O que é comida e o que é saudável
Todos conhecem a importância de comer bem, mas é preciso refletir sobre o que significa isso e como as crianças desenvolvem seus hábitos alimentares
Cenas assim são comuns: bebês sentados no penico mesmo sem utilizá-lo ainda, crianças sem dentes brincando de escová-los, pequenos "esfregando os cabelos" que depois precisarão ser limpos de novo pelos adultos. "Todos os nossos rituais da vida cotidiana são incorporados porque os praticamos com frequência, alguns desde muito pequenos", afirma Lourdes Ferreirinha, professora da Escola de Nutrição da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Construir os hábitos alimentares desde a infância depende, portanto, de que elas estejam envolvidas nos mais diversos rituais que envolvem a alimentação: conhecer os alimentos, investigar suas características, observar as transformações que acontecem nos ingredientes durante a preparação são algumas das experiências que bebês e crianças podem vivenciar no cotidiano. Durante a suspensão das atividades presenciais por causa da pandemia de Covid-19, é possível que educadores dialoguem com as famílias e expliquem como elas podem propor experiências que enriqueçam a hora da refeição e estimulem no desenvolvimento de hábitos saudáveis.
Comer como relação
Quando frequentam a instituição de Educação Infantil, as crianças são impactadas por ações em diferentes frentes: nos momentos de alimentação, em atividades promovidas pelos educadores e também nas refeições que fazem fora do ambiente educativo. Nesses momentos, entram em jogo não apenas os alimentos com as quais elas interagem, mas também o contexto em que essa interação ocorre. "Hoje, acreditamos que há uma importância grande do que se come, mas também do como se come", destaca Juliana Bergamo Vega, pesquisadora do Programa de Transtornos Alimentares na Infância e Adolescência da Faculdade de Medicina da USP (Protad/FMUSP) e autora da página Papos de Papás.
A construção de bons hábitos alimentares passa pelas oportunidades dos pequenos de comerem em um ambiente agradável, de poderem ter um momento de prazer e de interação com amigos e com adultos. “Na escola, com as outras crianças, eles observam muito o colega e isso é importante para que queiram experimentar algo novo, algo diferente, por exemplo", diz Bruna Soares, coordenadora pedagógica da CEEI Almerinda Pereira Chaves, em Jundiaí, no interior de São Paulo.
Com as escolas fechadas, educadores podem incentivar pais a valorizarem os momentos das refeições, quando possível, e envolver as crianças em todo o ritual. "Convidar para ajudar a preparar a mesa, a apoiar na higienização e na preparação dos alimentos, conversar sobre a comida e sobre os hábitos de higiene pessoal antes de comer... Tudo isso ensina muito sobre o cuidado de si, sobre as relações e sobre a importância da alimentação", explica Bruna.
Outro caminho é tentar promover experiências de troca entre as crianças e com a instituição escolar. Na Escola Vera Cruz, na capital paulista, e-mails sobre diversos assuntos ligados à rotina durante o período letivo são enviados aos pais e responsáveis todos os dias. “A ideia era manter o vínculo das crianças com o projeto da escola, e a alimentação é parte disso", conta a coordenadora pedagógica Fabiana Meirelles. Foi assim que chegou até a caixa de entrada das famílias receitas como a de um bolo que é oferecido como lanche às crianças. No grupo de 3 anos de idade, que já tinha iniciado uma investigação sobre alimentação, outras iniciativas também estão acontecendo. “Eu disponibilizo alguns videozinhos meus cozinhando e também há um convite para que as famílias troquem receitas que fazem parte do dia a dia delas", conta Simone Spadotto Aiex, uma das educadoras responsáveis pela turma (leia aqui uma proposta de como organizar esse processo).
A cozinha como laboratório
Para todos os pequenos, a oportunidade de interagir com o momento da alimentação é uma oportunidade de exploração fantástica. Observar, cheirar, degustar e brincar com frutas, legumes e utensílios pode ser um primeiro passo para os menores. “É importante que eles tenham acesso a uma variedade de alimentos. O papel dos adultos é observar como eles interagem e ver o significado que atribuem a esses itens", diz Fabiane.
Conhecer e provar alimentos variados, sobretudo legumes, verduras e frutas in natura, também é fundamental para que as crianças desenvolvam o hábito de comer os alimentos mais benéficos para sua saúde. “A concepção de alimentação saudável hoje está relacionada ao nível de processamento dos alimentos", conta Lourdes. Quanto mais processado o alimento – ou seja, quanto mais ele se distancia, por meio de transformações feitas pela indústria, da forma como ele é encontrado na natureza –, menos saudável ele é. Os pequenos podem também participar da discussão do porquê de alguns alimentos, como biscoitos recheados e salgadinhos, estarem menos presentes do que frutas, por exemplo.
Em tempos de Educação remota, vale sugerir que as famílias convidem as crianças a estarem presentes na cozinha, brinquem com os alimentos, observem a sua preparação e – quando possível – participem. Assim, reconhecem não só os aspectos de saúde, mas também, podem acompanhar os processos de transformação física e química que acontecem quando se faz uma salada, quando se prepara um suco ou se assa um pão (nesta caixa, você encontra aqui sugestões de receitas).
Todas essas ações passam longe da ideia de fazer palestrinhas sobre o que as crianças devem ou não comer, mas permitem que elas vivam experiências e construam sentido sobre o ato de alimentar-se e a importância da alimentação para se conhecer, conhecer ao outro e cuidar de si.
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