A culpa não é dos alunos: como apoiar quem tem apresentado dificuldades com a alfabetização
No retorno ao presencial, é importante estar atento ao domínio dos alunos de 3º e 4º ano sobre a leitura e a escrita. Aposte nas trocas entre os estudantes, em jogos pedagógicos e nas aulas de reforço quando necessárias
No retorno às aulas presenciais, um ponto fundamental no enfrentamento dos desafios que certamente surgirão é não responsabilizar as crianças, em hipótese alguma, por suas dificuldades de aprendizagem. Elas são naturais e esperadas.
Maria José Nóbrega, professora de pós-graduação no Instituto Vera Cruz, reforça a importância de enfrentar os obstáculos com afeto, estimulando a autoestima das crianças. Ela lembra que a dificuldade na alfabetização é atravessada de forma muito contundente pela desigualdade social no país - e, mais uma vez, a pandemia contribuiu para essa discrepância aumentar.
“Mesmo com todos os esforços das equipes escolares e das redes em disponibilizar conteúdo, o acesso ao computador ou tablet é restrito para as famílias de baixa renda”, afirma. Considerando os impactos do ensino on-line e da descontinuidade da atividade escolar, o aprendizado das crianças sofreu muitas perdas.
E, nesse contexto, Maria José avalia que a aquisição da leitura e da escrita, valorizadas muitas vezes em excesso, ganham um peso social ainda maior do que já têm. “Saber ler e escrever vale como um atestado de ‘normalidade’. A criança corre o risco de ser comparada a outra e ver a autoestima ser afetada, caso esteja em desvantagem”, observa a especialista.
Os impactos do ensino remoto no processo de alfabetização serão sentidos especialmente pelas crianças do 3º ano e do 4º ano do Ensino Fundamental, ressalta Maria José. “Diante dos desafios, cabe ao professor ir ao encontro do aluno, falar muito com ele, estimulá-lo, dizer que é uma criança esperta, que vai aprender e que ele estará ao seu lado para colaborar com esse processo.”
Avaliação diagnóstica e trocas entre pares
Gleiciene Perrone, professora da EMEB Professor Antônio Manoel de Paulo, localizada em Franca (SP), acredita que uma avaliação diagnóstica sobre os conhecimentos de cada criança a respeito da leitura e da escrita é importante para dar um norte ao professor. “De quais defasagens ele deve partir para sanar as dificuldades dessa criança?”
Maria José corrobora a iniciativa, pois somente tendo claro o que cada criança domina é possível ir adiante. Ambas apostam ainda que trabalhar em duplas positivas - um aluno com mais conhecimento apoia o outro - é uma boa saída para o desenvolvimento do processo de alfabetização.
“Um pode ler um texto para o outro escrever, por exemplo. Isso estimula o diálogo e a troca produtiva de dúvidas e conhecimento”, afirma Gleiciene.
Em alguns casos, pode acontecer de ser preciso que o professor faça intervenções mais pontuais, aproximando-se mais de uma criança do que de outra, para um atendimento individualizado.
Por fim, Gleiciene sugere que o professor lance mão da estratégia de focar nos avanços, relevando os erros. “Dizer: ‘Olha como você aprendeu, como melhorou’, é sempre muito mais estimulante e, certamente, vai facilitar esse processo”, assegura.
Confira alguns pontos importantes levantados pelas educadoras para ajudar seus alunos a superarem barreiras em sua alfabetização.
1. A culpa não é dos alunos. Comunidade escolar e familiares jamais devem culpabilizar os alunos por suas dificuldades na leitura e escrita, tampouco deve-se comparar uma criança com outra.
2. Incentive sempre. Educadores devem estimular as crianças, dizendo que irão aprender e que o professor está ali para colaborar com esse aprendizado.
3. Troca entre pares. Trabalhe com reagrupamento: organize as turmas de modo a reunir alunos que possam apoiar colegas que têm apresentado mais dificuldades de aprendizado.
4. Aprendizagem gradual. Planeje e desenvolva sequências didáticas com níveis de desafio gradativos.
5. Leitura e escrita com jogos. Sugira jogos pedagógicos para trabalhar a leitura e a escrita: parlendas, dominós de palavras, brincadeiras com sílabas.
6. Aulas de reforço são naturais. Ressignificar as aulas de reforço, tirando delas o peso da inadequação por parte dos alunos.
7. Avaliação diagnóstica da alfabetização. Fazer avaliação diagnóstica do sistema de escrita para analisar as dificuldades de cada aluno no processo de alfabetização é fundamental. Quanto antes o professor souber como as crianças estão, mais facilmente ele poderá realizar as intervenções necessárias para avançar em relação à aprendizagem.
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