O DESAFIO E A SOLUÇÃO

Muito além do digital: o diretor que faz delivery de Educação em Leopoldina

Com carinho e perseverança, João Paulo Araújo dribla a falta de acesso dos alunos de sua escola a celulares e computadores distribuindo pessoalmente kits personalizados a todos eles

O diretor João Paulo Pereira Araújo, da EE Doutor Pompílio Guimarães, em Leopoldina, vai pessoalmente levar o material de Miguel de Paula Bernardo, do 2º ano. Foto: Rodrigo Ferreira/NOVA ESCOLA

Há cinco meses, João Paulo Pereira Araújo, diretor da EE Doutor Pompílio Guimarães, percorre comunidades rurais e periféricas de Piacatuba, distrito de Leopoldina, município localizado na Zona da Mata mineira, para garantir que nenhum de seus 132 alunos fique para trás. Como cabos de fibra óptica e vídeos e áudios de WhatsApp não chegam a muitos deles, o educador decidiu abrir mão de tecnologias modernas e usar o velho e eficiente recurso: bater de porta em porta. Com uma Kombi emprestada pela prefeitura, entrega a cada estudante seu Plano de Estudo Tutorado, ou PET. 

A ação, que ocorre durante alguns dias, em geral no meio do mês, foi colocada em prática pouco depois do início da pandemia de coronavírus. Com as escolas em quarentena, o que seria possível fazer por aquelas crianças e jovens para que não ficassem sem aulas? Como transmitir conteúdo a distância para alunos sem acesso à internet, com poucos recursos tecnológicos e em situação de vulnerabilidade social?

“A maioria das crianças da nossa escola não possui celular. Às vezes há apenas um em casa, para ser dividido com outros membros da família”, aponta João Paulo. Para dar conta dessa realidade – 40% dos alunos da EE Pompílio vivem em zona rural e os 60% restantes habitam as periferias de Leopoldina –, João tem ido de casa em casa fazer as entregas do material didático preparado pelos professores. 

Juntamente com os kits, vai também muito do carinho e empenho do gestor e sua equipe. E é aí, exatamente na concepção de cada kit escolar, que essa história ganha um contorno especial. Tudo começou antes da pandemia – aliás, podemos dizer que tudo começou quando João Paulo assumiu a direção da EE Pompílio, em março de 2019. Ex-aluno da instituição, ex-professor e formado em Engenharia e História, João sentiu, quando assumiu o cargo de gestor, que a sua escola precisava de uma atenção geral, tanto do ponto de vista estrutural quanto pedagógico. 

A evasão era alta, os professores estavam desmotivados, a escola tinha muitos problemas. João decidiu então que era hora de chamar todos – docentes, funcionários e pais para que, com ele, enfrentassem o desafio de mudar aquela situação. 

“Estimulei a participação das famílias, abri portas”, conta. A resposta foi sendo dada aos poucos. Promoveu melhorias no prédio, viu os pais mais próximos e a evasão foi reduzida. De 85 alunos em 2019, hoje a escola conta com 132.

No início de 2020, João estava mais empolgado que o habitual. Aquele seria um ano de mais mudanças e muitos projetos. No entanto, para isso acontecer de forma proveitosa, o gestor achou que os professores precisariam conhecer melhor a realidade dos estudantes. Foi então que propôs, na semana de formação, levar os docentes para visitarem as casas dos alunos, nos arredores de Piacatuba.

O distrito, explica, é um lugar pequeno e muito turístico. “É quase uma mini-Tiradentes, com festival de gastronomia famoso, muitos restaurantes. Só que a comunidade dos alunos não usufrui isso”, aponta.

João sabia que muitos professores não tinham essa noção – parte deles vem de regiões vizinhas para dar aula em Piacatuba, ou seja, não é da região. Os alunos são filhos de pais que não receberam educação formal, têm dificuldade para ler e escrever. Vivem à parte da programação cultural de Piacatuba. 

“Para elaborar projetos adequados, os professores precisavam ter noção do território, não para limitar o acesso dos alunos ao conhecimento, mas, sim, para criar outras possibilidades de aprendizagem”, explica o gestor.

A partir desse contato com a realidade, muita coisa mudou. Os professores envolveram-se de forma diferenciada com os projetos. Surgiram muitas ideias. No entanto, com a pandemia que veio na sequência, foi necessário fazer adaptações.

A primeira delas surgiu quando chegou o material do governo estadual – a equipe percebeu que o conteúdo estava muito distante da realidade dos alunos de Piacatuba. Então, a solução foi criar os próprios kits de aprendizagem.

“Não queríamos criar mais tensão para nosso aluno, enviando um material que pudesse não fazer sentido para ele e diante do qual os pais não iriam poder ajudar de jeito nenhum”, justifica. Todo mês os professores criam kits que buscam atender às necessidades das salas. Procuram dar conta da heterogeneidade e incluir todos, sempre levando em conta o conhecimento que adquiriram na visita aos territórios.

O material didático é enviado, por arquivo, à escola. João, com apoio de funcionários, monta os kits e faz questão de entregar na casa de cada aluno. 

O sentimento de gratidão por parte dos pais é enorme. Eles reconhecem o esforço dos professores que, por WhatsApp, oferecem a possibilidade de os alunos tirarem dúvidas sobre o material. Quem pode acompanha. Quem não consegue aguarda a devolutiva do conteúdo corrigido. 

João explica que o trabalho só está sendo feito porque ele conta com o apoio de todos. E sabe que é somente dessa forma que se vence a enorme desigualdade social na Educação, escancarada ainda mais na pandemia.

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