Avaliação a distância: o que deu certo em mais de um ano de pandemia
No contexto remoto, o acompanhamento do desenvolvimento dos alunos em todo o processo é uma estratégia avaliativa importante. Saiba o que tem funcionado (e o que não tem) ao avaliar os alunos de Fundamental 1
Desde que a pandemia de covid-19 tomou o país, há pouco mais de um ano, quantas foram as vezes que você sentiu que estava trocando o pneu de um carro em movimento ao tentar se adaptar à nova realidade? Provavelmente, essa foi a sensação de muitos professores ao se depararem com o caos de um cenário pandêmico: escolas fechadas, distanciamento dos alunos, ensino remoto, recursos tecnológicos e, como se não bastasse, um vírus letal à solta.
“De modo geral, em 2020, um dos maiores desafios dos professores brasileiros foi sobreviver e continuar subindo a montanha enquanto a água estava logo atrás dele”, Renata Capovilla, formadora de professores, sócia da Íntegra Educacional e consultora deste Box. Para ela, foram momentos difíceis, tanto para professores quanto para alunos, mas também, um convite a novos aprendizados. “O professor passou a ser um youtuber, a colocar o rosto em evidência, e entrou na casa dos alunos”, observa.
A busca por novas estratégias para ensinar e avaliar os estudantes é, certamente, um dos pontos positivos desse processo de aprendizado, segundo Renata. “De alguém que tinha poucos conhecimentos e habilidades com tecnologia, o professor aprendeu o necessário para chegar aos estudantes no dia a dia e agora está buscando novas estratégias para engajar e colocar cada aluno como protagonista. É o que pede a BNCC”, comenta a educadora.
Para Luciana Santos, especialista em Avaliação por Competências e Habilidades, Learning Analytics e Sistemas Personalizados de Aprendizagem e coordenadora de projetos na Foreducation EdTech, dentre os grandes desafios impostos pela pandemia, a avaliação da aprendizagem tem sido um dos maiores. Ela afirma que o processo avaliativo precisou passar por um processo importante de mudança de foco.
“Isto é, passar da perspectiva conteudista, que é uma avaliação mais centrada em conteúdos programáticos, para uma avaliação centrada no processo de aprendizagem do aluno, observando principalmente as dimensões socioemocionais, atitudinais, na experiência e engajamento nas aulas, atividades e projetos”, explica.
Avaliação processual
Renata Capovilla acrescenta que, quando se fala em avaliação nesse momento de pandemia e ensino remoto, volta-se a levar em consideração o que antes estava na teoria: a avaliação processual. Ou seja, não considerar somente aquilo que o aluno faz em um movimento avaliativo, mas sim, como é o seu desenvolvimento ao longo de um processo.
“Avaliar é muito mais o professor entender onde precisa desenvolver aquela habilidade do aluno ou se já pode avançar um pouco mais. Por isso a avaliação processual é tão importante, porque você coleta evidências ao longo do processo de desenvolvimento do estudante, não deixando lacunas pedagógicas que dificultam a continuação da aprendizagem”, ressalta.
Luciana Santos, por sua vez, garante que existem muitas possibilidades de avaliação no ensino a distância. O uso de metodologias mais ativas no processo de avaliação, por exemplo, se torna um grande diferencial, tais como: resolução de desafios e problemas, aprendizagem entre pares ou produções colaborativas, e resolução de situações-problema associando conteúdos a contextos sociais ou reais da sociedade. “Com o uso das tecnologias digitais todos esses processos avaliativos foram facilitados, uma vez que um dos aspectos positivos é que as tecnologias facilitam o uso de recursos e ferramentas interativas que impactam positivamente também o processo avaliativo”, reforça a especialista.
Confira, abaixo, o que os educadores consideram ter dado certo e aquilo que não funcionou tão bem para avaliar os alunos neste mais de um ano de pandemia.
