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Como uma escola tem recebido alunos com pouco ou nenhum acesso à internet ao longo da pandemia

No contexto remoto, a equipe da EE Doutor Pompílio Guimarães levou materiais impressos de casa em casa para os estudantes. Os vínculos afetivos cultivados no período agora ajudam nas estratégias individualizadas para superar defasagens

Animação feita a partir de fotomontagem representando as expectativas e realidades de uma criança em relação ao período de aulas remotas.
Créditos: Duda Oliva/NOVA ESCOLA, Julia Cameron e Augusto de Richelou/Pexels, Steinar England/Unsplash e Pixabay

Durante o período de ensino remoto por conta da pandemia de covid-19, a principal preocupação de João Paulo Araújo, diretor da EE Doutor Pompílio Guimarães, localizada no distrito de Piacatuba, em Leopoldina (MG), foi manter e fortalecer os vínculos afetivos com alunos e seus familiares. Muitos deles não tinham acesso à internet ou a aulas remotas.

Por esse motivo, a equipe de professores da escola dividiu-se, ao longo dos últimos meses, para visitar pessoalmente as casas dos alunos e entregar materiais impressos para que todos pudessem continuar seus estudos. 

João Paulo tem claro que todo esse esforço, que não foi pouco, teve impacto positivo especialmente por preservar a relação dos alunos com a escola, pois a dificuldade dos estudantes em acompanhar remotamente as aulas ou qualquer outro conteúdo oferecido on-line foi muito grande. A maioria das crianças da escola não possui celular. Quando há um aparelho na casa, este é compartilhado com outros membros da família. Além disso, 40% dos alunos da Pompílio vivem na zona rural e 60% são moradores da periferia do município.

No retorno às atividades presenciais, que ocorreu no início de agosto, as consequências desse relacionamento com os estudantes foi logo sentida. “As crianças voltaram quase 100%, o que não tem ocorrido em outras escolas da região”, explica o diretor.

O diretor João Paulo comemora a adesão e credita isso à confiança dos pais e dos alunos às muitas conversas e ao contato que optaram por executar durante o período mais crítico da pandemia. Pelo menos uma vez por mês, João Paulo, acompanhado de professores, ia à casa de cada estudante levar um kit com atividades para serem elaboradas, além de uma boa dose de escuta e de carinho.

“Sabíamos, desde o início, que a aprendizagem curricular ficaria defasada, mas naquele momento nosso objetivo era minimizar os impactos da pandemia e do afastamento”, reflete.

Com a volta das aulas presenciais, as dificuldades dos alunos vieram à tona. Mas a escola não foi pega de surpresa. Ela se preocupou primeiramente em garantir essa volta ao presencial para o maior número possível de alunos. Para tanto, além do vínculo estabelecido ao longo dos últimos meses, passou confiança às famílias, explicando cada passo do plano elaborado para uma retorno seguro.

Planejamento para o retorno

Com os educadores vacinados e muitos pais e responsáveis também, as aulas presenciais foram se tornando uma realidade possível. E, para João Paulo, essa é a melhor maneira de garantir a aprendizagem das crianças. Na primeira semana de agosto, ele se reuniu com os professores para fazer o planejamento do segundo semestre letivo.

“Foi realizado um acolhimento com os professores e funcionários, pois a situação é nova para todos, não só para as crianças. E não estamos voltando de férias, isso é muito claro para nós”, explica.

O acolhimento consistiu em tirar todas as dúvidas e expectativas dos educadores em relação aos protocolos. Participaram do processo funcionários administrativos, da faxina, da cozinha e do transporte escolar, segundo o diretor. Para os professores, foram pensadas algumas estratégias para recuperar o tempo que os alunos passaram distantes da sala de aula.

