Para pensar a prática

Como incentivar a curiosidade científica na Educação Infantil

Desde cedo, as crianças agem no seu dia a dia explorando e conhecendo o mundo. O papel da escola é estimular essa postura e colocá-la a serviço do desenvolvimento delas

Ilustração de crianças explorando elementos em casa. Sobre a mesa existe água, terra, tinta e um bolo.
Ilustração: Tayna Marques/NOVA ESCOLA

Desde bem pequenas, as crianças estabelecem experiências com o mundo ao seu redor o tempo todo. Do ato de explorar os movimentos dos próprios dedos, da possibilidade de apreender objetos e produzir sons com esses, até a descoberta do cubo de gelo descongelando e tantas outras mais. Postura e procedimentos tão próprios da ciência, como a investigação, a formulação de hipóteses, a antecipação e a busca de informação mostram-se presentes nas crianças desde muito pequenas.

Essa característica exploradora natural deve ser constantemente desenvolvida e a Educação Infantil é lugar privilegiado para esse movimento de estímulo à curiosidade científica. 

Para Nilcileni Brambilla, professora de Educação Infantil, que participou do projeto Time de Autores de NOVA ESCOLA, elaborando planos de aula alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), essa etapa deve fomentar e manter aceso nas crianças o senso investigativo, de busca por respostas. “A BNCC, inclusive, vem reforçar essa necessidade, apontando que essa criança é, sim, curiosa, capaz, potente, que está disposta e aberta a conhecer o mundo. E a Educação Infantil é o lugar de fomentar e não deixar que isso permaneça só nessa fase da vida dela”, argumenta.

A BNCC estabelece seis direitos de aprendizagem para a Educação Infantil: conviver, brincar, participar, expressar, conhecer-se e explorar. O último está diretamente ligado à forma como as crianças pequenas aprendem, a partir da curiosidade e da ação. 

“Esse é um trabalho fundamental para que a criança tenha condições de perceber e começar a entender as complexidades ao seu redor. As professoras devem planejar atividades que estimulem a exploração de materiais e objetos, e situações para que elas possam construir suas próprias relações com o mundo”, reflete Vládia Freire, Mestre em Educação e Supervisora Educacional da Rede Municipal de Educação de Campina Grande (PB).

Adaptações ao contexto remoto

O contexto remoto trouxe desafios para a etapa, que precisa trabalhar as interações e as brincadeiras a distância. No entanto, adaptações são possíveis. “A primeira questão é a professora mapear a realidade das suas crianças. Esse olhar direcionado para as condições nas quais a criança vai realizar as atividades ou quais são as dificuldades enfrentadas pelas famílias, algo que já vem sendo feito, é fundamental para um bom planejamento”, explica Letícia Caroline da Silva Streit, assessora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Novo Hamburgo (RS).

Nilcileni concorda. Para ela, a adaptação dessas atividades deve levar dois pontos em consideração: o que fazer e como fazer. “O 'que' significa conhecer a realidade das famílias e sugerir opções e adaptações para aquele contexto. Já o 'como' está relacionado à orientação aos familiares sobre como conduzir a atividade”, diz.

Os profissionais da educação sabem da importância da criança fazer perguntas, escolhas ou dar opiniões durante qualquer atividade, principalmente naquelas exploratórias. As famílias, no entanto, nem sempre têm essa compreensão. “Elas precisam ser orientadas a permitir que a criança participe de todos os momentos da atividade, a como observar e conduzir aquela ação, a como preparar os espaços e manter os pequenos envolvidos", completa Nilcileni.

É importante orientar os responsáveis sobre o que se espera durante a execução da proposta. “O docente pode dizer 'minha intenção com isso é que elas percebam a diferença do que flutua ou não, e ouvir o que as crianças vão falar sobre isso'”, comenta Letícia. “O professor não estava acostumado com esse terceiro elemento na aprendizagem, que é a família. Mas é preciso explicar o objetivo, o porquê estar fazendo e a relevância da atividade, por mais simples que possa parecer”, completa.

A ciência depende de boas perguntas, a Educação Infantil também

Uma boa pergunta sempre é aquela que abre caminhos para novos desdobramentos. Perguntas de “sim” ou “não” pouco estimulam a curiosidade das crianças. “Boas perguntas colocam as crianças para pensar. Pergunte ‘o que você acha disso’, ‘como seria se’, ‘na sua rua tem isso ou aquilo’”, sugere Vládia. “É interessante que professores, e as famílias orientadas, façam questionamentos que levem a pensamentos maiores, a hipóteses e opiniões criadas pelas próprias crianças”, argumenta.

“Por que a Lua não cai do céu ou por que o gelo derrete?” Segundo Nilcileni, é importante que a pergunta seja capaz de instigar a curiosidade e permita às crianças pensarem e discutirem determinado ponto. “O essencial é que essas experiências, mesmo no contexto remoto, sejam provocativas e capazes de gerar esse movimento nos saberes delas, para que comecem a conhecer novos conceitos, façam investigação e criem novas opiniões”, diz.

Ao encaminhar uma atividade para as famílias, as professoras podem já indicar algumas perguntas que podem ser feitas para as crianças, apontar quais posturas necessitam ser encorajadas, ou, até mesmo, o que deve ser evitado pelos responsáveis. 

“Se pedimos para a criança desenhar algo, é quase um desafio para os pais ficarem do lado da criança sem falar 'o que você está desenhando?', 'por que você está fazendo isso?'”, explica Letícia. “Um conselho que daria aos pais é: deixe a criança fazer. Ela tem a tendência de desenhar e ir explicando o que fez. Se ela está concentrada naquele desenho e não está falando, deixa-a concentrada. Ela está organizando o seu pensamento e depois ela vai querer te explicar, isso é natural da criança”, comenta.

Vladia, no entanto, alerta para o cuidado com o excesso de orientações às famílias. O professor pode avaliar a realidade dos pais e responsáveis da sua turma antes de definir o quanto de instruções enviar. Às vezes, para evitar erros na condução de atividades, melhor concentrar o pedido na necessidade de registro e compartilhamento. 

“Peça para que os pais registrem, gravem e tirem fotos das atividades e dos momentos de descoberta e exploração das crianças. Assim, é mais fácil dar devolutivas sobre os trabalhos, parabenizar e estimular o envolvimento de crianças e famílias”, conclui a supervisora.

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