Para refletir a prática

No remoto, recursos digitais são opção para trabalho com leitura e contação de histórias

Por meio de áudio e vídeos, professores conseguem interagir com a turma e mantê-la em contato com o universo literário e com o faz de conta. Ferramentas também são meio para os pequenos se expressarem

Ilustração de criança deitada no chão, olhando para o celular enquanto pequenos personagens escalam seu corpo como acontece na história do Guliver.
Ilustração: Tayna Marques/NOVA ESCOLA

No centro de uma sala, as crianças estão sentadas em roda enquanto a professora conta uma história. Os olhos estão atentos aos gestos e à entonação da contadora quando, de repente, todos são surpreendidos por um acontecimento inesperado na narrativa, o que provoca emoções diversas nos pequenos. Cenas como essa eram comuns até março do ano passado, quando as escolas de todo o país fecharam as portas.

Com a pandemia, a dinâmica de leituras e contação de histórias teve de mudar e esses momentos passaram a acontecer remotamente por meio de plataformas que permitem realizar videochamadas, como Zoom e Meet; de outras que possibilitam propor atividades em formatos variados, como o Google Sala de Aula; e, especialmente, por aplicativos de trocas de mensagens, tais como WhatsApp e Telegram. A depender da disponibilidade de recursos, essas têm sido as principais formas de manter contato com as crianças e suas famílias. “Era preciso descobrir um jeito de essas crianças encontrarem o professor, de vê-lo, ainda que a interação não seja síncrona”, diz Karina Rizek, consultora da Avante Educação e Mobilização Social, especialista no projeto Planos de Aula Nova Escola e consultora desta Caixa.

Além do vínculo, a aprendizagem das crianças, neste momento de atividades remotas, também ganha com o uso de recursos digitais. “O contrário disso, que seria utilizar papel, é um retrocesso”, afirma a educadora.

No caso da leitura e da contação de histórias, utilizar os recursos digitais é uma maneira de manter a turma em contato com o universo literário e com o faz de conta, por meio de atividades que incluem envio de vídeos e áudios prontos. É também uma possibilidade de realizar práticas que colaboram com o desenvolvimento da oralidade, da brincadeira e da imaginação, quando a proposta envolve formas de as crianças também assumirem o papel de contadoras de histórias, por exemplo. 

De uma maneira ou de outra, é essencial manter as mesmas premissas do presencial, como pensar na variedade de propostas, na qualidade dos textos e das ilustrações (acesse aqui opções de vídeos e áudios de contação de histórias para enviar às crianças), na conversa sobre a experiência e na garantia de espaço para as crianças criarem e se expressarem. 

A leitura e a contação também podem ser o ponto de partida para propostas diversas. Karina conta o caso da professora Drielly Souza, que atua com crianças de 3 anos  em uma creche municipal de Ariquemes, em Rondônia. “A partir da história dos Três Porquinhos, ela desenvolveu toda uma conversa com as crianças a respeito das casas delas”, relembra a consultora. “A ideia era mostrar por que deveríamos ficar em casa durante a pandemia, que esse é o lugar mais seguro no momento”, completa. O projeto foi premiado pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal como uma prática inspiradora para a Educação Infantil. E Karina foi uma das avaliadoras.

Manter ou não o uso de recursos digitais?

Na volta às atividades presenciais, o trabalho com livro e suas histórias tende a retomar o formato tradicional dentro das escolas. Mas isso não precisa significar um abandono dos recursos digitais. Karina ressalta que, antes mesmo de as escolas fecharem por conta da propagação da covid-19, muitos especialistas da Educação vinham insistindo no acesso às ferramentas digitais como instrumento de aprendizagem. “Se as crianças estão aprendendo, por exemplo, sobre dinossauros ou conhecendo artistas, por que não explorar a oportunidade de fazer visitas a museus virtuais?”, questiona.

Maira Franco Tangerino, fundadora da Educação Infantil em Rede, tutora da pós-graduação na UniAraguaia, de Goiânia (GO), e professora-autora no projeto Planos de Aula NOVA ESCOLA, diz que é cada vez mais evidente que o uso das tecnologias digitais apoia a ideia de trazer as crianças para o centro dos processos de aprendizagem. “Especificamente na contação de histórias, estamos falando de alguns pontos importantes do ponto de vista do desenvolvimento das crianças”, comenta. Em primeiro lugar, segundo ela, a ideia de que os pequenos produzem, absorvem e ressignificam a cultura com um olhar muito peculiar e subjetivo da infância.

“A partir do momento em que elas encontram uma fonte de expressão nos recursos digitais, estamos dando voz e espaço a esse universo único e maravilhoso das crianças. Isso significa promover, cada vez mais, esse lugar de fala delas e de pertencimento no mundo. É legitimar o espaço da infância sem estereotipar as crianças como imitadores de adultos”, reforça Maira (confira aqui sugestão de atividade para colocar a turma criando novos finais para uma mesma história).

Outro ponto importante, de acordo com Karina, é refletir qual será a participação de pais e responsáveis na proposta. “Nunca na história da Educação a escola valorizou tanto o papel da família”, afirma a educadora. Isso porque, comenta Karina, professores e gestores perceberam, durante a pandemia, que, se não contar com a família e se eles não entenderem por que e como a escola faz, a aprendizagem e o desenvolvimento não avançam como poderiam. Mesmo com todos os esforços dos docentes, na prática, muitas vezes é fora da escola que as aprendizagens são usadas pelas crianças e continuam a evoluir. Por isso, é fundamental atentar para não demandar mais do que as famílias conseguem fazer em um período tão delicado como esse.

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