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“Quanto eles cresceram!”: como a professora Márcia recebeu os bebês na volta à escola

No espaço ekoa, ainda há momentos de colo, mas os professores têm buscado focar menos no contato físico e mais na escuta e na exploração do espaço da creche

A professora Márcia surpreendeu-se com o desenvolvimento dos pequenos que entraram no espaço ekoa antes da pandemia. Foto: Lana Pinho

Bebê quer colo, precisa do aconchego para se desenvolver e para se sentir seguro, pede abraço, toque. São certezas que todo educador tem. A pandemia de coronavírus, no entanto, levou professores a reverem certos conceitos. Não que o colo não seja necessário, é preciso ressaltar. Mas, nestes novos tempos, esse tipo de conforto, carregado de sentido para as crianças pequenas, pede adaptações.

Foi assim, com essa e outras modificações na rotina para garantir a segurança de todos, que os bebês a partir de 1 ano foram recebidos na volta às atividades presenciais no espaço ekoa, escola privada de Educação Infantil localizada na cidade de São Paulo. 

“Nosso instinto na chegada, no acolhimento, tão importante neste momento de reinício, é o de abraçar, oferecer colo, e que, para o bebê, significa dizer 'estou aqui para receber você'”, conta Márcia Oliveira, pedagoga e responsável pelo trabalho com os mais pequenos, que podem frequentar a creche a partir dos 4 meses de idade. 

Na reabertura da escola, em 7 de outubro, Márcia recebeu alguns dos bebês que haviam sido admitidos no ekoa no início do ano, com pouco mais do que 4 meses. Neste primeiro momento estão na escola apenas quatro bebês pela manhã, por um período de 2 horas. À tarde, são dois. Gradativamente, o tempo de permanência deverá ir aumentando.

O mais novo deles já fez 1 ano de idade – mas, por conta do ano atípico, ele e os mais velhos permanecem na turma de bebês. “Ao ver aquelas crianças voltando, meu desejo foi de abraçá-las, pegá-las na chegada, como sempre fiz, mas tive de recuar um pouco nessa questão, tanto na entrada na escola quanto durante o tempo em que eu fico com elas”, conta Márcia.

Mesmo assim, com parcimônia, “o colo acontece”, afirma. “Quando chegam, muitas vezes eles têm necessidade de ser acolhidos dessa forma.”

Adaptando-se ao novo cenário, Márcia diz que foi preciso “ressignificar a mão de educadora”. Os vínculos, explica, precisam agora ser construídos de outra maneira. 

“Colocamos todos os outros sentidos em ação agora de forma mais evidente”, explica. Isso significa trocar mais olhares, prestar mais atenção no modo como se dirigir e falar com essas crianças. É preciso construir e reconstruir a proximidade a partir de outros referenciais. 

Não é um trabalho fácil nem simples, segundo Márcia. “Eu mesma não conseguia me imaginar cuidando de um bebê sem tocar nele.” Mas é claro que o toque não foi banido, seria impossível. Existe o momento da troca de fraldas, por exemplo, e outros em que o colo não pode ser dispensado.

O que se vê também é que, além dos sentidos, o ekoa tem aproveitado muito do seu espaço para acolher os bebês. “O ambiente tem sido um recurso importante como mediador desse acolhimento”, afirma a educadora. “As crianças têm um espaço amplo para explorar com liberdade, podem fazer ali suas próprias escolhas na hora de brincar.”

Usar essa área externa como extensão do próprio trabalho de acolhimento tem sido uma estratégia fundamental neste contexto, nem sempre utilizada com frequência antes da pandemia. Para os educadores, oferecer menos colo e investir no espaço de forma mais contundente têm sido um desafio, mas Márcia aponta que a mudança tem aberto novas possibilidades a todos, bebês e professores, e estimulado muitas reflexões sobre a Educação Infantil. 

Em tempos pré-pandemia, o colo era muito frequente, mesmo com a criança estando bem. Agora, diz Márcia, ela tenta contornar essa necessidade conduzindo o pequeno para o espaço. “Eu me aproximo dele, dou o carinho que precisa, mas o incentivo a explorar o local, dentro das propostas que preparamos”, pontua. Ficar por perto, fazer com que a criança sinta a proximidade do educador, é fundamental para ela se sentir segura, especialmente nesse reinício. 

Mas o colo, que vinha quase instintivamente, nem sempre é necessário. “Procuro dar à criança todos os recursos para que ela explore o ambiente tranquila. Estarei por perto para atendê-la quando precisar.”

Objetos transicionais

Os educadores do ekoa têm ressignificado o conceito de proximidade física, antes mais focado no contato físico. Nesse processo, os objetos transicionais, aqueles aos quais a criança tem maior apego, tem sido estimulados também para as que sentem essa necessidade. “São objetos importantes quando eles deixam o porto seguro deles, que é a casa, e vão para a escola.”

Esses objetos chegam na mochila, com a fralda, o leite, a chupeta. São brinquedos, e, às vezes, paninhos e naninhas. Em tempos de coronavírus, o cuidado precisa ser redobrado para que eles não sejam compartilhados com outras crianças.

De forma geral, comenta Márcia, os bebês adaptaram-se bem ao retorno. Ela percebe que eles gostaram de estar de volta, de se relacionar com seus pares, de terem mais possibilidades de brincar ali do que em casa. O fato de a escola ter interagido remotamente, durante toda a quarentena, com as famílias também ajudou nesse processo de reintegração. “As famílias vieram com essa consciência do acolhimento, sabiam das adaptações e mudanças, mas têm certeza de que os filhos estão bem aqui, o que contribui para a tranquilidade deles”, acredita.

Perdas e ganhos

No reencontro, Márcia sentiu o peso de não ter acompanhado o crescimento dos bebês de perto nos últimos meses. “Estávamos em contato com eles por vídeos, mas não é a mesma coisa de observar diariamente seu desenvolvimento”, diz Márcia. Como educadora, ela sentiu falta da ausência de continuidade no processo de observação do desenvolvimento dos bebês. “É muito difícil imaginar a Educação Infantil de outra forma que não a presencial”, pontua. 

Encontrá-los em outro momento, mais crescidos e autônomos, foi a constatação de que houve um afastamento de fato. Se Márcia identifica isso como perda por um lado, por outro sente que houve um ganho significativo para as famílias, que puderam estar diariamente com seus pequenos. 

“Eu tinha vontade de vê-los crescer, mas, nessa chegada, eles vão mostrando a cada dia o quanto cresceram e aprenderam no período em que ficamos fisicamente distantes.”

Para Márcia, essa constatação é também uma forma de dar novo sentido aos dias de quarentena. “É um jeito bonito de ressignificar o que passamos. E agora sinto que tenho o privilégio de recebê-los novamente, numa outra fase.”

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