Para saber mais

Entrevista: o papel do professor na aprendizagem ativa

Professor da USP e consultor de transformação, José Moran discute desafios e competências para o professor que terá de trabalhar on-line

Ilustração: Rafael Cerveglieri


José Moran, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP), defende que o ensino remoto forçado pela pandemia de coronavírus pode ser uma oportunidade para repensar a interface da Educação com a tecnologia. Mas não se pode desprezar as dificuldades: "Para muitos profissionais, esse sufoco pode ser imobilizador, principalmente diante de desafios muito reais, como a conexão e o acesso à tecnologia", afirma. Moran foi professor de Novas Tecnologias na USP, hoje atua como consultor em projetos de transformação no ensino – da Educação Infantil ao Ensino Superior – e escreve no blog Educação Transformadora. Além disso, produziu obras que se tornaram referência na área, como o livro Metodologias Ativas para uma Educação Inovadora: Uma Abordagem Teórico-Prática, organizado em parceria com a especialista Lilian Bacich. Na entrevista a seguir, ele destaca desafios e oportunidades trazidas pela necessidade de pensar o ensino mediado pela tecnologia.

NOVA ESCOLA: Quais as oportunidades e desafios deste momento para a Educação Básica?
JOSÉ MORAN:
É natural do ser humano aprender no sufoco, na necessidade. Então, esse é um momento de aprender muito. Mas para boa parte dos profissionais, essa situação pode também assustar e imobilizar. Muitos professores vão olhar só para as dificuldades – que são reais. Todos precisamos considerar que essa é uma situação nova e está obrigando instituições de todo o mundo a se adaptarem. Teremos de passar por isso também.

Quais são as características dessa educação remota que teremos de implantar?
Precisamos ter dimensão de que é necessário planejamento. Não se trata de transformar o tempo de aula presencial em tempo de aula on-line. É importante deixar materiais disponíveis, elaborar roteiros de estudo, propor atividades para que eles realizem sozinhos e em grupo. Também é o momento de recorrer a metodologias ativas, como a aprendizagem por projetos. A aula invertida pode ser muito útil.

Quais são as competências que o professor precisa desenvolver para dar conta desse momento?
A primeira é enfrentar desafios, lidar com o inusitado e o inesperado. Além dela, há três características desse novo modelo e que teremos de aprender a utilizar: a personalização, a colaboração e a tutoria. As atividades precisam considerar que os alunos aprendem de maneiras diferentes, devem dar espaço para que eles se comuniquem e colaborem digitalmente e, por fim, precisam considerar o professor em um papel de tutoria, como alguém capaz de orientar projetos e conduzir a aprendizagem.

O que fazer se não for possível atender a todos os estudantes nesse modelo?
Precisamos contar com a disponibilização da infraestrutura, para garantir que os alunos tenham como acessar os conteúdos. Em alguns casos, teremos de nos contentar com um modelo que dê conta da maioria dos estudantes e pensar em alternativas para aqueles que não conseguirem usar as tecnologias propostas.

Como metodologias ativas, como a sala de aula invertida, podem ajudar neste momento?
Vivemos uma situação ideal para que o professor saia da mera ideia de ficar dando aula expositiva. Essas metodologias pressupõem um aluno que pesquisa, aplica seus conhecimentos e traz contribuições para o coletivo, além de trabalhar em grupos e resolver desafios. Essas estratégias são fundamentais para que os alunos se engajem e possam mudar profundamente o mindset para que compreendamos não ser necessário estar fisicamente juntos o tempo inteiro para aprender.

Qual o maior risco deste momento?
Um primeiro risco é a sobrecarga em cima tanto do professor quanto do aluno, que é maior quando o professor se dedica apenas a transpor o conteúdo da aula presencial para videoaulas longas e que acabam se tornando maçantes. É preciso recorrer a outras estratégias.

Como a ideia de personalização do ensino pode estar presente no planejamento?
Partimos da ideia de que há situações desiguais: alunos com mais e menos acesso à internet, mais interesse por um ou outro tipo de conteúdo, e assim por diante. Quando juntamos recursos diversos, os estudantes podem selecionar o caminho que gostariam de seguir. É importante que esteja dentro das suas possibilidades, principalmente das tecnológicas. Se um professor disponibiliza materiais leves, por exemplo, o aluno com dificuldades de acesso poderá chegar a elas com maior facilidade. Essa é uma tendência que já vinha se desenhando, vai ganhar força agora e deve se manter após o fim dessa epidemia.



Diante da pandemia do coronavírus, esse conteúdo está aberto para todos os nossos leitores. Outros temas do Nova Escola Box são exclusivos para assinantes, caso queira ler mais e ainda não tenha uma assinatura, clique no botão abaixo e conheça nossos planos :)

Quero Assinar!

Mais sobre esse tema