Para aprender sobre a prática

O que é um material de largo alcance e para que ele serve

Objetos triviais, tais como colheres, potes e folhas secas, além de baratos e acessíveis, são muito inspiradores para a imaginação das crianças

Em respeito às normas de segurança sanitária durante a pandemia, a fotógrafa Marcela Alvim produziu em casa, especialmente para NOVA ESCOLA, um ensaio registrando as brincadeiras da filha, Maitê Maia Alvim, de 1 ano e 9 meses, e do sobrinho, Bernardo, de 4 anos. Neste clique, é Bernardo quem aparece se divertindo na caixa de papelão. Foto: Marcela Alvim/NOVA ESCOLA

O que é um graveto para você? E para uma criança, o que será que ele é? Quem sabe uma varinha mágica, uma ferramenta para batucar e rabiscar o chão de terra ou o que a criatividade quiser essa é a potência dos materiais de largo alcance. Diferentemente de brinquedos estruturados, como um carrinho, que oferecem pistas de qual é seu uso mais provável, potes, colheres, elementos naturais, tecidos, cestos, sucatas e outros objetos do cotidiano não trazem esse direcionamento o que é muito vantajoso.

Esses materiais de largo alcance, também conhecidos como materiais não estruturados (termo cunhado pelo psicólogo russo Alexei Leontiev — 1903-1979), permitem que os pequenos atribuam sentidos únicos aos objetos, investigar hipóteses sobre o mundo que os cerca e criar brincadeiras muito próprias.

E esse processo tem início bem cedo, assim que os bebês aprendem a segurar e manusear diferentes artigos. Para apoiar essa interação, as pedagogas Elinor Goldschmied e Sonia Jackson criaram, em 2006, a metodologia do Cesto de Tesouros, em que um adulto oferece a um bebê, que ainda não se desloca, objetos com diferentes pesos, formas, dimensões, texturas, temperaturas, flexibilidades, sons, cheiros e gostos, para que ele os explore livremente. “A preferência é sempre por matérias-primas naturais e diversas”, recomenda Ana Paula Yazbek, diretora pedagógica do Espaço Educação Infantil, em São Paulo (SP).

Conforme a coordenação motora se aprimora, a atividade também fica mais complexa. “Eles [os pequenos] passam a construir, enfileirar, classificar, empilhar, derrubar e investigar como os objetos se relacionam. Depois, entram no jogo simbólico e atribuem significado para esses materiais, que é a brincadeira do faz de conta”, explica Mariana Americano, formadora de educadores no Instituto Avisa Lá. Criar oportunidades para que as crianças façam essa interação é o que as autoras Goldschmied e Jackson chamaram de “brincar heurístico” (a heurística, da qual vem o termo, é um conjunto de métodos científicos com o objetivo de inventar e descobrir coisas novas).

Durante o isolamento social, promover atividades com materiais de largo alcance pode ser especialmente interessante porque, com eles, as crianças não dependem da ação de adultos e podem aproveitar objetos facilmente encontrados dentro de casa, alternativa aos brinquedos a que a criança já está acostumada. E caso a família queira acrescentar os elementos da natureza, como folhas e gravetos, também é possível coletá-los no quintal ou, se for seguro, sair para procurá-los nas proximidades de casa.

O papel dos adultos

As brincadeiras com materiais de largo alcance não foram inventadas pelos adultos: é algo que os pequenos fazem por vontade própria. Justamente por isso, as intervenções de professores e familiares devem se restringir a oferecer os objetos, cuidar para que sejam seguros, disponibilizá-los com atenção à estética e observar.

“Certa vez organizamos um espaço muito atraente do nosso ponto de vista. Assim que as crianças chegaram, desmancharam tudo. Se a nossa reação tivesse sido de reprimi-los, não funcionaria. Temos de lembrar que o brincar não tem certo ou errado e deve sempre partir do que mais interessa a cada criança”, afirma Ana Paula.

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