Para repensar a prática

Por que estimular o faz de conta?

A brincadeira simbólica permite às crianças externalizar seus sentimentos e atribuir significados para a sua realidade

Ilustração: Juliana Basile/NOVA ESCOLA

Nem sempre nós, adultos, temos recursos para lidar com a realidade. Ainda mais se pensarmos nas mudanças, incertezas e situações de estresse que vivemos atualmente com a pandemia da Covid-19. No entanto, para as crianças, essa fuga se dá pelo faz de conta.

Na Educação Infantil, trabalha-se com o princípio da experiência e da brincadeira. "A criança é lúdica por natureza e o faz de conta é uma das maneiras de isso se manifestar", afirma Nilcilene Brambila, formadora na rede de Cariacica (ES) e membro do Time de Autores NOVA ESCOLA.

O faz de conta é o recurso que a criança tem para se comunicar, interpretar e atribuir significados para a sua realidade. Para externalizar seus sentimentos. "Ela coloca coisas que vê no mundo e nos seus relacionamentos com os adultos. Coisas que ela nem sempre sabe explicar, mas consegue utilizar claramente em suas brincadeiras", explica Fátima Herculano Marcolino, diretora pedagógica no Instituto Educar São Paulo e autora de planos de aula NOVA ESCOLA. 

A imaginação e o desenvolvimento da criança

"Aprender a fazer de conta é uma fuga do real para criar um mundo imaginário", resume Zilma Ramos de Oliveira, pedagoga, livre-docente pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em Psicologia do Desenvolvimento Humano. 

Essa habilidade começa a ser observada na transição de bebês para crianças bem pequenas, entre 1 ano e 6 meses e os 2 anos. "Começa como um jogo de imitação. Não é à toa que uma das primeiras ações são ninar o bebê e dar comidinha, porque são coisas que estão próximas delas", comenta Karina Rizek, consultora da Avante Educação e Mobilização Social e formadora da Escola de Educadores.

Para entender como surge essa habilidade, vamos imaginar a seguinte cena: a criança está com um copo plástico - objeto que conhece como algo para beber água ou suco. Um dia, ela pega esse copo, vira e o coloca na cabeça. O copo se tornou um chapéu. "Pode parecer bobagem, porque ocorre o todo momento, mas demonstra um protagonismo da criança e uma grande capacidade de reagir à pressão de usar o copo só como copo. Ela desobedeceu a essa orientação e cria uma nova maneira de usá-lo, algo que ninguém lhe explicou", afirma Zilma. Esse movimento se repete constantemente enquanto ela ressignifica sua realidade. 

A especialista diz que, em seguida, a criança entende que o objeto é utilizado em uma situação social, então, com o chapéu (que é um copo) ela pode brincar de estar na praia tomando sol. 

Em resumo, Zilma explica que o faz de conta pode se dar de duas maneiras: uma em que ela transforma o objeto (o copo que se torna chapéu) ou quando a mudança não está no objeto, mas nela mesma. Neste caso, a criança pode, por exemplo, pegar uma panela e fingir ser um cozinheiro. 

O ponto essencial do faz de conta, para que ele se dê em sua máxima potência, é a criação ser da criança. Se o adulto atribui um papel para ela interpretar e fala o que tem de ser feito, não sobra espaço para o pequeno imaginar. O que é diferente de propor um faz de conta - com base em uma história, por exemplo - e questionar como o personagem se sente, o que está vestindo, como é a casa dele. Ainda assim é a criança quem cria o personagem e o contexto em que ele vive. 

Por que é uma proposta interessante para as famílias?

O faz de conta é uma brincadeira que surge naturalmente para as crianças. O papel do adulto é de facilitar, estimular e participar na narrativa criada pela criança, mas quem está no centro são elas. "Os pais estão propondo muitas coisas incentivados pelas escolas. Mas o faz de conta é um ótimo exercício para olhar para as crianças, escutar e dar o protagonismo a elas", afirma Karina. 

Gisele Goller, coordenadora de Educação Infantil da Comunidade Educativa CEDAC, reforça um ponto trazido pela Karina: é preciso tranquilizar as famílias para que eles entendam que não há cobranças. Eles não precisam tentar ter o mesmo olhar especializado do professor, apenas oferecer a experiência. "Quando as crianças brincam de faz de conta, ou se um objeto boia ou afunda, o importante é a experiência e não o conceito por trás", explica a coordenadora pedagógica. 

A especialista reforça a importância de trazer leveza para a rotina das crianças diante das mudanças promovidas pelo isolamento social. "Levar para as famílias a ideia de brincar junto, interagir e estar com a criança", aponta Gisele. 

Mas, como fazer isso? Existem muitas maneiras de incentivar o faz de conta. Neste box, apresentamos três sugestões. Gisele destaca a observação e a escuta atenta para entender os interesses da criança. Com base nessas informações, é possível propor atividades - confira aqui outras dicas para incentivar o faz de conta em casa.



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