocabulário rebuscado, formas rigorosas e que tratava de temas distantes da maioria das pessoas, como a antiguidade grega e romana.

Nessa conjuntura, começam a se formar pelo Brasil movimentos de artistas que queriam se libertar das amarras parnasianas, criar obras que tivessem mais a ver com a cultura, a linguagem e as identidades brasileiras e garantir que isso também pudesse ser chamado de arte, tanto quanto os poemas de Olavo Bilac (1865-1918), ícone do parnasianismo.

Para mostrar do que se tratava essa novidade, escolheram o ano de 1922 pelo simbolismo da comemoração do Centenário da Independência brasileira, e o Theatro Municipal de São Paulo, recém-inaugurado, para abrigar suas obras e apresentar seus ideais por três dias. Ao final do evento, até seria possível dizer que a Semana fora um fiasco: o público vaiou praticamente todas as apresentações e artistas. Tinha até gente que uivou e cacarejou. Nos dias seguintes, os jornais ridicularizaram o evento e a "escola futurista", como era então chamado o grupo, foram dados como fracassados. Engano! 

"Nos anos seguintes esse movimento desencadeou uma série de transformações no país, como o desenvolvimento de pesquisas sobre a realidade, a Sociologia e a História da Cultura brasileira, a ruptura com o jeito lusitano de escrever e falar e maior destaque para as mulheres nas artes", reflete Douglas Tufano, professor e autor do livro A Semana de Arte Moderna: São Paulo, 1922 (Ed. Moderna).

Em 1928, Oswald de Andrade (1890-1954), um dos expoentes do modernismo, organiza as propostas do modernismo no Manifesto Antropófago, em referência ao ritual canibal de devorar o outro a fim de incorporar seus poderes e conhecimentos. "A ideia era digerir as influências europeias e, a partir disso, criar uma identidade nacional multicultural", explica Maria José Nóbrega, professora de pós-graduação no Instituto Vera Cruz e consultora dos conteúdos deste Box. 

Dois anos depois também surge uma nova geração de escritores que se beneficiaram das investigações da realidade brasileira para denunciar crises e problemas sociais por meio da arte, dando origem à segunda geração modernista. Eles consolidaram as propostas da Semana de 22 e a mantiveram em movimento, algo que nos alcança até hoje. 

"Se temos liberdade de criar e experimentar, é porque isso começou a ser reivindicado naquela época. O conceito de arte ficou muito mais amplo: não há mais a poesia correta ou a melhor música. Mas isso continua amadurecendo e precisa avançar, porque ainda convivemos com censuras, por exemplo. Conhecer e valorizar uma identidade nossa é um projeto ainda a ser realizado", sintetiza Douglas. 

Por que é importante desmitificar a Semana e seus participantes?

Para os modernistas, nenhum artista poderia ocupar um lugar endeusado e, portanto, suas obras não eram intocáveis. Nesse sentido, na escola, vale olhar para o lugar que eles ocupavam e o contexto social. 

Na data da realização da Semana, por exemplo, a escravização no Brasil havia sido extinta há pouco mais de três décadas. "Foram artistas brancos, financiados e descendentes da elite, que se apresentaram na Semana de 22 para uma burguesia também branca e rica, que podia entrar no Theatro Municipal", pontua Maria José.

Assim, na busca pela expressão das identidades e culturas brasileiras na arte, ainda há de se avançar na valorização de produções afro-brasileiras, indígenas e das periferias urbanas, para que eles digam por si próprios sobre suas realidades e identidades. 

Grandes nomes da Literatura e a Semana de 22

Leia, a seguir, informações a respeito dos principais escritores ligados ao movimento: 

Mário de Andrade (1893-1945): Escreveu obras como Paulicéia Desvairada (1922), Amar, Verbo Intransitivo (1927) e Macunaíma (1928) - confira como elaborar um percurso de atividades para apresentar e discutir o personagem com turmas dos Anos Finais do Fundamental. Foi um dos organizadores da Semana de 22 e o primeiro a criar uma discoteca de músicas da tradição popular e cantigas brasileiras. Também incentivou a criação de bibliotecas públicas e infantis.

Oswald de Andrade (1890-1954): Um dos líderes do movimento modernista e da Semana de 22, criou o Manifesto Pau-Brasil (1925), o Manifesto Antropófago (1928) e é o autor de célebres poemas, tais como Canto de regresso à pátria (1924). Não temia a opinião pública, as vaias, não hesitava em atacar de volta e defender seus colegas, como a pintora Anita Malfatti, duramente criticada pelos opositores do modernismo.

Menotti Del Picchia (1892-1988): Abriu o segundo dia da Semana de 22 (o mais tumultuado), com uma palestra sobre arte moderna e críticas ao parnasianismo, ilustrada com leituras de textos de Mário e Oswald e outros autores. Também colocou sua coluna no Correio Paulistano à disposição dos artistas. Sua principal obra é o poema Juca Mulato (1917).

Ronald de Carvalho (1893-1935): O poeta e ensaísta ficou responsável por declamar o famoso poema Os Sapos, de Manuel Bandeira (leia o passo a passo para discutir o texto em sala), quando a revolta do público atingiu o auge na Semana de 22. Epigramas Irônicos e Sentimentais (1922) é uma de suas principais obras.

Guilherme de Almeida (1890-1969): Primeiro modernista a frequentar a Academia Brasileira de Letras, divulgou as propostas do grupo pelo Brasil e fundou a revista Klaxon, dedicada à arte moderna.

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