Já descobri a hipótese de escrita do meu aluno. E agora?
Com as informações observadas na sondagem, saiba quais os encaminhamentos possíveis para seus alunos avançarem na alfabetização
A forma como as crianças avançam na compreensão da escrita não é uma linha reta. Por isso, antes de seguir é preciso lembrar: as hipóteses sobre o sistema de escrita não progridem numa sequência exata. Ou seja, não é porque você observou que a criança é predominantemente pré-silábica (já que ela pode apresentar características de mais de uma hipótese de escrita) que o próximo passo é a hipótese silábica sem valor sonoro.
Os caminhos não são tão bem delineados. Para acompanhar esse processo, o olhar do professor precisa ser muito atencioso para perceber as sutilezas com que as crianças veem a escrita.
Independentemente do estágio de alfabetização em que as crianças estiverem, Carla Tocchet, professora da pós-graduação em Alfabetização do Instituto Vera Cruz, defende que é muito importante que os pequenos tenham: (1) um alfabeto de fácil acesso para consulta; e (2) criem um “caderno de textos”, no qual elas guardem textos (cantigas, músicas, parlendas, poemas, por exemplo) que sabem de cor. “As crianças atribuem sentido entre o que elas conhecem e o que está escrito”, diz a especialista. Ela explica que, mesmo quem já escreve, quando tem de resolver uma questão ortográfica, retoma o caderno de texto.
Para avançar na alfabetização
Para ajudar você a pensar nas próximas atividades após a sondagem, Sônia Madi, líder de projetos na Plataforma Alfaletrar, dá algumas ideias de encaminhamentos possíveis para crianças em cada uma das hipóteses:
Pré-silábica
O que é? As produções são marcadas pela não correspondência entre partes do falado e partes do escrito, ou seja, não há correspondência sonora. O uso aleatório de letras, a preferência por algumas delas (como as letras do próprio nome) e elementos gráficos como números e garatujas (aqueles rabiscos que as crianças fazem e que se distinguem dos desenhos) são outros elementos característicos dessa hipótese de escrita.
Para avançar: Aqui é importante trabalhar a correspondência som-escrita. O professor pode aproveitar parlendas e músicas que o aluno sabe de cor - como, por exemplo, os textos que vão para o caderno de textos que Carla mencionou anteriormente - para ajudar a perceber que a escrita se relaciona com os sons.
Silábica sem valor sonoro
O que é? Nessa fase, a criança descobre que a quantidade de letras pode se relacionar com a quantidade de sílabas e entende que é preciso variar as letras ao escrever tanto uma palavra quanto um conjunto delas. Nas produções, é comum a utilização de uma letra para cada sílaba. Outra marca é que o aluno não usa, necessariamente, letras correspondentes para escrever as palavras.
Para avançar: É importante que as crianças percebam a ordem das letras na palavra. Por isso, um trabalho com letra inicial e cruzadinhas pode ser um bom investimento.
Silábico com valor sonoro
O que é? Agora a criança entende que cada sílaba é representada por uma vogal ou consoante que expressa seu som correspondente. Em geral, as vogais são usadas para representar cada valor sonoro. Há associação entre a quantidade de letras e quantidade de sílabas (mesmo que não conheçam ainda o conceito de sílaba) e as crianças já sabem que têm de variar as letras ao escrever palavras e conjuntos de palavras, usando letras adequadas aos sons.
Para avançar: Uma boa estratégia é propor atividades que permitam à criança perceber que palavras diferentes podem ter o mesmo número de letras. Por exemplo, fazer um bingo onde todas as palavras têm quatro letras, escolhendo algumas que repetem letras (como “bola” e “boca”, por exemplo). Outra possibilidade é dar uma palavra que começa com determinada letra e pedir que a turma procure em um conjunto de desenhos outras palavras que também comecem com aquela letra.
Silábico-alfabética
O que é? A criança não registra mais só uma letra para cada emissão de som, mas passa a colocar mais letras nos registros silábicos, às vezes usando-as de forma pertinente, às vezes escolhendo-as aleatoriamente. Ao ler o que produziu, é comum que o aluno se incomode com o resultado, pedindo para trocar, eliminar ou acrescentar letras. O incômodo é sinal de que ele está construindo hipóteses mais sofisticadas, aproximando sua escrita da convencional.
Para avançar: Sônia explica que crianças nessa hipótese às vezes não percebem que algumas palavras possuem sílabas com mais de duas letras. Um trabalho com cruzadinhas ou com os nomes da turma podem ser boas oportunidades para que elas prestem atenção no tamanho das sílabas.
Alfabética
O que é? A criança já sabe como produzir registros que podem ser lidos por outras pessoas e começa a se questionar sobre como grafar corretamente as palavras. É nessa fase, em geral, que aparecem dúvidas sobre se a palavra é escrita com x ou ch, por exemplo. Esse tipo de questão demonstra que o aluno já entendeu que a escrita não é apenas uma transcrição do oral, e que várias letras podem ser usadas para sinalizar um mesmo som, mas há regras e convenções que ditam as adequadas, caso a caso.
Para avançar: Para chegar na escrita ortográfica, é importante que o aluno se atente às regularidades das palavras. Por isso, é possível promover com a turma uma atividade de classificação de palavras com diferentes números de letras e sílabas. A ideia é de que as crianças prestem atenção nas sílabas para perceber regularidades. Por exemplo: separar palavras com sons parecidos, mas escritas com diferentes letras, como x ou ch, ç ou ss, pode ajudar nesse objetivo.
Diferentes, porém juntos
As ideias acima podem auxiliar alunos em cada uma das hipóteses a avançarem. Na prática, porém, não dá para fazer uma atividade para cada aluno em cada hipótese de escrita. Por isso, é possível pensar formas de unir em uma única proposta o que é importante trabalhar em cada uma das hipóteses para permitir que todos avancem.
Uma única atividade pode ser adaptada para oferecer diversos desafios a crianças em momentos diferentes. Sônia chama atenção para o jogo da forca como uma ferramenta interessante, pois cada um pode utilizar estratégias diferentes a partir do conhecimento que já construiu. Outra possibilidade é organizar a turma em agrupamentos produtivos com crianças em hipóteses semelhantes.
Carla aponta também a importância dos momentos de escrita coletiva. Ela explica que é possível organizar uma atividade em que as crianças aprendam na interação com os colegas, a partir do conhecimento que o outro tem. Ela sugere: duas crianças são convidadas a escrever determinada palavra; elas pensam e escrevem enquanto as demais observam. A próxima dupla reescreve as palavras a partir das hipóteses usadas pelos colegas.
Outra possibilidade são atividades com os nomes da turma. Por exemplo, o professor pode propor que a criança agrupe os nomes que tem cinco letras e começam com vogal, de forma a perceber que nomes diferentes podem começar com uma mesma letra. Dessa forma, alunos no nível pré-silábico e silábico sem valor sonoro percebem as regularidades dos nomes e a ordem das letras. Também é possível chamar atenção das crianças para o fato de que as sílabas não necessariamente são formadas por duas letras, mas que às vezes podem ser uma ou três letras, algo especialmente importante para quem está na hipótese silábico-alfabética.
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