PARA REPENSAR A PRÁTICA

“A avaliação aconteceu no processo”: como a turma da professora Karina vai concluir o ano

A parceria com as famílias e as aulas por WhatsApp vão permitir à docente construir juntamente com a equipe de sua escola critérios para a composição das notas dos alunos

Neste ano, tudo o que os alunos fizeram ao longo do ano pode ser subsídio para a avaliação. Ilustração: Rafaela Pascotto/NOVA ESCOLA

Três vezes ao longo do ano letivo a rotina se repetia: Karina Santos da Silva deixava sua turma de 1º ano com uma auxiliar e saía da sala, cada vez com uma das crianças, para realizar avaliações individuais, tanto de escrita quanto de Matemática. Não fazia tudo no mesmo dia para que a criança não se sentisse exausta. Também escolhia o horário com cuidado.

“Tem aquela que não dá para chamar pela manhã, porque é o momento em que ela está mais agitada”, conta a professora. Para outras, o ideal era depois do momento de sono, por exemplo. Esse processo de diagnóstico mais qualitativo demorava entre duas e três semanas para ser concluído.  

Mas, neste ano atípico, Karina só conseguiu realizar a avaliação nesses moldes no início do ano, antes que a pandemia de covid-19 resultasse no fechamento das escolas e na adesão de grande parte das escolas ao ensino remoto. Como todos os professores do país, ela se viu obrigada a se adaptar. E afirma: “Usei diferentes formas, mas a avaliação aconteceu durante todo o processo”.  

Karina, pedagoga com especialização em alfabetização e mestrado em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é professora na Ateliescola Acaia, ligada ao Instituto Acaia, entidade sem fins lucrativos, financiada por doações, convênios e um fundo patrimonial. 

A escola, que cobre da Educação Infantil ao 7º ano do Fundamental, atende de maneira gratuita principalmente crianças e adolescentes das favelas do Nove e da Linha e do Conjunto Habitacional Cingapura Madeirite, na região oeste de São Paulo. 

Aulas a distância

Com as aulas a distância, as equipes gestora e docente organizaram o envio quinzenal de cadernos pedagógicos para todos os alunos, acompanhados de cesta básica e kits de higiene. A logística envolve também o recolhimento desses mesmos materiais e seu encaminhamento para as casas dos professores. O objetivo é verificar o que é desenvolvido pelos estudantes. “É complicado fazer avaliação desses materiais porque não pude mediar e acompanhar a realização das atividades”, explica Karina. Mas, apesar dos limites, os cadernos fornecem informações que também compõem a avaliação do processo de ensino e aprendizagem da turma. 

A parte principal, porém, é fruto das observações feitas durante as aulas ao vivo. Karina vem conseguindo realizar aulas virtuais, por chamadas de vídeo do WhatsApp, em média três vezes por semana. A escolha pelo aplicativo foi feita após uma pesquisa com as famílias apontar ser este o meio mais viável. É uma realidade que se repete para as turmas até o 4º ano. A partir do 5º ano, os estudantes da Ateliescola Acaia receberam, por conta de doações, computadores com modem e internet para poderem ter aulas em uma plataforma digital. 

Acompanhamento quase individualizado dos alunos

Inicialmente com 18 alunos – no meio da pandemia uma das famílias mudou de estado –, Karina dividiu sua turma em oito pequenos grupos para a realização das aulas ao vivo: quatro com três crianças e outros quatro com duplas. A organização foi feita considerando a avaliação diagnóstica e as observações de sala do início do ano e também o vínculo afetivo entre os estudantes. “Foi bem complexo, mas também importante, pois garanti critérios para desenvolver um trabalho com significado e qualidade mesmo no contexto de aula a distância”, justifica.

Nesse sistema, foi possível fazer um atendimento quase individualizado com a turma, o que ajudou também a estreitar a parceria com as famílias. Um dos combinados foi de que todos os alunos teriam um adulto ou uma criança mais velha acompanhando a aula virtual. 

Esse contato quase diário colaborou para as famílias entenderem melhor as concepções e metodologias da professora e da escola, e a maneira como ocorre a aprendizagem dos alunos. Aos poucos, os responsáveis compreenderam, por exemplo, que o erro faz parte do processo e fornece informações essenciais para o planejamento da docente. 

A mudança de postura refletiu-se nos cadernos pedagógicos. Karina passou a receber atividades em que as crianças utilizavam estratégias mais adequadas ao estágio de desenvolvimento delas. E nem tudo estava certinho. Começaram também a aparecer recados do tipo “professora, fiz a atividade até a pergunta tal, mas aqui eu não entendi”. “Isso dá um retorno sobre como o material didático chega às casas, qual a leitura que a criança e a família fazem dele e qual meu papel de orientadora no contexto atual”, comenta Karina. 

Outra conquista com as famílias foi relacionada à participação. A oscilação foi maior quando houve abertura total na cidade – uma vez que isso alterou a rotina, com vários responsáveis retornando aos trabalhos presenciais, por exemplo. Ainda assim, com ajustes de horário, Karina garantiu a frequência da turma. Não houve nenhuma desistência completa.

Ter garantido uma rotina de estudos com os alunos permitiu avanços. “Tenho crianças que estão alfabetizadas e, no início, não estavam. Outras estão com bastante consistência em suas hipóteses. Consigo observar melhor esses avanços na aula ao vivo”, conta a professora. 

Fechamento do ano

“Não vai ser possível fazer uma avaliação final detalhada, como eu fazia antes”, comenta Karina. O acompanhamento nas aulas virtuais, o conteúdo dos materiais didáticos, as observações das colegas – a professora faz, semanalmente, duas reuniões pedagógicas: uma com as duas auxiliares e outra com a coordenação. Tudo é subsídio para avaliação e deve compor a nota final dos alunos. 

Para esse fechamento de ano, Karina vai se voltar para a série de registros acumulados no período letivo. Ela fez, por exemplo, análises dos cadernos pedagógicos e das aulas virtuais. Também realizou conversas com as famílias sobre a aprendizagem das crianças e as condições de estudo no ensino remoto. 

“É importante pontuar que estou considerando a avaliação como processual. Ou seja, levanto indicadores de todo o caminhar da criança”, explica a professora. Ela conta que organizou pastas para cada aluno, na qual reuniu também fotos, vídeos e áudios enviados pelos responsáveis. Assim, formou uma espécie de portfólio individual, além de planilhas com as informações gerais da turma (veja aqui sugestões para organizar os registros)

Critérios de composição de nota

Na escola de Karina, cada professor tem autonomia para criar o próprio instrumento avaliativo. Ainda assim, haverá uma reunião geral para discussão coletiva de critérios de avaliação e composição de nota. É consenso, por exemplo, que as análises das aulas virtuais devem ter peso maior do que as do material didático? Quais indicadores pudemos usar este ano? O que conseguimos fazer do conteúdo previsto no currículo? Essas são apenas algumas das questões a serem debatidas.

O detalhamento do percurso de cada aluno será, depois, discutido com a professora que vai assumir a turma no 2º ano. Em geral, esse trabalho de transição é realizado durante a semana de planejamento, no início de cada ano letivo. Momento que deve ser ainda mais importante em 2021, se considerarmos o quanto deste ano ímpar deve continuar repercutindo no próximo.

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