Para usar com os alunos

“A escola precisa evitar aprendizados padronizados”

Luís Carlos de Menezes afirma que, para engajar os alunos, a experimentação deve vir antes da teoria nas aulas de Ciências

Utilizar elementos do cotidiano como as nuvens pode aproximar as crianças das aulas de Ciências. Foto: Rogério Pallatta/NOVA ESCOLA 

“É preciso manter o aluno encantado, para que absorva o conteúdo com prazer. Não há nada pior do que memorizar conceitos de maneira automática”, diz o professor Luis Carlos de Menezes, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Nesta entrevista, ele defende que a prática tem de vir antes da teoria no ensino de Ciências. 

NOVA ESCOLA BOX Como oferecer aulas de Ciências instigantes, que levem o aluno a se interessar de fato pelo tema? 
Luís Carlos de Menezes: O professor deve passar, primeiramente, a ideia de que ele não é o “detentor” do conhecimento científico. As crianças têm muito a colaborar. Elas olham o mundo a partir da sua percepção desde cedo. Quando uma criança caminha na rua e vê uma nuvem escura, ela sabe que vai chover. Sabe que uma poça de água some em sol quente. 

É com base na realidade que ela vai aprender e se interessar mais?
Essas situações de nuvem escura, chuva e vapor estão no cotidiano da criança. Cabe ao educador trazê-las para a escola e colaborar para a criança construir sua conceituação. Quase todas elas percebem que, dentro de um carro fechado, os vidros ficam embaçados. É a condensação do vapor d’água na atmosfera. A criança precisa entender que a água não existe só em estado líquido. Bafejar na frente de um espelho e ver como este embaça, mostrar uma chaleira fervendo e ver como ela produz vapor e umedece o ambiente, são outros jeitos de ensinar isso de maneira prática.

Quando o aprendizado é só teórico, o conhecimento fica muito limitado?
Com certeza. No caso da água, temos algumas maneiras, por exemplo, de mostrar à criança como a água é imprescindível à vida. Nosso corpo é composto de muita água – o professor pode introduzir esse conceito. Falar de coisas que, moralmente, não são muito adequadas – como xixi, cocô e “pum” – é uma maneira de abordar o ciclo da água e de mostrar como o líquido está presente em tudo. Não conseguimos, por exemplo, comer um alimento se ele não tiver nada de água. O que comemos e bebemos é digerido pelo organismo e eliminado – de novo a água e sua importância. E mais uma vez a compreensão de que a água não é só líquida.

A ideia da água “líquida” é um conceito que os adultos também carregam. Existem outros que estão tão arraigados quanto? 
Sim, com certeza. Dizer que ela só está no estado gasoso quando atinge os 100 graus é outro equívoco. Se colocarmos a água na chaleira, ela vai começar a ferver e sair o vapor. Isso já é água condensada e antes dos 100 graus. A mesma coisa com uma nuvem. Se a enxergamos, ela já é água condensada, senão nem conseguiríamos ver. A água está o tempo todo na atmosfera. Se a umidade do ar chega a 30%, passamos mal. É importante falar sobre isso para as crianças desde cedo.

Esses conceitos dos estados da água podem ser extrapolados para outras áreas, como meio ambiente, por exemplo?
Essa é uma boa prática. A abordagem vai depender da idade e do ano escolar da criança. Mas por que não falar da essencialidade da água para a vida humana desde a Educação Infantil? Água e vida são sinônimas. Quando secamos a água do corpo, morremos. Abordar água limpa não é falar só de H2O, outro erro. A composição da água é algo mais complexo – água pura não é água destilada. E como trabalhar água sem falar das florestas, dos rios, mares e geleiras? E do vapor sem falar da Revolução Industrial e das máquinas? São temas que podem e devem ser trazidos para a sala de aula, de acordo com a fase em que a criança se encontra. 

De maneira geral, as escolas conseguem abordar tudo isso?
Ainda há muito a ser feito, embora existam instituições de ensino que trabalhem esses assuntos muito bem, que instigam a curiosidade com base em um tema. A BNCC aborda essa perspectiva, fala do vapor no segundo ano para tratar da prevenção de acidentes domésticos, no caso da panela ao fogo, algo muito comum. A escola precisa evitar aprendizados padronizados. Deve permitir que o conjunto da vivência da água, absolutamente amplo, seja experimentado primeiro e depois teorizado. Muitas vezes faz-se o contrário, aí não se cria encanto pelo estudo. Perde-se a beleza do aprendizado. Por isso insisto na formação continuada dos professores, para que mudem a maneira de ensinar Ciências. Geralmente, o que aprendem na faculdade não é suficiente. Infelizmente.


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