Para usar com as crianças

Como um projeto sobre minhocas desenvolveu as competências gerais da BNCC

Partindo da curiosidade das crianças sobre a vida desses pequenos animais, a professora Chalimar da Rosa criou atividades que têm tudo a ver com a concepção da Base sobre a Educação Infantil

Ilustração de criança olhando com lupa uma minhoca que está sobre uma folha
Ilustração: Julia Coppa/NOVA ESCOLA

“Será que tem bichos nesse buraco?” Foi através dessa pergunta que a professora Chalimar da Rosa percebeu que ela e sua turma haviam encontrado o assunto para um grande projeto sobre minhocas. Ao longo de diversas etapas, Chalimar conseguiu criar um trabalho instigante para a turma, sem perder de vista as diversas competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Trata-se de exemplo concreto de como a etapa da Educação Infantil se articula com os campos de experiência, os direitos de aprendizagem e as próprias competências.

Na EMEI Vó Olga, em Mato Leitão (RS), onde Chalimar trabalha, os professores estão acostumados a fazer projetos, e o objetivo é que o tema sempre surja a partir do interesse das crianças. Por isso, a docente conversou com elas e explicou que fariam algumas saídas exploratórias de pesquisa pelo entorno da escola. Entre árvores, flores, pedras e outros elementos da natureza, o que acabou atraindo mais atenção dos pequenos foi um buraco de encanamento cheio de terra. Em outro dia, elas voltaram ao local com colheres, gravetos, baldes e água para investigar o que havia debaixo da terra. O resultado: muitas minhocas.

Nessa primeira etapa do projeto, duas competências ficaram evidentes: Pensamento científico, crítico e criativo (competência 2) e Empatia e cooperação (competência 9), mas, ao mesmo tempo, direitos de desenvolvimento e aprendizagem e campos de experiência foram trabalhados sem que um momento específico para cada um fosse planejado. E é assim que deve ser: o intuito da Base é de que tudo seja desenvolvido de forma orgânica, entrelaçada. “A experiência não é um aprendizado natural, posto que a escola é cheia de intenções pedagógicas, planejamentos e ambientes de aprendizagem bem arquitetados. O foco deve ser sempre nas experiências, incentivando a aproximação das crianças com diferentes culturas”, comenta Silvana Augusto, assessora pedagógica de redes municipais de ensino para o segmento de Educação Infantil e formadora do Instituto Singularidades, em São Paulo (SP). 

Depois de observar as minhocas na terra, brincar, construir açudes e caminhos com canos de PVC, as crianças retornaram à sala, mas agora com algumas minhocas que haviam cuidadosamente recolhido. “Pegamos um aquário de vidro que a escola tinha, fizemos um minhocário e cuidamos da alimentação das minhocas. As crianças tinham uma preocupação enorme com aqueles bichinhos, sempre viam se outras minhocas estavam nascendo e crescendo”, conta a professora Chalimar. Com os animais mais pertinho, a turma pode conhecer mais sobre eles por meio da observação e de pesquisas feitas na internet e projetadas em telão. Descobriram, por exemplo, como as minhocas se movem e que podem ter até 15 pares de “corações” (biologicamente, são vasos que se contraem, não corações como os dos seres humanos). Assim, competências como Conhecimento, Cultura digital e Responsabilidade e cidadania apareceram.  

O contato com a natureza na Educação Infantil

Assim como foi feito nesse projeto, Silvana Augusto recomenda que a escola deve criar boas condições para que as crianças tenham contato direto com a natureza, para observar in loco seus fenômenos, a passagem do tempo e seus efeitos. “Muitas escolas estão em centros urbanos e têm pouco contato com esse tipo de espaço. Nesse caso, é preciso que as atividades de observação sejam promovidas com o esforço da escola de fazer excursões”, sugere a especialista. “E, por mais restrito que seja o espaço, sempre haverá um cantinho em que se possa fazer uma ocupação verde (jardim suspenso ou horta vertical) para que as crianças observem ali a natureza.”

Ao longo de todas as fases do projeto, os pequenos conversaram muito sobre o que estavam observando e aprendendo, além de fazer registros em fotos, vídeos e desenhos. Segundo Maria Paula Zurawski, formadora do Coletivo Curió e selecionadora do Prêmio Educador Nota 10, Chalimar valorizou bastante as hipóteses e as descobertas das crianças, criou com elas formas de mensurar e registrar o tamanho das minhocas, usando instrumentos como o barbante para medir, comparar e registrar. “Os desenhos das crianças também são usados como registros. No caso dessa faixa etária, a documentação em fotos e vídeos é fonte rica de evidências, mostrando o envolvimento das crianças e compondo portfólios significativos. Através de vídeos, também é notável como as crianças comunicaram-se bem verbalmente”, elogia a selecionadora (não à toa, o projeto terminou como um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 - 2020). Esse cuidado evidencia a preocupação com competências, tais como Comunicação e Argumentação.

Com o tempo, as crianças sentiram vontade de pesquisar sobre outros animais, indicando que o projeto com as minhocas precisava ser finalizado. A solução para o que fazer com o minhocário surgiu de uma delas: dar a terra de presente para outra turma, que estava ativando a horta da escola, o que colocou em jogo a competência Empatia e cooperação. “Como desde 2016 já estávamos estudando sobre a Base, tínhamos a pesquisa sobre competências, direitos e campos de experiência na ponta da língua. Percebemos que o repertório das crianças aumentou muito, e com o passar do tempo elas continuaram curiosas e com vontade de aprender”, reflete a professora Chalimar.

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