Para repensar a escola

Como fortalecer a parceria entre a professora e a auxiliar

O bom trabalho com a auxiliar demanda tempo e construção. Conheça a história de Ana Cláudia e Giovanna

Tanto a auxiliar quanto a professora têm função pedagógica no trabalho com os pequenos. Foto: Patricia Stavis / Nova Escola

Na Educação Infantil, as auxiliares – também chamadas de assistentes, cuidadoras ou recreacionistas – são também educadoras e peças fundamentais para garantir o direito de aprendizagem de bebês, crianças bem pequenas e pequenas. Dessa forma, valorizar o trabalho da auxiliar e estimular uma boa sintonia entre as educadoras envolvidas no processo é essencial.

Hoje professora da Emet Paulo Carneiro, no Parque Novo Mundo, em São Paulo, Ana Cláudia Teixeira Monteiro iniciou a carreira como auxiliar de Educação Infantil numa escola privada de Guarulhos (SP). A vivência, quando ainda era uma jovem estudante de 18 anos, foi essencial para pavimentar o caminho rumo à profissão. Foi na lida com os pequenos, exercendo atividades como acompanhar a criança ao banheiro, dar banho, trocar as fraldas, alimentar, dar colo, ajudar a promover interações durante as brincadeiras e tantas outras que Ana Cláudia teve certeza ser esse seu mundo. Era ali, onde cada pequeno ser humano inicia a caminhada rumo à autonomia, um lugar de aprendizados e experiências, que ela se realizava.

Estar dos dois lados do balcão, primeiro como auxiliar e depois de formada em Pedagogia como professora, foi uma experiência fundamental para Ana Cláudia compreender algo que nem todos têm claro: tanto a pessoa que ajuda a docente quanto a professora são as duas faces de uma só moeda, já que ambas têm importante função pedagógica. “O cuidar exige mais que duas mãos. A auxiliar muitas vezes é vista como alguém que cumpre tarefas menores e geralmente ganha menos da metade do salário do professor. É preciso entender que a auxiliar é uma educadora, alguém que cuida do emocional, que leva aconchego aos pequenos.”

Em sua trajetória, a professora relembra o preconceito enfrentado especialmente em início de ano letivo. “Para alguns pais é difícil aceitar a função da auxiliar, pois eles têm o professor como figura máxima na escola. Mas, aos poucos, vão percebendo o carinho, o cuidado e toda a dedicação voltada às crianças. É um processo de construção.”

O fato de a auxiliar nem sempre ter a mesma formação educacional que a professora é outro ponto de vulnerabilidade. Para Ana Cláudia, é papel da escola passar confiança aos pais ao enfatizar a importância da assistente no processo pedagógico. “É uma função indispensável, pois a auxiliar é a pessoa mais disponível para a criança, que recorre à sua ajuda a todo momento.”

A professora Ana Cláudia conta que a experiência prévia como auxiliar foi fundamental na profissão. Foto: Patricia Stavis / Nova Escola 


Para a especialista em Educação Infantil da Secretaria de Educação e Cidadania de São José dos Campos (SP), Tamira Paula Torres Martins de Souza, cabe à auxiliar acompanhar a criança numa etapa cujas experiências vão impactar fortemente a vida adulta. “Vale destacar que em muitas redes de ensino enquanto o professor passa de quatro a cinco horas por dia com as crianças da turma, a auxiliar fica de seis a oito horas diárias, o que resulta no fortalecimento do vínculo.”

“Algumas pesquisas de neurociência confirmam que as conexões cerebrais estabelecidas até os 3 anos de idade são mais intensas que em qualquer outra fase da existência humana”, enfatiza Tamira. “Por esse motivo é tão importante que a auxiliar seja cada vez mais preparada para a função.”

O que diz a BNCC
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), tanto a professora quanto a auxiliar têm função pedagógica, mas a desigualdade salarial e a formação nem sempre adequada da assistente desencadeiam preconceito e falta de reconhecimento dentro e fora da escola.

“Para diminuir essa desigualdade é muito importante priorizar a formação continuada em serviço”, frisa a especialista. “Aqui não me refiro apenas a momentos pontuais de palestras ou iniciativas pedagógicas semelhantes, que também são relevantes, mas especificamente sobre um investimento responsável e comprometido que priorize a formação contínua e sistemática desse profissional. E seria muito bom que isso fosse assegurado, inclusive por políticas públicas, assim como acontece na jornada docente”, afirma Tamira.

O professor deve ser engajado na missão formativa da auxiliar. “Muitas redes não possuem um horário de formação continuada voltado aos auxiliares, por isso é preciso criar estratégias tais como compartilhar textos e vídeos, abrir um canal de dúvidas a serem esclarecidas pelo coordenador e compartilhar boas práticas. Isso pode se dar por meio de murais, informativos, cartas de apoio, imagens e vídeos. Isso inspira e valida boas ações.”

Na experiência da professora Ana Cláudia, a parceria com a auxiliar demanda tempo e construção. “O professor tem consciência do papel dessa assistente, mas no dia a dia aparecem atritos em relação a ideias, modos de agir, de acolher. São questões pontuais que precisam ser minimizadas.” No início da parceria, a auxiliar precisa se colocar à disposição da professora para que juntas superem os desafios. “Quando isso acontece os problemas diminuem. É um andar de mãos dadas. E com o tempo os pais também percebem as auxiliares como educadoras indispensáveis.”

Quando trocou de função, assumindo seu papel como professora, Ana Cláudia fez questão de passar sua experiência para a pessoa que assumiu sua antiga vaga. “Abri o diálogo. Disse a ela que a queria como parceira, compartilhei conhecimentos pedagógicos. A relação solidificou-se de tal forma que tenho contato com ela até hoje.”

Giovanna Mendes Rosa, ex-auxiliar de Ana e hoje professora na Escola de Educação Infantil Carlos Magno em Guarulhos, conta que sempre foi bem acolhida. “A Ana era atenciosa, calma, me ensinou a como falar com os pequenos, como me comportar. Fui estudar Pedagogia inspirada pelo trabalho dela.”

Para a professora da Emet Paulo Carneiro, devem ser qualidades da auxiliar o saber acolher, demonstrar empatia, passar segurança à criança. “Eu estou aqui, vou te ajudar, pode contar comigo – são frases essenciais que devem ser ditas aos pequenos. É a parte emocional do processo. E a comunicação é primordial, tem de saber se comunicar com as crianças e com os pais.”

Tamira acredita que a parceria produtiva exige clareza na definição dos papéis de modo a que cada profissional ajude a potencializar o desenvolvimento da criança. Compartilhar o planejamento de atividades, convidar a auxiliar para colaborar com sugestões, pois ela tem condições de apontar os interesses e necessidades dos pequenos, validar o valor da assistente na frente das famílias, incluindo aí a oportunidade de participar, por exemplo, da reunião de pais, são ações positivas. “A equipe gestora deve ainda manter uma escuta ativa da dupla e oferecer retorno a ambos por meio de reuniões de equipe de sala.”

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