Para usar na prática

Professor como produtor de vídeo: o que tem funcionado na contação de história

Docentes compartilham aprendizados acumulados em mais de um ano de atividades remotas por conta da pandemia. Dicas vão de aparecer no vídeo para fortalecer vínculo a evitar imitar voz de criança

Ilustração de professora com claquete em mãos.
Ilustração: Tayna Marques/NOVA ESCOLA

Se em fevereiro de 2020 alguém tivesse contado para a professora Cláudia Alves de Souza que dali a alguns meses ela gravaria dezenas de vídeos de contação de história, ela não acreditaria. É que no começo da pandemia a educadora de 52 anos não imaginava que teria de aprender a usar uma série de ferramentas digitais para propor atividades para a turma durante o ensino remoto.

Cláudia, que é aposentada e continua dando aula, viu-se diante da necessidade de manter o vínculo com as crianças de 3 a 5 anos do CEI Zuleika H. Novaes, onde atua, em Campinas (SP). Um dos caminhos para fazer isso foi a criação de vídeos de contação de histórias. Mas, do uso de um aplicativo de edição ao envio do conteúdo pelo WhatsApp, a professora teve de fazer um verdadeiro “intensivão” em recursos digitais.

“Eu ainda tinha muito aquela coisa do tradicional, que era o livro, a sala etc. e não entendia de tecnologia. Sempre amei contação de histórias, mas o problema foi criar vídeos e editá-los depois. Hoje faço tudo isso e vejo que aprendi muito de lá para cá”, lembra Cláudia, que tem usado o InShot (aqui, você pode acessar um tutorial de como utilizá-lo) e o KineMaster (tutorial) para produzir seus vídeos.

A professora Sandra Waragi, de 36 anos, é responsável por crianças de 3 e 4 anos de idade no Centro Educacional de Convivência de Educação Infantil (Ceci) Herdeiros do Futuro, em Louveira (SP), e também passou por longo período de adaptação para criar seus vídeos. No ano passado, Sandra começou a utilizar o Canva (tutorial de como usá-lo) como ferramenta para contação de histórias. “Ainda tenho muito o que aprender, mas neste ano, percebo que já consigo explorar muito mais as ferramentas”, conta.

Sandra tem criado seus vídeos juntamente com uma colega da escola. Assim, as histórias são contadas pelas duas, mas não sem perrengues. “É um grande desafio gravar as narrações. Não tenho muita noção de posição de câmera e luz, mas, aos poucos, percebo que tenho conseguido melhorar. Comprei até um microfone para aumentar o som da minha voz, porque esta ficava muito baixa na narração”, diz a professora.

Vale ressaltar a diferença entre a contação e a leitura. A primeira dá mais liberdade àquele que assume o papel de contador, que pode “transmitir” a história usando suas próprias palavras, fazendo improvisações e até agregando elementos ao enredo. A segunda sugere uma fidelidade ao texto para promover uma aproximação do leitor e dos ouvintes à linguagem escrita. Assim, o contador deve usar as palavras do autor, sem modificação do texto, ainda que imprima entonações para os personagens, por exemplo. As duas propostas colaboram para a aprendizagem das crianças, por isso, o melhor é balancear entre elas. 

Pensando principalmente nos educadores que continuam com atividades remotas, organizamos as observações das professoras sobre o que tem funcionado e o que não tem dado certo na hora de criar os vídeos de contação de histórias. Acrescentamos também dicas da Maira Franco Tangerino, fundadora da Educação Infantil em Rede, tutora da pós-graduação na UniAraguaia, de Goiânia (GO), e professora-autora de planos de aula de NOVA ESCOLA.

Tem funcionado...

1. Fazer um planejamento. No caso da contação de histórias por meio desses aplicativos e plataformas, é fundamental pensar no planejamento. “Não existe contação de história sem preparação prévia e o improviso pode colocar o professor em armadilhas”, ressalta Maira. Sandra costuma preparar um roteiro de como será o vídeo. “Conforme a história, escrevo um rascunho para me auxiliar quando estou gravando e penduro no tripé. Isso me ajuda a não esquecer a sequência da narrativa que estou contando”, comenta a docente. 

2. Listar os recursos que serão utilizados e fazer testes. Assim, você garante que os recursos funcionam, ganha mais habilidade para manejá-los e terá a segurança necessária para que a contação flua de forma acolhedora e agradável. A sugestão vale tanto para os casos em que a contação for feita de forma síncrona quanto gravada.

