Geografia

Leve para a sala o debate sobre os impactos da pandemia no mundo do trabalho

Saiba como levar o tema para a sala de aula bem amparado em dados e análises feitas por especialistas

Ilustração de entregador de comida por aplicativo em frente a um portão.
Ilustração: Yasmin Dias/NOVA ESCOLA

Ruas, avenidas, trens, ônibus e metrôs vazios. Lojas, bares, restaurantes, supermercados, escritórios, escolas, universidades e centros culturais fechados. Em março de 2020, esse era o cenário da maior parte das cidades quando a pandemia de covid-19 começou no Brasil e em outras partes do mundo. E assim seguimos até o meio do ano, período em que o comércio e outras atividades econômicas puderam voltar a funcionar gradualmente – sentindo fortemente os efeitos da crise sanitária. 

O coronavírus ainda era uma incógnita para a ciência. No entanto, depois dos primeiros meses uma coisa já era dada como certa por especialistas: os impactos econômicos também seriam desastrosos. Consequentemente, isso afetaria o mercado de empregos e as relações de trabalho, não só no contexto nacional como em todo o mundo.  

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), após os primeiros monitoramentos sobre as consequências da pandemia, divulgou dados preocupantes. Naquele momento 93% dos trabalhadores viviam em países que tiveram fechamento de postos de trabalho. A região mais afetada foi a América Latina: somente no primeiro trimestre de 2020, o corte de horas trabalhadas, seja por demissão de pessoas, seja pela redução de jornada, correspondeu ao equivalente a 155 milhões de empregos de tempo integral.

No Brasil, a taxa média anual de desemprego passou de 11,9% em 2019 para 13,8% em 2020, a maior da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), iniciada em 2012. No terceiro trimestre de 2020, um dos piores momentos da pandemia, a taxa chegou a 14,6%. Já no primeiro trimestre de 2021, a desocupação subiu para 14,7%, representando 14,8 milhões sem emprego, a maior taxa e o maior contingente de desocupados de todos os trimestres da série histórica. 

A culpa não é da pandemia

No Brasil, os altos índices de desemprego, no entanto, não devem ser creditados apenas à pandemia. Desde de 2016, as taxas no país estão acima dos 10%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O mercado de trabalho brasileiro já enfrentava dificuldades para gerar novas vagas, pelo menos desde o fim de 2014. "Enfrentamos uma grande crise econômica, a maior da nossa história em termos de queda do produto interno bruto (PIB), em 2015 e 2016. Com isso, a taxa de desemprego foi elevada a níveis inéditos na série histórica”, explica Renan Gomes de Pieri, professor de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). Leia mais sobre esse assunto aqui.

De 2017 para cá, conforme Renan, o país vem apresentando uma lenta recuperação do mercado de trabalho, principalmente com a geração de vagas informais (ou seja, sem vínculos empregatícios). Tal cenário tem a ver com o advento dos aplicativos – como os de transporte e de entrega de comida –, que permitiram a aproximação entre produtores de serviços e vendedores de produtos com o cliente final. “A pandemia acelerou esse processo, uma vez que mais gente passou a utilizar compras e serviços on-line”, completa. 

A exemplo dos avanços tecnológicos que se intensificaram ao longo do isolamento social imposto pela capacidade de alto contágio do coronavírus e pelas taxas de mortalidade elevadas, o fenômeno do home office tornou-se a principal forma de dar continuidade a trabalhos que não dependiam da produção direta de um bem, como acontece nos setores da indústria e da agricultura. Diversas ocupações puderam migrar para ambientes virtuais e inovar, lançando mão de tecnologias que já eram usadas antes do colapso pandêmico, a exemplo de plataformas para reuniões virtuais, tais como Google Meet, Zoom e Microsoft Teams. Leia mais sobre o assunto em Quais são os novos empregos, as novas demandas e as novas relações de trabalho?

Por outro lado, a pandemia forçou uma adaptação de quem passou a ser o fornecedor do trabalho e ela também ampliou a precarização laboral. É o que afirma Sueli Furlan, professora da Universidade de São Paulo (USP) e formadora de professores. “Muitas pessoas passaram a trabalhar de casa, usando seu computador, energia elétrica, alimento etc. A covid-19 agravou a precariedade porque as pessoas demoraram a se adaptar bem como as empresas demoraram a fornecer condições de trabalho”, pontua.

Sueli ressalta também que todos esses processos que envolvem trabalhos precarizados e desregulamentados pela legislação trabalhista (e que chegam com a modernização tecnológica), não surgem com a crise de covid. “Muita gente faz associações entre essas coisas como se elas tivessem sido inauguradas pela pandemia. Precisamos quebrar esse entendimento. Elas já existiam e só foram potencializadas pelo contexto”, explica.

Trabalho e suas relações na escola 

Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), Mundo do Trabalho é uma das cinco unidades temáticas de Geografia para o Ensino Fundamental.

Mais do que interessante, então, é essencial levantar em atividades diversas questões como desemprego, precarização das relações trabalhistas, inovações tecnológicas e outras transformações nesse mercado ocorridas durante a pandemia.

Maria Ediney Ferreira, doutora em Geografia pela USP e especialista do Time de Autores de NOVA ESCOLA, frisa que esses temas apresentam para os alunos diferentes realidades e suas escalas. Para além de receberem informações sobre isso, pelos meios de comunicação, todos sentimos na pele, de alguma maneira. Explorar o cotidiano da turma é uma oportunidade para a escola toda, não apenas para os professores de Geografia, compreenderem a situação dos estudantes e de suas famílias e usar isso a favor da aprendizagem. Como lidaram com a incerteza do trabalho, como driblaram as dificuldades?

Outra sugestão para sala de aula é de Lana Cavalcanti, professora da Universidade de Goiás (UFG) e pesquisadora do ensino de Geografia: usar como pano de fundo das discussões sobre as atualidades o conceito de trabalho, muito amplo e que constitui o que entendemos como humanidade. “Trabalho é uma coisa, emprego é outra. O trabalho é constitutivo do homem, mas nem todo trabalho resulta num salário no fim do mês. Quando temos consciência do trabalho que vai além do emprego, temos mais chance de emancipação para sair dessa crise do mundo do trabalho”, acrescenta.

Sueli Furlan oferece mais uma possibilidade para momentos de estudo: sugerir para a turma analisar os impactos positivos da pandemia no universo do trabalho. Que tal pesquisar sobre as novidades que apareceram nos últimos dois anos, consultando notícias de jornais e sites? Confira aqui mais uma sugestão de prática.

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