FOI BOM OU PODE MELHORAR

Os aprendizados, entre erros e acertos, para manter o vínculo durante a pandemia

A professora Patrícia teve sucesso ao trocar áudios personalizados e realizar videochamadas curtas com os pequenos, mas acha que faltou mais interação entre os colegas de turma

O resgate da memória afetiva da escola foi um dos pontos positivos apontados por Patrícia na relação com as crianças. Foto: Patrícia Stavis/NOVA ESCOLA

Desenvolver maneiras de manter o vínculo com as crianças está entre as principais preocupações de professores desde o início do período de ensino remoto. Na Educação Infantil, em que a cultura do abraço é forte, o desafio parecia enorme. O primeiro passo foi relembrar que afetividade não é apenas contato físico. Envolve acolher, motivar, oferecer segurança e contribuir para a construção da autoestima. Conseguir desenvolver esses aspectos, em pleno distanciamento físico, inclui considerar variáveis como a faixa etária das crianças – quanto menor, mais complicada a utilização de tecnologia, o principal recurso para manter contato –, o perfil das turmas, o acesso das famílias à internet e ferramentas digitais e a parceria estabelecida com elas – na Educação Infantil, os responsáveis são os mediadores das atividades propostas pelas escolas.  

Para lidar com essas dificuldades e desafios, professores de todo o país foram discutindo coletivamente e testando possibilidades. A seguir, Patrícia Anelise Sardagna Schroeder, professora de duas turmas de crianças de 4 a 5 anos, no CEI Professora Felícia Cardoso Vieira, em Joinville (SC); Dulcinéia Finotti Ferreira, psicóloga clínica, que faz orientações a professores e pais em escolas públicas e particulares de São Paulo; e Tágides Renata Mello, coordenadora de Educação Infantil da Escola Educare e professora do curso de Pedagogia do Centro Universitário de São Roque (SP), contam, entre as muitas propostas e experiências vivenciadas, quais foram boas e quais podem melhorar.


FOI BOM

Comunicação pelo WhatsApp  

No início do ensino remoto, Patrícia colocava atividades e orientações na plataforma Google Sala de Aula. E, a cada 15 dias, a professora ia até a escola – seguindo os protocolos sanitários – fazer ligações para as famílias. Era o momento para saber se a criança estava gostando das propostas e se havia alguma dúvida ou sugestão por parte dos responsáveis. Em maio, a instituição optou por criar grupos no WhatsApp para cada turma. O Google Sala de Aula continuou a ser utilizado, mas os materiais (PDFs, vídeos etc.) passaram a ser enviados também pelo aplicativo de celular. “Facilitou muito a comunicação, porque nem todas as famílias usavam a plataforma, mas todas têm WhatsApp. As devolutivas praticamente dobraram. Agora, as próprias crianças mandam áudios contando o que fizeram”, afirma Patrícia. “E agilizou também, porque podemos responder mais rapidamente”, completa. 

Áudios e vídeos personalizados 

Além das mensagens gerais para todos realizarem as atividades propostas, Patrícia grava áudios personalizados. “Tiro uma manhã apenas para fazer isso, porque são muitas mensagens, mas gosto de fazer o convite individual, falar o nome de cada criança e aproveitar para perguntar como elas estão”, conta.

A professora também envia áudios e vídeos direcionados elogiando o que as crianças fizeram e incentivando-as a continuar participando. “É uma maneira de elas saberem que estão sendo vistas”, explica. Os muitos áudios em resposta mostram que a estratégia está dando certo (exemplos aqui). “O feedback individual mantém o vínculo. Essa atenção não deixa de ser uma forma de afeto, por ser uma demonstração de que se está olhando e escutando a criança”, completa Tágides. 

Encontros on-line

A iniciativa de organizar videochamadas como resposta a uma demanda das crianças – que diziam estar com saudades dos amigos e da professora –, com duração curta e frequência controlada, garantiu momentos de interação e compartilhamento de experiências. “Começamos semanalmente, mas percebemos que rende mais a cada 15 dias. E em períodos curtos, de no máximo meia hora, por conta do tempo de concentração das crianças”, explica Patrícia. “Tive criança que não estavam fazendo muito das propostas enviadas semanalmente e, depois de participar da chamada on-line, começou a se interessar mais”, completa (leia aqui sugestão de atividade para realizar durante esses encontros). 

Resgate da memória afetiva 

Colocar entre as propostas detalhes significativos do período pré-pandemia contribuiu para fortalecer o vínculo afetivo. Pode ser uma música que as crianças cantavam sempre, uma história que elas gostavam de ouvir ou um ritual com o qual estavam acostumadas. “Além do vínculo, resgatar esses momentos ajuda a trabalhar a memória afetiva da criança e propiciar que elas falem sobre sentimentos como saudade. É importante que elas não guardem o que estão sentindo”, diz Tágides.


PODE MELHORAR

Volume alto de demandas para as famílias

A quantidade de sugestões enviadas semanalmente às famílias é grande. Na escola da Patrícia, as turmas recebem o material preparado por ela e também propostas da professora de Educação Física e da professora volante que, antes da pandemia, ficava com as crianças uma vez por semana. “Tem família que não dá conta de fazer todas as experiências. A gente tem de ter este olhar para elas e entender”, comenta Patrícia. Alguns enviam áudios comentando não ter realizado as atividades propostas, mas contam que conseguiram ler para a criança, ou envolveram o filho na preparação de alguma receita. Ou fizeram, ainda, alguma atividade ao ar livre, agora que a abertura começou. “E tudo bem, porque não deixam de ser aprendizagens”, completa a professora.  

Ao longo do período de ensino remoto, Patrícia foi percebendo a necessidade de simplificar as atividades para não sobrecarregar os responsáveis. Assim, ela reduziu o número de propostas nas quais é necessário confeccionar algo ou ir atrás de materiais específicos. E tem optado, principalmente, por jogos e brincadeiras. “São as preferidas, com as quais recebo as melhores devolutivas”, conta a professora. Outra opção são os vídeos em que conta uma história. “É mais prático para a família, que coloca a criança para assistir e depois conversa sobre o que ela mais gostou ou pede para ela desenhar.”

Nas próximas vezes... “Em muitos casos, houve uma confusão entre a não adesão de crianças e famílias às atividades e a eficiência do trabalho do professor. Atendemos vários docentes angustiados e foi preciso fazê-los entender que isso não era rejeição ou sinal de vínculo enfraquecido”, comenta Dulcinéia. Para todos, a psicóloga lembrou que nesta pandemia são muitas as variáveis. As famílias, às vezes, estavam em luto pela perda de alguém. Ou perderam o emprego. Ou ainda voltaram a trabalhar e não tinham quem pudesse mediar as atividades com as crianças. “Também tive de fazê-los perceber que, às vezes, não é a quantidade que importa. É possível diminuir as atividades e ainda assim conquistar a atenção, envolver e afetar o outro”, completa.

Troca entre as crianças 

Para além dos encontros virtuais, proporcionar mais possibilidades de troca entre as próprias crianças, permitindo que elas reforcem o vínculo com os pares e amenizem a saudade, é algo que, de acordo com Patrícia, ela poderia ter trabalhado mais. “No início do ano, eu estava com um projeto chamado ‘Meu carteiro chegou’, mas acabei não dando continuidade a ele durante a pandemia”, conta. 

Nas próximas vezes... “Penso em explorar a ideia e preparar propostas de correspondência entre as crianças, envolvendo bilhetes e cartas”, diz Patrícia.

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