Nova ordem mundial

Quais são os novos empregos, as novas demandas e as novas relações de trabalho?

Explorar com os alunos essas mudanças é interessante porque ajuda a turma a ter uma visão crítica sobre elas

Ilustração de criança em frente a um semáforo, vendendo balas.
Ilustração: Yasmin Dias/NOVA ESCOLA

Especialistas consultados por NOVA ESCOLA elencaram e explicaram seis mudanças que surgiram ou foram potencializadas pela crise sanitária e o que é importante colocar em discussão com os estudantes, para evitar que reproduzam ideias falsas, ingênuas, sem embasamento ou preconceituosas. Confira a seguir: 

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1. Novas profissões e relações de trabalho

Atualmente, o Brasil registra 2.269 ocupações legalmente reconhecidas pelo Ministério do Trabalho. Uma das mais novas é analista de e-commerce, que faz parte de um dos tipos de comércio que mais cresceram ao longo da pandemia. Além das novas profissões, surgiram também novos empregos em todos os setores da tecnologia, segundo Sueli Furlan, professora de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). Esse cenário não só veio para ficar, como vai continuar crescendo, com o surgimento de novas demandas no segmento de tecnologia e inovação. “Em contraponto, isso não quer dizer que os novos empregos, que fazem parte da lógica capitalista, são melhores ou piores do que os outros nem que que as relações de trabalho são positivas”, pontua a educadora.


2. Maior uso de ferramentas digitais

Plataformas para reuniões, aulas e videoconferências, redes sociais com lives, webbinários, fotos e vídeos, aplicativos de transporte e de entrega e serviços de streaming são algumas das ferramentas digitais que mais foram utilizadas nos últimos dois anos. “Já faz algum tempo que tínhamos a nosso dispor essas ferramentas. Mas é fato que nunca havíamos despertado para tantas possibilidades de uso. Foi uma descoberta e um investimento em momento oportuno, cheio de desafios. Boa parte delas é cada vez mais mais usada de agora em diante”, fala Maria Ediney Ferreira, doutora em Geografia pela USP e especialista do Time de Autores de NOVA ESCOLA.


3. Mais ambientes virtuais, compras pela internet e pelo celular

Um dos setores que mais cresceram durante a pandemia, o e-commerce atingiu recorde de vendas no Brasil no primeiro semestre de 2021 (R$ 53,4 bilhões) e cresceu 31% em relação ao mesmo período do ano anterior, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Mesmo antes da crise sanitária, os aplicativos de delivery também já eram bastante utilizados. Sem poder sair de casa ou preferindo evitar ao máximo, muitas pessoas passaram a usar ainda mais serviços de entregas de comida, produtos e mercadorias diversas. Uma pesquisa da Associação Brasileira de Franchising (ABF) revelou que, no início da pandemia, o faturamento de delivery era de 18% e saltou para 36%.


4. A vez do trabalho remoto e do home office

Diante das medidas de restrição à circulação e aglomeração de pessoas, o home office foi a saída encontrada por muitas empresas para prosseguir com as atividades. No primeiro ano de pandemia, dos 74 milhões de trabalhadores ativos no Brasil, 11% exerceram suas atividades profissionais de forma remota, o equivalente a 8,2 milhões de pessoas. O estudo, realizado entre maio e novembro de 2020 e divulgado em 2021, é do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), que mostrou, também, que a maioria desses trabalhadores é da Região Sudeste, da cor branca e tem ensino superior. Outro levantamento, do portal vagas.com, apontou que, naquele ano, o volume de vagas ofertadas pelas empresas em regime de trabalho flexível aumentou 309%. Renan Gomes de Pieri, professor de Economia da FGV, afirma que, com o afrouxamento das regras de restrição de circulação de pessoas, é muito provável que empresas que adotaram o home office migrem para o modelo híbrido, ou seja, parte dos dias em casa, parte na empresa. “Essa tendência de trabalhar em casa veio para ficar porque reduz custos de aluguel de salas, de viagens, de tempo de deslocamento das pessoas. Tem muitas vantagens. Mas o contato presencial é importante e vai continuar sendo”, avalia. Esse novo esquema cria uma série de desafios, principalmente para o setor público, no que diz respeito a fiscalizar essas formas de trabalho, de acordo com o especialista. “Não temos como saber em quais condições uma pessoa trabalha em casa. Ao mesmo tempo que está trabalhando, cuida da família, de questões do dia a dia. Seus horários já não são tão mais respeitados etc. Acaba surgindo uma série de dificuldades, inclusive problemas de saúde”, diz Renan.


5. O aumento da informalidade e da uberização

Lana Cavalcanti, professora da Universidade de Goiás (UFG) e pesquisadora do ensino de Geografia, afirma que a informalidade vem travestida do que especialistas têm chamado de "uberização", termo que surgiu a partir do aplicativo de carona Uber e vem sendo utilizado para se referir à desregulamentação do trabalho. “A informalidade gera uma ideia falsa de autonomia para o trabalhador. Ele não tem patrão, mas também não tem nenhuma garantia de proteção enquanto trabalha”, explica Lana. Esse esquema é uma das formas de flexibilizar as relações trabalhistas e de colocar o peso no indivíduo, que se vê como empreendedor de si mesmo e não pode cobrar de ninguém seus direitos trabalhistas. Para Renan Gomes de Pieri, o processo de uberização é mais positivo do que negativo, ainda que carregue consigo a característica da informalidade. Ele reforça que sempre existiram pessoas ocupando posições de trabalho sem regulamentação e que isso tem a ver com uma série de problemas, como custos de contratação e demissão de trabalhadores, baixo crescimento do país, tributação sobre folha salarial, regulamentação do piso salarial. O que se chama de uberização hoje, segundo Renan, com sentido pejorativo, é consequência do pequeno crescimento econômico, o qual gerou um volume de desempregados muito maior do que essas novas modalidades de trabalho em si. “Em um país como o Brasil, onde a taxa de desemprego estava acima de 12%, as pessoas aceitam qualquer trabalho. Não tem regulamentação que resolva o problema da informalidade enquanto existir uma quantidade de desempregados muito grande. Se queremos diminuir a precarização das relações trabalhistas, a economia precisa gerar mais vagas”, completa.


6. A organização de grupos por direitos trabalhistas

Para Sueli Furlan, o lado bom do cenário agravado pela pandemia é o fortalecimento de outro tipo de movimento social do trabalho, que está se organizando em pequenos grupos. “É uma união de forças que não existia na informalidade anterior, quando o trabalhador ficava à margem, como um um excluído”, observa. A professora explica que redes como Uber, por exemplo, têm permitido que trabalhadores informais estabeleçam conexões de luta, como vem acontecendo também entre prestadores de serviços de empresas como iFood, que lutam por melhores condições trabalhistas. “De um lado, a tecnologia permite o perverso, que é a falta de respeito à legislação. Por outro, possibilita conexões, ninguém mais fica isolado, com seus desesperos”, ressalta.

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