Para planejar o retorno

1º ao 3º ano: 5 pontos para superar a defasagem dos alunos e planejar as aulas de Matemática na volta às escolas

Além da avaliação diagnóstica dos estudantes, propor o diálogo entre as unidades temáticas do componente curricular e focar na resolução de problemas podem ser boas estratégias para a volta ao presencial

Ilustração abstrata de professora e aluno segurando números gigantes.
Ilustração: Juliana da Costa/NOVA ESCOLA

A defasagem no aprendizado dos alunos é algo que sempre esteve presente nas escolas. Não é novidade para o professor que, em uma sala de aula, tenha alunos que desenvolveram mais ou menos habilidades do que outros. Com a paralisação das aulas presenciais por causa da pandemia de covid-19, esse problema acentuou-se. É esperado que muitos alunos não tenham assimilado conceitos e aprendizagens próprios daquele ciclo ou faixa etária no retorno às escolas, que deve se tornar cada vez mais frequente nas redes de ensino neste segundo semestre. 

Essa defasagem aguda afeta principalmente os estudantes dos primeiros anos do Ensino Fundamental, nos quais a Matemática surge como um dos principais gargalos. A constatação é de um estudo feito pelo Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora a pedido da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo.

Agora, com a diminuição momentânea dos casos de covid-19 e o retorno gradual ou total das aulas presenciais em alguns locais, fica para o educador o desafio de organizar e planejar essa retomada de forma cuidadosa e produtiva. Algumas questões centrais nesse planejamento poderão fazer toda a diferença. “A volta precisa ser cuidadosa. A pandemia não produz bons alunos. Todo mundo já sabe disso. Por isso, é preciso analisar os estudantes e as possibilidades que temos diante desse diagnóstico”, explica Fernando Barnabé, integrante do Time de Autores e do Time de Formadores de NOVA ESCOLA. 

Mapeando o que funcionou e o que não funcionou no contexto remoto

O primeiro passo é mapear o percurso feito até aqui: atividades realizadas, habilidades priorizadas e o que funcionou e o que não funcionou. 

O uso de planilhas elaboradas pela educadora Kátia Chiaradia, que trazem um detalhamento das aprendizagens a serem trabalhadas e permitem ao professor avaliar como está o desenvolvimento de seus alunos (acesse o material de Matemática aqui e confira abaixo um vídeo explicando como utilizá-las), é uma estratégia indicada para levantar habilidades trabalhadas e não trabalhadas. “As planilhas são um excelente referencial para todos os anos, e ajudam qualquer professor”, argumenta Fernando.

Nos anos iniciais é necessário ter um cuidado maior justamente por serem os anos da alfabetização. Fernando lembra que, “como a BNCC [Base Nacional Comum Curricular] de Matemática incentiva o trabalho a partir da resolução de problemas, é preciso um nível estabelecido de alfabetização para poder atingir os objetivos matemáticos”.

Uma coisa acaba relacionando-se com a outra, mas há problemas que não necessitam de uma alfabetização em estágio avançado. Por isso é tão importante o mapeamento das necessidades e as boas escolhas a partir dele.

Avaliação diagnóstica para planejar as aulas

A avaliação dos alunos e da turma será iniciada com o mapeamento, que é parte fundamental dessa etapa. O levantamento inclui o que foi, mas também o que não foi aprendido pelos estudantes. É ele quem dirá por onde começar. 

“Esse é um processo que está próximo das rubricas e fichamentos. E é importante que o professor crie rubricas conforme a sua própria avaliação, e conforme a sua própria turma.”

O uso de recursos digitais também é indicado para as avaliações. Nem todas as salas contam com essa possibilidade, mas em plataformas como a do Khan Academy, o aluno responde a questões das habilidades mapeadas e o professor consegue verificar se esse aluno conseguiu assimilá-las ou não, e analisar, então, como ele pode desenvolver essas aprendizagens daqui para a frente. 

O cuidado aqui (e sempre) é pensar a avaliação como parte do processo de aprendizagem, e não como a aplicação de um mecanismo ou de um único momento avaliativo. Fernando lembra que descobrir o que precisa ser feito é algo que ocorre ao longo do tempo. Para que as habilidades sejam mapeadas, algum mecanismo terá de ser usado. Rubrica, fichamentos e plataformas digitais são parte, portanto, do processo, que vão sendo refinadas no percurso do trabalho. 