João Paulo conta que, nesses encontros, os professores levaram os materiais produzidos pelos estudantes no ano passado e no primeiro semestre de 2021. O perfil de cada um foi analisado de acordo com essas informações. Segundo ele, a Secretaria Estadual de Educação ofereceu um modelo de avaliação diagnóstica para esse momento presencial, mas a escola optou por fazer uma análise mais personalizada, levando em consideração as particularidades de sua comunidade.

Feito isso, antes do início da avaliação diagnóstica que cada professor preparou para sua sala, os alunos também passaram por um momento importante de acolhimento. “Fizemos muitas rodas de conversa: ouvimos as crianças, trocamos ideias com elas sobre essa volta, mostramos a nova rotina da escola, discutimos as dificuldades pedagógicas”, comenta o diretor.

Estratégias para superar a defasagem

Muitas defasagens foram relatadas, segundo ele, mas tudo já era esperado. “Com base nesses resultados, vamos discutir novas estratégias de aprendizado, mais específicas, focadas nos problemas mais graves, pois há questões de matemática simples e de português, por exemplo, que precisam ser trabalhadas com atenção”, diz João Paulo.

De acordo com ele, essas primeiras semanas de agosto são de experiência, tendo em vista que a situação é inédita para todos. “Estamos vendo como as crianças se saem no ambiente escolar, pois há muita novidade em curso”, comenta.

Fora a obrigatoriedade do uso de máscara em todos os espaços, os alunos agora fazem o lanche na sala de aula, que está organizada de forma que haja uma distância de 1,5 metro entre as carteiras.

Como o número de alunos por sala no Fundamental 1 não é muito grande, não foi preciso fazer revezamento por turmas no presencial - todos estão indo diariamente, exceção para aqueles cujas famílias optaram por mantê-los em casa. Segundo João Paulo, são bem poucos. Cada aluno recebeu também um frasco de álcool gel, que utilizam na escola.

João Paulo diz que a comunidade escolar, em consenso com pais e todos os educadores, decidiu que o retorno será lento e gradativo, no que diz respeito às atividades dos alunos.“Temos de entender que o aluno do 1º ano nunca frequentou a escola. O do 2º ano frequentou a escola durante um mês. Precisamos ter essa consciência e ir gradativamente.”

A Educação Física, por exemplo, será feita no pátio daqui a algumas semanas. “Primeiro, temos de avaliar como os alunos se comportam diante da nova rotina”, afirma. “Pela manhã, por exemplo, não devem se atrasar para a entrada, pois é preciso medir a temperatura de cada criança.” Segundo o diretor, os alunos até agora têm obedecido sem problemas as novas determinações. E isso mais uma vez ele credita à confiança e aos vínculos estabelecidos durante o período de ensino remoto.

Para que a volta seja de fato proveitosa e bem-aceita por todos, ele sugere que alguns pontos sejam observados:

1. Transparência com a comunidade. É importante deixar bem claro aos professores e às famílias de que forma a escola se organizou para esse retorno, tanto do ponto de vista dos protocolos sanitários quanto das estratégias para a avaliação diagnóstica e a superação das defasagens. Quanto mais segurança, mais alunos voltarão às aulas presenciais.

2. Acolhimento dos professores. Esse ponto é essencial. Eles devem sentir-se apoiados (muitos enfrentam luto por mortes devido à covid-19) nesse processo de retomada.

3. Acolhimento dos alunos. A volta às escolas não é simplesmente um retorno das férias. É necessário muita conversa e atenção, especialmente aos casos de ansiedade, bastante comuns, segundo João Paulo.

4. Avaliação diagnóstica. Preparar uma avaliação personalizada e discutir estratégias de recuperação do conteúdo em duplas. João Paulo tem sugerido que os professores planejem juntos esse trabalho. Dessa forma, nos Anos Iniciais, estão juntos os professores do 1º e do 2º ano; outra dupla é formada pelos educadores à frente das turmas de 3º e 4º anos; Já a do 5º ano se reúne com a professora que dá apoio à biblioteca.

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