O desafio e a solução

A rede que organizou uma força-tarefa para garantir o estudo dos alunos em casa

Em Tietê (SP), as metodologias ativas foram usadas com os próprios professores, abrindo caminho para a tecnologia como ferramenta e os conceitos da BNCC

Em Tietê, a união fez a força. Na foto, as educadoras Priscila Almeida, Soraia Nunes, Vera Saconi e Ana Cristina Bueno. Foto: Mariana Pekin/Nova Escola

O ano letivo de 2020 mal havia começado quando a pandemia bateu à porta. Era a fase de conhecer os alunos, criar os vínculos necessários para construir juntos o trabalho que se iniciava. Com o distanciamento social e as aulas remotas, veio também a angústia. Como trazer os alunos para perto? Como será a nova rotina de ensino? Quais ferramentas usar? Como usá-las? A complexidade de questões a serem encaradas gerava medo e insegurança, e não foi pouca a resistência da comunidade escolar em acolher novos métodos. 

Em Tietê (SP), município com 42 mil habitantes a 120 quilômetros da capital, o problema do ensino remoto emergencial foi enfrentado logo de cara, com ideias simples. Um corpo de educadores juntou-se e montou um site único para toda a rede, a partir do Google Sites, que hospeda páginas personalizadas de modo simplificado. 

Cada escola do município ficou responsável por montar as aulas de um ciclo e por áreas. A EMEB Professor Milton Soares de Camargo, por exemplo, montou as aulas que foram dadas para as turmas do 5º ano. Os professores de toda a rede receberam, por dez semanas, os planos de aula já elaborados. Liberados do planejamento de aula, eles tiveram tempo de respirar, e então, se preparar para a realidade posta. 

“Essas dez semanas foram cruciais, pois foi nesse meio-tempo, com um site unificado para toda a rede, que nós pudemos capacitar os professores. Ensiná-los a usar as plataformas, montar aulas ali, traçar estratégias conjuntas, entender o que funciona e o que não”, explica a professora e diretora interina da EMEB Professora Lyria de Toledo Pasqual, Priscila Mello Almeida, também voluntária de planejamento na Secretaria de Educação de Tietê.

Priscila conta que, além dos seminários on-line, formações por vídeo, guias em PDF, em casos mais delicados ela teve de ir até a casa do professor. “Teve quem tinha medo de clicar o mouse em um ícone. Eu tive de sentar do lado e explicar que se desse errado poderia voltar, não teria problema”, lembra ela. 

Foi dando esse tempo aos professores que sentimentos como medo e insegurança foram se apagando. “Parecia que estávamos sendo carregados por uma enchente, e se ficássemos parados iríamos morrer afogados. Não teve jeito. Tínhamos de desbravar as possibilidades. Eu entrei em grupos de professores do Brasil inteiro. Todo mundo estava vivendo aquilo. Fui pesquisando e entendendo como fazer”, relata a professora de Português da EMEB Professor Milton Soares de Camargo Vera Renata Vire Saconi. 

A experiência de Vera é a de milhares de educadores. A Pesquisa Educação, Docência e a COVID-19, realizada pelo Instituto de Estudos Avançados da USP, perguntou para quase 20 mil professores da rede estadual de São Paulo “qual palavra melhor expressa seu principal sentimento associado à educação mediada por tecnologia?” As palavras mais usadas foram Desafio e Aprendizado. 

Nem todos conseguiram se adaptar à nova realidade. Mas todos tentaram, e teve quem se superou ali. “Eu precisei explicar até o que era Ctrl C e Ctrl V (atalhos para copiar e colar conteúdos a partir do teclado). Hoje são pessoas que não só dominam a prática, como estão impressionadas com as possibilidades da tecnologia nas práticas pedagógicas. Merecem o nosso respeito e admiração”, conta Priscila. 

A Base na base 

A diretora conta que antes da pandemia os coordenadores discutiam formas de introduzir na prática a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cujo ano de implementação é 2020. Naquele momento já havia bastante resistência às novas diretrizes e novas ferramentas de trabalho, segundo as professoras. Com adversidade da pandemia, os coordenadores não tiveram dúvidas: os professores vão aprender fazendo, e no tempo deles. 

“Além de capacitar os professores para a nova realidade, tínhamos de capacitar os alunos, e entendemos que aplicar as metodologias ativas com os professores era a melhor forma de fazê-los compreender a eficiência da prática no ensino e replicar com os alunos”, conta a supervisora de ensino Ana Cristina Salvetti Alencar Bueno. 

Como estará fulano?

O empenho deu frutos. A taxa de participação dos alunos do Fundamental 1 foi de 93%, segundo dados fornecidos pela Secretaria de Ensino. Para isso, contou também o empenho de divulgação. Carros de som, redes sociais, aviso via rádio, faixas nas escolas, telefonemas e mensagens para as famílias. Todos ficaram sabendo como funcionariam as aulas remotas, e, para os alunos que não possuíam acesso à internet, o material foi impresso e enviado. 

Para os que seguiam sem fazer contato, o jeito foi reforçar nos telefonemas e nas mensagens. Nos casos mais agudos de evasão, a Secretaria de Ensino fez uma parceria com o Conselho Tutelar, que ficou responsável por bater de porta em porta e mediar.

“Sem a família junto, é impossível. E quando buscamos por elas, é preciso saber ouvir. Temos alunos que vivem realidades diversas, às vezes muito duras. Pais que perderam o emprego, e por isso precisaram cortar a internet; que falam sobre o filho desestimulado. Uns sumiram, e eu ficava me perguntando como estará o fulano? Não dá. Se a criança não vê o pai implicado naquilo, ela acha que não é importante”, garante a professora Vera. 

A necessidade é a mãe da invenção

À medida que os professores ganham autonomia nas ferramentas e práticas, e no fim das dez semanas iniciais, o planejamento de aula voltou para as mãos de cada professor, que agora usam, em maioria, o Google Classroom. No caso do Fundamental 1, o atendimento às famílias via WhatsApp é o principal, e cada escola define como serão os agendamentos. 

Professores que mal mandavam e-mails, agora usam podcasts e vídeos em suas aulas, reflete Vera. Mas para ela ainda pode melhorar. “As aulas precisam ser uma telenovela. Eles (os alunos) precisam querer saber as cenas dos próximos capítulos. Telenovela não, como uma série é melhor”, brinca. 

Ana Cristina e Priscila, juntamente com outras coordenadoras, preparam-se para falar sobre a BNCC com toda a rede. “Queremos fazer um convite para as discussões das habilidades e competências da base. Sem elas teria sido impossível montar as aulas que nos socorreram nas dez primeiras semanas. Eles precisam abraçar a ideia”, comenta Ana Cristina. 

Todas elas estão otimistas. Acreditam que encarar o desafio permitiu aumentar as possibilidades de semear uma escola inovadora e melhor para o futuro. 

Mais sobre esse tema