Para inspirar

Discuta com os alunos a piora do desemprego e da informalidade na pandemia

O senso comum afirma que a covid-19 provocou essas situações. Na verdade, elas já existiam. Ajude os estudantes a enxergarem isso e entender os efeitos na vida dos brasileiros

Ilustração de pessoas em fila para receber benefícios por desemprego.
Ilustração: Yasmin Dias/NOVA ESCOLA

Desde 2016, a taxa de desocupação no Brasil passa dos dois dígitos, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Sendo assim, podemos afirmar que o desemprego no Brasil não é uma realidade que chegou com a pandemia de covid-19. No entanto, sim, a crise provocada pelo coronavírus afetou a vida de muitos trabalhadores que foram demitidos ou se viram impossibilitados de sair de casa para trabalhar com um vírus letal à solta. 

A taxa média anual de desemprego aumentou de 11,9% em 2019 para 13,8% em 2020, a maior da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), iniciada em 2012. Em 2021, essa porcentagem caiu para 13,2%, mas ainda é a segunda taxa média anual mais alta já registrada nos últimos dez anos. No quarto trimestre do ano, o desemprego foi de 11,1%, o que corresponde a mais de 12 milhões de pessoas em busca de trabalho. 

Confira quais os efeitos na vida dos trabalhadores brasileiros desse cenário de desemprego e informalidade maiores, de acordo com especialistas consultados por NOVA ESCOLA.

divisória

1. Desigualdade social 

Acompanhando o cenário do desemprego e da precarização do trabalho, a taxa de informalidade também aumentou em 2021 quando comparada aos números de 2020. De acordo com o IBGE, a média anual passou de 38,3% no primeiro ano de pandemia para 40,1% no ano passado. Já a média anual de empregados sem carteira assinada chegou a 11,2 milhões de pessoas e a dos trabalhadores por conta própria a 24,9 milhões de pessoas (2,5 milhões a mais do que em 2020). Sueli Furlan, professora da USP, explica que o trabalho informal é uma característica da desigualdade social e do próprio capitalismo, sistema que precisa do trabalho não regulamentado para rebaixar salários e, ao mesmo tempo, dar ganho de capital aos empreendedores. Em sala de aula, é interessante conversar com os estudantes sobre os motivos da desregulamentação do trabalho formal. Isso ocorre porque o neoliberalismo “combate” os custos que a legislação impõe e porque, no Brasil, setores empresariais sempre tentam, de alguma maneira, burlar essas obrigações. “A formalidade (vínculos formais de emprego) sempre gerou muita reação dos empresários do setor produtivo, que a enxerga como sinônimo de custos que comprometem seu lucro”, explica Sueli. Assim, tudo isso faz parte de um processo de conflito do mundo do trabalho. O cenário provocado pela covid só acentuou a situação. 


2. Jovens mais impactados

A informalidade é ainda maior entre os jovens. Um levantamento da consultoria IDados, realizado com base na Pnad Contínua e divulgado em dezembro de 2020, revela que oito em cada dez jovens de até 24 anos têm empregos que, por uma série de fatores, são considerados precários. Isso representa 7,7 milhões de pessoas – 77,4% dos jovens empregados no país no segundo trimestre daquele ano. Lana Cavalcanti, da Universidade Federal de Goiás (UFG), explica que é preciso considerar que o jovem de hoje nasceu dentro da lógica dos avanços tecnológicos, que começaram fortemente na década de 1980. Isto é, com internet, computador e celular, e por isso é muito mais vulnerável a esse estado de coisas. Inclusive, a ponto de acreditar ser livre para fazer o que quer, que não precisa de patrão e não querer ninguém mandando nele. “Ilusões”, diz ela. Ao mesmo tempo que têm a ideia de que pode ser empreendedor de si mesmo, esses jovens buscam emprego para manter a si e ajudar a família e acabam, muitas vezes, caindo no esquema da informalidade, segundo a professora. Em aulas, vale problematizar a situação: esses jovens aceitam “bicos” de entregador de aplicativos, por exemplo, enquanto estão definindo sua carreira e muitos acabam por ficar nessa forma de trabalho. Como se não bastasse, nessa faixa etária, eles estão ainda mais expostos à informalidade ilegal e criminosa. 


3. “Nem estuda nem trabalha”

Outro agravante é que boa parte dos jovens nem trabalha nem estuda — os chamados “nem-nem”, grupo que também cresceu ao longo da pandemia. De acordo com levantamento da IDados, até o segundo trimestre de 2021 o número de jovens de até 29 anos nessa situação chegava a 12,3 milhões (o que representa 30% das pessoas dessa faixa etária). No total, são 800 mil pessoas a mais do que no primeiro trimestre de 2019, quando o contingente era de 27,9%. Para Lana, isso se deve a uma crise na Educação, ainda mais com a evasão escolar provocada pela pandemia, e esse é um assunto que precisa ser falado na escola. Ainda de acordo com a professora da UFG, muitos podem ser desalentados porque não têm mesmo uma perspectiva de futuro, e muitas vezes não enxergam a escola como o caminho para o futuro. E os que estão na escola, eu diria que têm esse imaginário de que pela Educação vão encontrar a perspectiva de trabalho e de vida deles. “É esse nosso desafio como professores: ter sensibilidade para compreender essa turma e ajudar a encontrar um caminho”, reforça Lana.


4. Gente com fome e em situação de rua

Com alta do desemprego e preços de alimentos maiores, assistimos no decorrer dos últimos meses cenas estarrecedoras de pessoas revirando lixo em busca de comida ou à espera de restos de ossos em filas de açougues. Nos últimos meses de 2020, mais de 19 milhões de brasileiros passaram fome e mais da metade dos domicílios no país enfrentaram algum grau de insegurança alimentar, segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), divulgado em 2021. Outro efeito do desemprego é o crescimento da população em situação de rua. A prefeitura de São Paulo apurou que em dois anos o número de pessoas vivendo nessa condição deu um salto de 31%. Isso representa 7.540 a mais no contingente – o equivalente a toda a população em situação de rua do Rio de Janeiro. No total, são quase 32 mil pessoas nas ruas da capital paulista. As informações fazem parte do primeiro Censo da População em Situação de Rua, divulgado pela gestão municipal de São Paulo. O levantamento mostra ainda que houve aumento de 330% na quantidade de barracas (classificadas como moradias improvisadas) na cidade em 2021 em comparação a 2019. Tanto a fome quanto a situação de rua são assuntos que valem fazer parte do planejamento para explorar com os alunos.

divisória

Mais sobre esse tema