Entrevista

Celso Antunes: “Uma terra com professores terá amanhã”

Educador fala sobre a relevância das habilidades socioemocionais e metodologias ativas para uma formação crítica

Para o educador Celso Antunes, o papel do professor é o de estimular a criatividade e a reflexão. Foto: Divulgação/NOVA ESCOLA

Aprender a aprender. Transformar o saber em fazer, e com isso ser uma pessoa melhor. Essas são algumas ideias que comumente circulam no universo da Educação, mas que nem sempre encontram abrigo. 

No contexto da pandemia, para citar um exemplo, as metodologias ativas são apontadas como um caminho. Mas nesse mesmo contexto, há vários desafios na mesa de professores e orientadores. Dificuldades tecnológicas, evasão, luto, sobrecarga. Qual o papel do professor agora? 

O professor Celso Antunes, especialista em inteligência e cognição, consultor educacional do Canal Futura, sócio-fundador do “Todos pela Educação” e membro consultor da Associação Internacional pelos Direitos da Criança Brincar, reconhecido pela Unesco, garante que tal papel é o de propor um bom diálogo, capaz de estimular a criatividade e a reflexão. Confira: 

NOVA ESCOLA: Muitos professores têm relatado que as metodologias vieram para ficar, especialmente agora na pandemia. No que essa prática tem a contribuir? 

CELSO ANTUNES: Eu sou inteiramente apaixonado por essa educação ativa, da participação. O grande problema na escola brasileira é que o professor transforma os momentos de ensino numa doença chamada de aula expositiva. Nove em dez professores – sendo otimista, não usa outra estratégia. 

O que nós denominamos aula expositiva é uma coisa belíssima. Surgiu na humanidade quando o (Johannes) Gutenberg (1400-1468) descobriu a imprensa. Os primeiros livros foram publicados, e como era algo de alcance apenas de uma pequena parte da sociedade, reuniam-se as pessoas para ler aquilo que ali estava. Hoje, tantos séculos depois, professores confundem discursos, às vezes até interessantes, com ensino. Aí falta participação ativa. O aluno é, numa atividade como essa, protagonista. Ele não é um ouvinte. Hoje, com um toque de mouse, você tem informações. Agora valores, criatividade, atenção, são coisas que advêm de bate-papo e conversas daquilo que se chama uma educação ativa e proativa.

Muitos pensadores da Educação repetem esse conceito há várias décadas. Mesmo assim, a aula expositiva persiste. De onde vem essa resistência?

Para um profissional de qualquer área, como da medicina, informática, enfermagem, faz parte da preparação profissional dele, na conclusão da parte teórica do curso, o chamado estágio supervisionado. Por exemplo, você está fazendo enfermagem, vai terminar a teoria, e depois vai terminar a sua capacitação agindo de uma forma concreta. Isso supervisionada por alguém que conhece, mas transformando aquele saber em fazer. Então, é quando você sai preparada. Mas, de maneira geral e salvando raríssimas exceções, como o professor brasileiro é preparado? Ouvindo, ouvindo, ouvindo. Quando ele termina o curso e vai fazer estágios, tais estágios replicam, mais uma vez, aquilo que os seus professores fizeram. Isso quando fazem de verdade o estágio. Se eles fizessem bons estágios, saberiam que existem mais 30 possibilidades de aula além da expositiva. 

Ainda faz sentido montar uma planejamento de aulas centrado no conteúdo?

Na Educação convencional no Brasil, a única coisa que o aluno percebe de valioso naquele conteúdo que ele está recebendo, de português etc., é, evidentemente, se ele passa no Enem. Entretanto, isso tudo é uma falácia. Reúna um grupo de profissionais que tiveram grande destaque na área em que atuam, e pergunte o que os levou a ser esse grande profissional. Onde é que entra a geografia? Onde entra a experiência com o máximo divisor comum? Esses conteúdos evoluem, modificam. Não creio que sejam desimportantes, mas a essência do trabalho de um profissional não se adquire com aqueles saberes. 

Às vezes, um grande aluno de biologia não se torna um grande profissional, porque ele não aprendeu a aprender. Isso é importante para aprender a transformar o saber em fazer, e, de certa forma, ser mais, e não apenas aquilo. Pergunte ao extraordinário engenheiro, médico, escritor, músico, se eles sabem qual é o pico mais alto do relevo brasileiro... Se isso importar, ele abre a internet e dá a resposta. A escola precisa ser transformadora, que o educa social e emocionalmente, ou seja, alguém para ser mais. 

Qual o papel do professor diante de tantas adversidades que todos estão atravessando no atual contexto? 

O papel do professor hoje, em qualquer ciclo, é mostrar para os alunos que  muitas coisas aconteceram na pandemia, coisas terríveis, mas que o temporal vai passar, e que, portanto, a amizade, a falta do colega, nada disso se perdeu. Não voltar para correr atrás desesperadamente de conteúdos conceituais. Os alunos vão voltar para aprender a aprender. Precisamos de uma nova escola, uma escola que desafia a a informação, estimula a participação. Quanto tempo durante a vida escolar de qualquer brasileiro foi trabalhada a sua atenção? Por quanto tempo foi estimulada a sua inteligência? Por quanto tempo se discutiram valores? Por quanto se discutiu criatividade? A gente sabe a resposta. 

É um desafio enorme atravessar esses períodos de mudança. Gera muita insegurança... 

Os professores, coordenadores, orientadores... têm esse dom de ser plantadores de semente. Não vamos abdicar da matéria que temos, o Português, a Matemática, a História... Sabemos e pronto! Mas, daqui 20 anos, temos de olhar para trás e lembrar que fomos interrogadores, que abrimos histórias para os alunos terminarem, que ouvimos e conversamos. Agora é vendaval. Mas pode passar o vendaval. Uma terra que tem professores terá amanhã. Foi assim em todos os países que passaram pelas grandes guerras.

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