Para repensar o ano

Como está a saúde mental das crianças?

Os efeitos da pandemia podem variar de acordo com a estrutura familiar e social na qual os pequenos estão inseridos. A observação atenta ao comportamento deles é essencial para intervir o quanto antes

Ilustração dividindo o rosto de uma criança ao meio. Na primeira metade podemos ver uma menina e na segunda um menino.
Ilustração: Yasmin Dias/NOVA ESCOLA

A pandemia tem afetado a saúde mental da população mundial, causando transtornos e dificuldades que podem se manifestar de diferentes maneiras em cada indivíduo. Infelizmente, as crianças também sofrem os efeitos emocionais do distanciamento social, do luto coletivo e de problemas aos quais sua família possa estar exposta, como dificuldades financeiras. 

Uma equipe conduzida pela professora Priscilla Oliveira Silva Bomfim, coordenadora do Núcleo de Pesquisa, Ensino, Divulgação e Extensão em Neurociências (NuPEDEN), do Programa de Pós-Graduação em Neurociências do Instituto de Biologia da Universidade Federal Fluminense (UFF) publicou o artigo “COVID-19 pandemic impact on children and adolescents’ mental health: Biological, environmental, and social factors” (o estudo está disponível aqui), em uma renomada revista internacional sobre neuropsicofarmacologia e psiquiatria. Segundo a professora, a ideia do artigo surgiu ao observar as mudanças de comportamento do filho de 4 anos de idade. Quando percebeu que o menino estava muito triste e com saudade de um colega, ela sugeriu que fizessem uma videochamada com ele. “Meu filho disse que não queria porque não gosta do mundo virtual e queria abraçar seu amigo. Foi aí que eu me dei conta do impacto da pandemia para as crianças”, conta ela.

A equipe, então, analisou o material teórico já disponível sobre a pandemia atual ainda em volume reduzido e com atualizações quase diárias e, principalmente, a bibliografia de estudos desenvolvidos em outras epidemias, pandemias e desastres naturais. Uma das consequências desses eventos nas crianças que mais chamou a atenção foi o medo de perder as pessoas. Tal estresse pode causar efeitos psicológicos e fisiológicos nos indivíduos. “Há artigos mostrando que crianças que sofreram traumas na primeira fase da vida desenvolveram transtornos psicológicos graves quando adultas. Efeitos causados pelo estresse pós-traumático, como depressão e intenção suicida já aconteceram em outros momentos da História e podem se repetir”, diz a pesquisadora.

Apesar do risco, é importante dizer que os efeitos da pandemia podem ser muito diversos na saúde mental de cada criança. Enquanto algumas têm acesso à internet para se comunicar com os colegas e professores, espaços de lazer em casa, acompanhamento integral dos pais e outros pontos favoráveis ao desenvolvimento mesmo em isolamento, outras estão em uma condição bem diferente. As que mais preocupam os especialistas são aquelas com transtornos de aprendizagem e as mais pobres, que são mais expostas à falta de acompanhamento para realizar atividades em casa, à fome, ao trabalho infantil e a maus-tratos. Essa sucessão de fatores, que, infelizmente, se agravaram durante o isolamento social, aumenta as chances de que elas desenvolvam traumas (físicos, hormonais e mentais), ao mesmo tempo que diminui o acesso a uma rede de apoio.  

Mas, antes de ocorrerem consequências mais graves e duradouras, familiares e educadores devem ficar atentos a sinais emitidos pelas crianças de que não estão muito bem: estresse, irritabilidade, agressividade (não necessariamente física), apatia, dificuldade para dormir, pesadelos frequentes, dificuldade de interação, falta ou aumento grande de apetite e recusa em participar das atividades on-line.

Na escola, os professores também devem observar individualmente cada uma das turmas no retorno às atividades presenciais. Assim, será possível perceber comportamentos regressivos que mostram a possibilidade de a criança estar mal emocionalmente. Por exemplo, uma criança que já estava há bastante tempo habituada ao espaço da escola e, agora, não quer mais se separar dos pais (em alguns casos, por associarem essa separação à morte). “Quanto mais cedo ocorrer uma intervenção, maiores as chances de reduzir impactos futuros. Uma criança que, por exemplo, já utilizava a linguagem oral retornou à escola e voltou a se comunicar pelo choro pode ser malvista pela turma, que vai começar a implicar com ela. Daí vem o bullying e tudo vira uma bola de neve”, alerta Priscilla. 

Para a pesquisadora, um bom exemplo de como lidar com essas questões vem da Índia, país também bastante populoso e com desigualdades sociais, mas cujo governo investiu em publicar informações sobre saúde mental e lançou uma linha de atendimento telefônico gratuita para minimizar os efeitos da pandemia nas pessoas. 

Para ajudar as crianças e os adolescentes, é possível encontrar informações em português, como o material sobre direitos de crianças e adolescentes elaborado pela Plan International Brasil (disponível aqui) e orientações lançadas pelo Unicef de suporte psicossocial (acesse aqui). Ambos foram preparados no contexto da pandemia. NOVA ESCOLA também reuniu opções de serviços gratuitos de apoio psicológico, que podem ser acessadas aqui. E organizou sugestões para os educadores auxiliarem as crianças neste período. Confira aqui.

Mais sobre esse tema