Como a professora Patrícia levou afeto a distância para crianças e famílias
Em Joinville, a docente tem mantido o vínculo com uma rotina de trocas de áudios com os pequenos e seus responsáveis
“Estamos encantados e muito satisfeitos com a qualidade do CEI Felícia. As atividades são riquíssimas, contextualizadas, e a apresentação também é excelente. A professora Patrícia é dedicada, interessada e muito carinhosa. Mesmo sem conhecê-la pessoalmente, e nós com pouquíssima experiência presencial com a escola, podemos perceber tantas qualidades. Parabéns e obrigada!!!”
A mensagem acima foi recebida em setembro, com misto de alegria e alívio por Patrícia Anelise Sardagna Schroeder, que atua na CEI Professora Felícia Cardoso Vieira, em Joinville (SC). Ela foi enviada por Marília Fritzen Campos Morande, mãe de Mariana, de 5 anos, que precisou mudar de escola em plena pandemia.
Como fazer o acolhimento da criança e integrá-la à turma em um ambiente de ensino remoto? Essa preocupação veio somar-se a outra, presente desde o fechamento das escolas em março: como demonstrar afeto e manter o vínculo com as crianças? A mensagem dessa mãe foi, para Patrícia, mais um sinal de que suas iniciativas têm dado resultados.
Nada substitui o abraço, sentar ao lado e conversar ou brincar, o olho no olho, observar as atividades sendo feitas em tempo real e poder oferecer imediatamente estímulo ou ajuda. Mas, quando o presencial deixou de ser opção, os professores da Educação Infantil se viram diante do desafio de trabalhar com o possível e estabelecer vínculos de outras maneiras.
Afetividade é conceito amplo
Falar de afeto é falar de saúde mental, afirma Tágides Renata Mello, coordenadora de Educação Infantil da Escola Educare e professora do curso de Pedagogia do Centro Universitário de São Roque, ambas no município paulista de São Roque. “Isso porque afeto não está relacionado exclusivamente a ser carinhoso, dar colo e abraço. É dar atenção a como eu afeto o outro, que pode ser de maneira positiva ou negativa”, explica. A coordenadora conta que há vários estudos discutindo como a afetividade influencia no desenvolvimento humano em três aspectos: motivação, segurança e autoestima. “A criança afetada de maneira positiva vai se sentir mais segura para colocar seus pontos de vista e também em relação ao aprendizado”, comenta Tágides. E exemplifica com a questão do erro, algo que, em geral, a criança tem medo. Se a postura do professor é de acolher esse erro com afeto, a criança vai entender que pode errar, pois o erro faz parte da construção do aprendizado (leia a íntegra da entrevista com Tágides aqui).
Escuta e atenção como estratégias
Com 39 anos, Patrícia atua na rede pública de Joinville há cinco anos, sendo pouco mais de dois anos na escola atual. Ela tem dois grupos: 23 crianças na parte da manhã e outras 22 à tarde. Com o início do distanciamento físico, conta a professora, vieram a insegurança e o medo em relação a como iria desenvolver seu trabalho e como as crianças e as famílias iriam receber as novidades. Aos poucos, foi testando possibilidades, trocando ideias e experiências com colegas e gestores e prestando atenção aos retornos das turmas. As estratégias para manter o vínculo tiveram de ser adaptadas para ter as ferramentas tecnológicas como meio, mas a base continuou sendo presença, escuta, acolhimento e motivação.
Por meio dos vídeos, em que semanalmente conta histórias, canta músicas ou demonstra alguma experiência, Patrícia tenta se mostrar presente. “É bom para as crianças perceberem que, mesmo virtualmente, a professora continua ali. Ela não se afastou”, conta a educadora.
Com os áudios, consegue elogiar a produção das crianças, incentivar a participação e trocar mensagens com os responsáveis sobre dúvidas e dificuldades. “É tão gostoso receber áudio das crianças. Não é igual ao presencial, mas é o contato afetivo que temos no momento. O importante é a certeza do carinho recíproco”, diz Patrícia (alguns exemplos de áudios aqui).
Conforme os meses foram passando, Patrícia percebeu, por exemplo, como a saudade estava mexendo com os grupos. “Os áudios que eu recebia eram de cortar o coração. As crianças citavam os amigos, as brincadeiras e os lugares que estavam sentindo falta. Muitos perguntavam quando iríamos voltar”, relembra a professora. Essa realidade, compartilhada pelos colegas docentes, fez com que gestores e professores decidissem organizar encontros virtuais.
Nesses momentos, Patrícia tenta estimular as turmas a compartilharem experiências e sentimentos (sugestão de atividade aqui). “Para mim, como professora, (quando faço os encontros) me sinto realizada. A gente sente falta, mas dá pra ver a carinha deles felizes de verem a gente”, conta. O tema também passou a ser incluído no planejamento de atividades, com o uso, por exemplo, de leitura de livros que tratam do assunto para iniciar conversas e incentivar as crianças a expressarem suas emoções por meio de desenhos.
O acolhimento precisou ser estendido aos responsáveis, com mudanças na forma de comunicação e nas atividades para se adaptar à realidade das famílias. “Elas são diferentes entre si e temos de entender isso. Às vezes, planejamos algo, mas nem sempre dá para tudo ser feito. Então, o desafio é constante”, diz Patrícia. O caminho é observar as respostas das crianças e dos responsáveis ao que é proposto. “Não vou dizer que estou com 100% de participação o tempo todo. Às vezes, uma e outra passam por um período mais complicado e a gente tem de trazer de volta. É uma luta diária”, conta.
Reconhecer limites e avanços
Para Heloysa Dantas, coautora do livro Piaget, Vigotski e Wallon – Teorias psicogenéticas em discussão, que trata de afetividade no desenvolvimento humano, é necessário acolher desabafos de crianças, pais e também professores, e registrar os avanços deste período inédito para todos. “Ouvir pacientemente, sem interromper nem argumentar logo de início, sem a pressa de ajudar, que tantas vezes atrapalha. Nada mais precioso, afetuoso e eficiente do que essa atenção de qualidade. De todos para todos e a cada um”, reflete Heloysa.
Patrícia procurou lidar com os momentos de angústia e incerteza criando uma rotina que incluía tempo para trabalho, mas também, para lazer e para estar com a família. Além disso, conversou muito com as demais professoras e com os gestores para desabafar, dividir experiências e trocar sugestões. Agora, espera ansiosa o retorno às atividades presenciais, mesmo sabendo que a volta implicará certo distanciamento físico e cumprimento de vários protocolos. “Minha expectativa é continuar acolhendo as crianças com afeto, proporcionando a elas muito diálogo, para que se sintam seguras”, diz Patrícia. “Foi um grande desafio e um significativo aprendizado para mim (esses meses de ensino remoto). Com certeza, levarei importantes e ricos saberes de tudo que vivi neste período para toda a minha vida docente.”
Dulcinéia Finotti Ferreira, psicóloga clínica que faz orientações a professores e pais em escolas públicas e particulares de São Paulo, acredita que o ideal é dar tempo ao tempo e lembrar que os prognósticos sobre o futuro podem mudar. “Foram várias as conquistas e aprendizados. O uso da tecnologia, por exemplo, deve permanecer e será útil. Mas, primeiramente, é concentrar em um retorno cuidadoso, seguindo os protocolos”, alerta a psicóloga. “Num segundo momento, acredito que as pessoas vão se fartar das possibilidades do presencial e deixar o virtual de lado. E só em um terceiro momento é que virá o equilíbrio. De refletir sobre o que vale a pena manter”, completa.
Mais sobre esse tema