Diálogo entre as unidades temáticas de Matemática

Certamente, a escola receberá alunos com defasagens desiguais. Neste momento, é importante retomar as unidades temáticas que a BNCC apresenta. Em Matemática são cinco: Números; Álgebra; Geometria; Grandezas e Medidas; e Probabilidade e Estatística. Algumas demandam mais atenção do que outras, como a de Números, que exige mais do professor porque é aquela com mais habilidades envolvidas. 

“O professor vai precisar ter mais atenção com o sistema de numeração decimal, com as características das operações em si: uso de algoritmo ou não. Em geometria, tem de avaliar como está a verificação das formas, principalmente as espaciais. E sempre trazer essas atividades para a realidade do aluno, fazer com que ele encontre essas formas na vida dele.”

Bolar boas estratégias para passar conteúdos e trabalhar habilidades sempre será importante para que o professor atinja seus objetivos. Agora será ainda mais. 

Uma delas, aponta Fernando, é propor atividades onde as unidades temáticas dialoguem, como, por exemplo, usar um problema que faz a ponte com Grandezas e Medidas e também com a Geometria. “Quando o professor trabalha dessa forma, ele estabelece vínculos. O aluno vai dizer: ‘Puxa, isso eu já sei!’ Quanto mais relações ele conseguir estabelecer, melhor será o seu processo de retomada.”

Resolução de problemas e troca entre pares

Outra dica é não abrir mão das resoluções de problemas, e a sacada aqui é saber escolher bons problemas. “Muitas habilidades da BNCC começam com essa premissa. A própria Base dá muitas pistas de como fazer isso, e afirma o tempo todo que esse é um bom caminho”, enfatiza o consultor deste Box. 

E para escolher bons problemas é preciso, antes de tudo, fazer boas perguntas. Boas perguntas para os menores (e também para os maiores) são aquelas que proporcionam a reflexão sobre a sua própria prática. “O aluno deve conseguir olhar para o erro como um caminho, e não algo que será descartado. Ele deve aprender os erros, com as escolhas dos colegas. Por isso, a resolução de problemas é algo legal para ser socializado”, complementa Fernando.

Essa socialização das resoluções e estratégias usadas é algo comum para muitos professores, e que pode ser reforçada neste momento de retomada, justamente porque ajuda os alunos a restabelecerem os vínculos e o companheirismo na hora de aprender.

Parceria com a família 

Neste processo de retomada do ensino presencial, o cuidado e a parceria com as famílias serão fundamentais. Os pais dos alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental certamente virão angustiados com os atrasos no processo de alfabetização e com o desenvolvimento dos conceitos básicos da escolarização. É preciso, portanto, deixar evidente para as famílias que esses eventuais atrasos serão revertidos, e que o mapeamento do que o aluno conseguiu desenvolver, ou não, é parte deste processo de retomada. 

“Todos sabemos que a pandemia não produz bons estudantes, e não há estratégia mágica. É preciso trabalhar com a realidade da turma. Primeiramente, vamos mapear e depois dar os próximos passos. A família deve ser um apoio desse caminho; por isso, tem de se investir no diálogo com os pais neste momento”, afirma Fernando. 

A família, aponta o consultor, pode enxergar questões e defasagens que o professor vai levar mais tempo para ver. “Estamos falando de crianças que podem não conseguir lidar com certos conceitos que são normais para a faixa etária delas. A família precisa ser acolhida e compreendida, e o professor estabelecer ali um vínculo, fechar uma parceria mesmo”, explica.  

Uma estratégia interessante é o professor formular atividades que envolvam os familiares dos alunos. Exemplos: construir um sólido geométrico, ou trabalhar a geometria das formas espaciais, e convidar os pais e responsáveis a recolher embalagens de produtos e ajudar os alunos a identificarem o que é aresta e o que é vértice. 

“Isso significa promover o diálogo entre escola e as famílias a partir das atividades que estão sendo dadas. Assim, a gente consegue mostrar para o aluno que é tudo uma coisa só. Apesar de ter ficado tanto tempo longe da escola, ela esteve o tempo todo na vida dele”, conclui Fernando.

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