3. Deixar os objetos ao alcance. Se a contação da história for síncrona, separe os objetos que serão utilizados e sempre deixe todos eles perto de você. Caso sinta que precisa de um roteiro para te dar segurança, mantenha-o ao alcance dos olhos. Esses cuidados deixarão a sua contação organizada e envolvente para garantir que seu público aproveite a história da melhor maneira. 

4. Aparecer no vídeo. Tanto nos vídeos de Cláudia quanto nos de Sandra as professoras aparecem na hora da contação. Por mais que se usem elementos para chamar atenção, o rosto da educadora tende a criar maior conexão com a criança que está do outro lado da tela assistindo à produção. Por conta do distanciamento, essa também é uma maneira de manter vínculo com os pequenos. 

5. Mudar a entonação de voz. Leia: “Era uma vez um lobo muito mau”. Agora, experimente ler enfatizando, por exemplo, as palavras “muito” e “mau”. Algo como: “Era uma vez um lobo muuuito maaauuu”. Percebe a diferença? É mais ou menos assim que as professoras fazem na hora de narrar as histórias, mudando a entonação de voz conforme o enredo sugere. Essa é uma das estratégias para deixar as narrativas mais interessantes e chamar atenção das crianças para o que está acontecendo e para o que vai acontecer.

6. Atentar-se à iluminação e ao enquadramento. Pode ser que, nas primeiras vezes, os vídeos não saiam do jeito que você gostaria. Afinal, leva tempo até encontrar um canto da casa com uma boa iluminação e, consequentemente, bom enquadramento. De todo modo, prestar atenção a esses dois pontos valem a pena, pois eles elevam a qualidade da produção e melhoram a experiência de quem está assistindo. 

7. Usar um fone/microfone. Parte essencial de qualquer história é ouvir o que está sendo falado ou lido. Portanto, considere usar um fone que transmita de forma agradável a sua voz, para que ela chegue bem aos pequenos ouvintes. É importante também falar com calma e na velocidade adequada, garantindo uma qualidade no som transmitido.

8. Ler a história em voz alta antes de gravar. No começo, Sandra conta que chegava a gravar dez vezes a mesma história para memorizar e, também, ver os trechos nos quais poderia mudar a entonação de voz e as expressões faciais – o que pode ser bastante cansativo. Por isso, ler a história algumas vezes em voz alta pode ajudar a ganhar mais segurança na hora de apertar o botão de gravar para valer. 

9. Fazer um teste antes de enviar às crianças. Se a sua história for gravada, considere as dicas anteriores e também faça um teste, enviando o vídeo para um contato de confiança na plataforma mais indicada para seu público. Algumas vezes, os dispositivos podem ser incompatíveis, portanto, é muito importante testar com antecedência.

10. Incluir as famílias. Um dos maiores desafios desse período remoto é contar com as famílias na contação de histórias, seja pela falta de tempo dos adultos, seja pela dificuldade de acesso à internet. No entanto, é fato que, quando há a participação dos pais ou responsáveis, a atividade flui melhor. Se possível, converse com eles e tente envolvê-los mais nesses momentos síncronos ou assíncronos. 

Não funcionou...

1. Gravar em ambientes com pouca iluminação. Dependendo do ambiente, o vídeo pode ficar muito escuro e as crianças não conseguem ver o rosto da professora ou os demais elementos da contação, o que tende a diminuir a qualidade do material produzido. A professora Sandra comprou um tripé com anel de luz que ajuda bastante. Mas, caso não haja essa possibilidade, basta procurar um cantinho da casa bem iluminado e apertar o rec

2. Infantilizar os recursos. Apesar da boa intenção do professor, infantilizar, tanto as histórias quanto a entonação de voz, não é boa ideia. Vale, sim, usar elementos como cenários, objetos, fantoches, desenhos e ilustrações para deixar o vídeo mais atrativo, mas imitar a voz de criança não é uma recomendação das professoras.

A seguir, confira exemplos de vídeos produzidos pelas professoras e enviados para as turmas.

João e o Pé de Feijão - Professora Sandra Waragi

História da Bruxa - Professora Cláudia Alves de Souza


PARA SABER MAIS

Neste texto, Evandro Tortora, professor na rede municipal de Campinas (SP) e colunista de NOVA ESCOLA, dá cinco dicas para estimular a contação de histórias durante as atividades remotas. Ele também compartilha uma experiência na qual o vídeo em que ele narra uma história foi o ponto de partida para uma troca de cartas entre as crianças da turma. 

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