O que deu certo ao avaliar
1. Uso da tecnologia. Muitos professores que antes da pandemia não tinham tanto contato com ferramentas tecnológicas se viram diante da necessidade de aprender a utilizar novos recursos para continuar próximos e avaliar o desenvolvimento dos alunos. Com isso, ficou evidente que o uso da tecnologia é, sim, possível na Educação e a tendência é de que essas ferramentas continuem em um possível ensino híbrido. Vale ressaltar que há possibilidades de todos os tipos, para quem tem recursos tecnológicos e para os que não possuem tantos. (Confira um manual de ferramentas digitais produzido por NOVA ESCOLA.)
2. Resolução de problemas. O que tem dado muito certo é o uso de resolução de situações-problema. O professor associa um contexto de aplicação do objeto de conhecimento presente na vida real e solicita que o aluno apresente a resolução usando o que aprendeu nas aulas, nos conteúdos dos livros e outras interações. O ponto importante desse processo é que o aluno faz esse trânsito entre o que é conteúdo e como tal conteúdo se associa à vida real, ou como ele se torna importante para compreender e resolver o que acontece no mundo.
3. Rubricas de avaliação. O professor, ao propor esse formato de avaliação, elabora os indicadores pelos quais os alunos serão avaliados e descreve o critério por níveis de aprendizado. O potencial do uso de rubricas (saiba mais aqui) está justamente em retirar a subjetividade da avaliação e apresentar indicadores que estão associados às habilidades que estão sendo avaliadas, deixando claro para o aluno o que é esperado dele.
O que não deu certo ao avaliar
1. Avaliações conteudistas. As avaliações conteudistas que estão centradas na verificação de conteúdos não foram um bom caminho no contexto remoto. Este formato de avaliação na maioria das vezes tem suas respostas disponíveis na internet e não engajam os alunos no processo de avaliação. Lembrando que a avaliação não é descolada do processo de aprendizagem, ou seja, a avaliação também integra o processo de aprendizagem.
2. Acesso à internet. Embora seja uma questão estrutural no país, a falta de acesso dos alunos à internet banda larga e a equipamentos eletrônicos durante o ensino remoto é, certamente, um dos gargalos deste momento. Seja por questões financeiras ou logísticas, a internet não chega a todos os alunos e, muitas vezes, quando chega é precária, o que dificulta o trabalho dos professores e a aprendizagem de milhões de estudantes.
3. Avaliar no escuro. Avaliar no contexto remoto já é desafiador quando o professor tem acesso ao aluno. Mas quando o contato com a criança e sua família é prejudicado, a avaliação também não acontece. No entanto, ter um sistema que exige a avaliação a qualquer custo é algo que preocupa o professor, uma vez que, neste período de pandemia, muitos estudantes não têm acompanhado as aulas por causa de inúmeros fatores, tais como dificuldades de acesso à internet, condição financeira e luto na família. Do mesmo modo, a falta de auxílio da família (por questões de trabalho, por exemplo) para os alunos mais novos, como 1º e 2º ano, também pode prejudicar o acompanhamento dos estudantes.
Pontos importantes na hora de avaliar
- Buscar estratégias diversas. Seja no remoto, seja no presencial, é importante, nestes momentos, pensar estratégias diversas para avaliar, tais como um quiz ou um mapa mental.
- Ter objetivos claros. O professor deve ter muito claramente quais objetivos está buscando e quais habilidades quer desenvolver com os alunos para que avalie focado e que não seja algo que se perca num emaranhado de possibilidades.
- Ter em vista o que é prioridade. Vale lembrar que nem todas as habilidades serão contempladas no contexto do ensino remoto. O professor precisa ter em vista o que é prioritário para cada ano, o que não pode deixar de trabalhar. Os Mapas de Foco da BNCC, do Instituto Reúna, podem ajudar na hora de definir os focos de atuação, pois apresentam quais são as habilidades essenciais para cada ano do Ensino Fundamental (tanto para anos iniciais quanto para anos finais).
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