Para repensar a escola

Como levar a Arte Contemporânea da América Latina para o Fundamental 1

Ela conversa diretamente com o universo dos alunos e rompe com o repertório hegemônico associado às artes. Saiba como abordar e conheça o que orienta a BNCC

A Arte Conteporânea é fora da caixinha - como as crianças. A ilustração faz referência às obras do mexicano Damián Ortega. Ilustração: Ana Carolina Oda/Nova Escola Box

Alguns dos grandes temas deste século são as mudanças climáticas e a devastação ambiental. O que teria mais efeito para abordar o tema com os alunos: apreciar a obra de um artista boliviano que discute questões indígenas ou a de um artista europeu?

A Arte Contemporânea fala diretamente sobre o aqui e o agora, e é importante que, para fazer sentido, haja identificação. Por isso, a resposta é: sim, é muito mais fácil e melhor refletir sobre o mundo com as crianças a partir do seu território. E o Brasil faz parte da América Latina!

O estudo de arte latino-americana, além de romper com um discurso hegemônico, eurocêntrico, branco - essa ideia que só se fazer arte de qualidade na Europa ou nos Estados Unidos, ajuda os alunos as compreenderam as formas estéticas e discussões do seu tempo a partir das questões que falam diretamente com a sua vida, com o seu mundo, com a sua terra, com as suas cores.

E isso é Arte?

Falar da vida agora, é Arte, e até o seu filho faz porque ele sabe disso. Trabalhar Arte Contemporânea com alunos do Fundamental 1 é fácil e natural por uma razão muito simples: a Arte Contemporânea é fora da caixinha, e as crianças também. “O que é técnica? O que é pintura? O que é arte? Por que o tempo passa?”, fazer perguntas o tempo todo, questionar o que parece óbvio, dado, é coisa de criança e de artista contemporâneo, por exemplo.

“Há uma visão errada de que arte é só estética. Então, os adultos que dão de cara com uma obra que não é bonita e pronto, acha que nem arte é. Arte Contemporânea fala de conceitos, de ideias, você olha para a obra e faz perguntas”, explica Beatriz Calil, mestra em Artes Visuais, arte-educadora e editora de materiais didáticos.

Muito mais que em outras etapas da vida, a criança dos primeiros anos do Fundamental está aberta para qualquer saber. O X das questão é como abordar. Para Marisa Szpigel, coordenadora de Arte da Escola da Vila, isso dependerá muito do envolvimento do professor com o tema, obra e artista, e da convicção de que é possível trabalhar com os alunos de modo que tenha significado.

“É uma arte mais propositiva, que rompe com essa atitude mecanizada diante da vida. Por isso, também, os adultos costumam oferecer resistência”, afirma Marisa.

E o que a BNCC diz?

A própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC) rompe com a visão moderna de Arte, de um estudo inscrito na linha do tempo, dividido por estilos, escolas e movimentos artísticos. Lá, vemos, por exemplo, as chamadas Artes Integradas, como cinema, circo, dando um nome para tudo aquilo que não pode ser definido na caixinha do que é (só) música, (só) teatro, entre outras. Por ter uma visão absolutamente contemporânea, a BNCC opta por unidades temáticas e objetos de conhecimento, rejeitando historicismos e estudos lineares.

“Importa menos o aluno saber quais são os pintores do expressionismo, mas ele saber como a arte o ajuda a fazer um trabalho em grupo, ou a resolver dramas pessoais, familiares. A BNCC está completamente ligada a essa noção de valorizar o aluno como cidadão, democrático, respeitoso. E a Arte Contemporânea auxilia muito”. explica Beatriz.

Mas como fazer esse trabalho no ensino remoto?

Essa é a parte mais fácil: a Arte Contemporânea é o novo normal. Já durante a pandemia, Marisa propôs para várias turmas do Fundamental 1 a atividade da dança do parafuso, elaborada por ela como Sugestão de Atividade para o Nova Escola Box. O exercício consiste em fazer essa dança específica com tecidos da casa, como toalhas e lençóis. A acolhida das crianças foi excelente, ela relata, e de dezenas de alunos, somente um retornou com um sonoro “achei muito estranho”. “Eu respondi: que bom que você achou estranho, porque é estranho mesmo”.

A característica reflexiva da Arte Contemporânea faz dela um conteúdo curricular absolutamente adequado para o momento, de aulas a distância. Conceitos como efemeridade e imprevisibilidade, que atravessam a todos com a pandemia, são próprios desse movimento artístico. Assim como usar elementos do dia a dia no fazer artístico. Atividades escolares que se tornaram naturais nesse novo contexto, como tirar som dos objetos da casa, pintura com pigmentos orgânicos, de frutas e legumes, é Arte Contemporânea em estado puro.

Tentar entender, juntos com os alunos, por que um artista de um país vizinho propôs determinada obra que fala do hoje, do agora, ajudará as crianças a elaborar questões da vida cotidiana criativamente.

O caminho inverso também é produtivo. Peça que os alunos levem questões, problemáticas da vida urbana, da rotina, da casa, e explore os temas a partir de obras e atividades artísticas contemporâneas - o que naturalmente levará a discussão para um lugar lúdico e confortável para os pequenos.

“A Arte Contemporânea tem uma dimensão política intrínseca. E as crianças também. Nesse tipo de trabalho elas (as crianças) trazem temas como a falta de espaço nas cidades para brincar, ou mesmo o fato de terem poucas pessoas com quem brincar e por isso passarem muito tempo diante das telas. A partir daí é umas festa. Um mundo de possibilidades”, explica Marisa.

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