Para aprender sobre a prática

Quais cuidados ter ao trabalhar dados de covid-19 com os alunos

Em meio a quantidade absurda de números que invadiu o noticiário e as redes sociais, é preciso redobrar a atenção na hora de escolher fontes e interpretar gráficos na aula

A BNCC prevê várias habilidades envolvendo gráficos. Ilustração: Micro One/Deposit Photos

Números, gráficos, taxas, porcentagens: a crise de saúde causada pelo novo coronavírus é permeada pela Matemática. Lidar com dados é parte da rotina dos especialistas em saúde. Sem números precisos, não dá para saber o que está de fato acontecendo, muito menos fazer projeções e orientar a sociedade contra erros, imprecisões e até má-fé. 

Mas compreender a matemática da pandemia não é só tarefa para profissionais. Na escola, faz parte da formação dos estudantes aprender a calcular probabilidades, construir gráficos e - é claro - ler e interpretar os dados. Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Fundamental 2, as habilidades relacionadas a isso integram a unidade temática Probabilidade e Estatística. E aproveitar o momento para desenvolver essas habilidades é crucial não só pelo conteúdo em si, mas para ajudar os estudantes a compreenderem o que está acontecendo no mundo.

Isso não é nada fácil - ainda mais quando as aulas precisam ser dadas a distância. Primeiro, porque estamos sendo afetados diária e diretamente por esses registros: não se pode esquecer que é um tema emocionalmente desgastante para todos. Além disso, se as informações que temos à disposição ainda são incertas até para os especialistas, imagine o grau de confusão que a guerra de versões sobre a pandemia causa na cabeça dos estudantes? 

Por onde começar o assunto

É por essa razão que o professor de Matemática Cicero Inacio dos Santos, integrante do time de Autores de NOVA ESCOLA, recomenda que os professores se preocupem principalmente com o acesso dos alunos a fontes seguras. “É importante deixar claro para os estudantes quais são os canais de confiança. Além disso, vale lembrar que eles podem vir a ser alterados tanto por erros humanos como por subnotificação. ”

Para o 6º e 7º anos, Cícero recomenda usar os dados disponíveis para a cidade onde moram os estudantes. “É importante trabalhar de uma forma bem visual, ajudando os alunos a identificarem os tipos de gráfico existentes e trabalhando com conceitos mais simples, como a média de casos por dia, por exemplo” (para ajudar você nessa tarefa, preparamos gráficos para você usar na aula). Para turmas de 8º e 9º ano, diz o professor, já é possível introduzir conceitos como a mediana e trazer gráficos mais complexos para os alunos interpretarem (veja o passo a passo desenvolvido pelo professor aqui).

Outra reflexão a ser feita com a turma é sobre como nascem as estatísticas. Pergunte para os jovens se eles já pararam para pensar no caminho que dados da pandemia fazem até chegar aos cidadãos? Aliás, você, professor, já parou para pensar?

É necessário contar para os alunos que tudo começa nos hospitais e no sistema de saúde, onde profissionais registram os casos confirmados e os óbitos relacionados à doença. Esses informes são consolidados pelas secretarias estaduais de Saúde e pelo Ministério da Saúde. Desta gigantesca base de dados, pesquisadores e jornalistas extraem informações que nos permitem construir gráficos e buscar respostas para a crise.  Embora a Matemática acompanhe todo esse percurso, a coleta de informações não é uma ciência exata. “Os dados não são frios, são profundamente humanos”, comenta Marcelo Soares, jornalista de dados responsável pela plataforma Lagom Data, que tem monitorado os casos de covid-19 no Brasil a partir das informações cedidas pelas secretarias de saúde das 27 unidades da federação. 

Uma das maiores dificuldades para monitorar os dados no país é a forma distinta como cada estado divulga as informações sobre a covid-19. "O Brasil é um país muito desigual, e isso se reflete nos dados", explica. “A única informação que consigo levantar em todos os municípios são os casos confirmados de covid-19 e os óbitos. Também há uma desigualdade grande de testes” (leia a entrevista na íntegra com o jornalista aqui). O Brasil adotou inicialmente uma política de aplicar testes apenas em casos graves da doença, que geralmente envolvem internação hospitalar. Sem saber exatamente quem tem o vírus, muita gente com sintomas leves ou assintomáticas não entram nos registros oficiais.  Resumindo: a taxa de letalidade, calculada como uma razão entre o número de óbitos por casos confirmados da doença, pode ser bem menor do que a realidade.

Cuidado com o emocional

A formadora de professores Lilian Bacich, especialista em metodologias ativas (leia mais aqui), diz que é preciso ter bastante cuidado com o lado socioemocional dos alunos na hora de abordar um tema tão difícil. “É algo muito sensível, porque os jovens fazem parte desses dados de alguma forma”, comenta. “Acho que, para preservar o distanciamento dos alunos, pode ser mais interessante olhar dados de outras pandemias na história  e como o impacto delas na sociedade proporcionou avanços tecnológicos e da medicina.” 



Aula ponto a ponto 

  1. Presente na BNCC, os conteúdos de Probabilidade e Estatística são fundamentais para o entendimento matemático da pandemia de covid-19.
  2. Preocupe-se em orientar os estudantes a acessarem os dados relacionados à pandemia em fontes oficiais e seguras.
  3. Trabalhe conceitos mais simples com as turmas do 6º e 7º ano, se possível relacionando-os com o local onde vivem os alunos.
  4. Gráficos mais complexos e o conceito de mediana podem ser trabalhados com as turmas do 8º e 9º ano
  5. A pandemia causada pelo coronavírus é um assunto complexo, certifique-se de prestar atenção na reação dos seus alunos e cuidar também do lado socioemocional ao abordá-lo. 

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