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Tão longe, tão perto: como estreitar os laços com as famílias
Situação inédita para todos, ensino remoto pode ser oportunidade para estabelecer diálogo franco e promover a troca de experiências
Quando a quarentena começou no Brasil, no fim de março, Ceila Luíza Pastório, 40 anos, diretora pedagógica da Creche Baroneza de Limeira, em São Paulo (SP), não sabia sequer fazer uma chamada de vídeo pelo WhatsApp. Usar o aplicativo Google Meet para um encontro virtual, então, era um mistério. “Levei tempo para me adaptar. Me angustiei no começo, mas entendo a educação como missão. Então precisava partir para a ação”, lembra a gestora.
Para chegar às crianças, era necessário estreitar o laço com as famílias. “Criar encontros virtuais parecia algo inatingível. Mas, com 714 crianças, já conseguimos realizar cinco reuniões de pais, cada uma com cerca de 100 participantes”, diz Ceila, que considera o feito uma das conquistas da quarentena que vieram para ficar. “Nossa escola não perde mais isso”, afirma.
Antes de cada encontro, um protocolo sobre como se comportar é enviado a pais, responsáveis e educadores. Cada um que entra na reunião faz o registro da presença pelo chat, meio usado também para enviar dúvidas e comentários. Só um microfone fica aberto por vez. Ao final da conversa, pai ou mãe que quiser falar sobre algo não abordado anteriormente pode se expressar.
“O professor e o gestor têm de priorizar a comunicação com a família, e, para isso, é fundamental entender a realidade de cada turma”, diz a psicóloga Débora Bicudo Faria Schützer, doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Neste momento, isso pode se traduzir em identificar falta de acesso à internet, dificuldades no uso de ferramentas digitais ou complicações econômicas em razão da pandemia, por exemplo. Segundo Débora, estabelecer um diálogo genuíno, começando pelos sentimentos que cada um tem em relação à nova realidade, é o primeiro passo para criar uma conexão.
“Senti muitas mães perdidas, achando que deveriam ser as professoras dos filhos. Elas queriam fazer tudo”, comenta Ceila. “Havia também pais dizendo ‘eu não aguento mais!’”, lembra. O contato entre educadores e família foi fundamental para criar empatia, diante do enfrentamento de problemas comuns, em uma situação inusitada para todos. Mas também, foi o momento para deixar claro aos pais que, na Educação Infantil, algo que pareça pueril para um adulto é muito precioso para uma criança. Uma proposta de desenho, por exemplo, é uma maneira de expressão da criança (leia mais sobre o tema aqui).
“Ao estabelecer uma boa comunicação, os professores conseguem levar informação à família a respeito das práticas que devem ser desenvolvidas com as crianças, deixando claro que as escolhas não são aleatórias e há toda uma estrutura pedagógica que sustenta cada atividade”, explica Ana Teresa Gavião, diretora da Fundação Antônio-Antonieta Cintra Gordinho, que mantém escolas de Educação Infantil e Ensinos Fundamental e Médio em Jundiaí (SP). Pais, responsáveis e professores nunca precisaram estar tão próximos, a ponto de se tornarem corresponsáveis pela educação das crianças, diz ela.
Outro ponto a ganhar força no contexto atual é a troca de experiências entre as famílias, o que reforçou os laços de comunidade. “Uma das coisas mais legais do grupo criado na plataforma on-line foi o compartilhamento de saberes”, diz Ana Teresa. Ela conta que os pais dos bebês, por exemplo, não sabiam como estimulá-los, e os pais de crianças mais velhas deram sugestões sobre o uso de materiais simples – potes de plástico e colheres de pau, entre outros – como brinquedos não estruturados.
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), Ana Teresa diz que mesmo momentos sofridos vividos individualmente durante a pandemia podem trazer aprendizados importantes para o grupo como um todo. Ela relembra quando a professora de Matemática perdeu o pai, em maio, vítima da covid-19. “Alguns docentes se mobilizaram e gravaram depoimentos de crianças e adolescentes contando o que a palavra perda representava para cada um”, comenta. O resultado deu origem a um mapa, que mostra o significado da perda dentro da comunidade da escola, e também um vídeo, enviado à professora de Matemática. “Ela ficou muito emocionada”, reflete Ana, ao sentir que a perda dela encontrava eco em todo o grupo.
Justamente por enfrentar uma situação inédita para todos, diz Débora, o professor precisa descer do “pedestal” em que, muitas vezes, é colocado pela sociedade – de ser alguém que tem todas as respostas. “É o momento de aprender juntos e descobrir que somos todos humanos”, completa.
Dicas para fortalecer a parceria
- Mapear o contexto familiar das turmas;
- Promover encontros periódicos;
- Estabelecer combinados e limites;
- Estimular o diálogo franco;
- Explicar as intenções pedagógicas das atividades;
- Incentivar a troca entre as famílias.
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