PARA PENSAR A PRÁTICA

Como levar a corrida pela imunização contra a covid-19 para suas aulas

Aproximar os alunos do método científico no cotidiano e fazer da escola um local de esclarecimento podem ajudar no combate à desinformação durante a busca por uma vacina para a doença

Por conta da pandemia, os tempos para o desenvolvimento de uma vacina estão sendo acelerados. Ilustração: Rafael Nunes/NOVA ESCOLA

Uma vacina pode demorar muitos anos para chegar aos postos de saúde. É necessária, em média, uma década de pesquisa, que inclui diversos testes em laboratórios, em animais e em seres humanos para que a comprovação de sua eficácia permita a fabricação e distribuição à população. Mas o cenário muda quando estamos falando do avanço de uma pandemia como a da covid-19. 

Os tempos de produção precisam ser acelerados. E o que se vê é uma corrida científica em busca de uma solução imunológica à doença, identificada em janeiro deste ano. Nem por isso o processo ocorre sem obstáculos: em 8 de setembro, os testes para uma vacina contra a covid-19 que está sendo desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela empresa AstraZeneca foram temporiamente suspensos após a reação adversa de um paciente. Quatro dias depois, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a retomada dos ensaios. 

“O que está em curso é um fato similar à chegada do homem à Lua, tal a velocidade com que pesquisadores de todo o mundo estão trabalhando”, compara Bruno Scarpellini, médico infectologista e epidemiologista, com 15 anos de experiência na prática clínica e na pesquisa nacional e internacional de doenças infecciosas, HPV, HIV e vacinologia. 

Em todo o mundo estão sendo testadas neste momento 91 vacinas na fase pré-clínica (testes em animais) e outras 37 em ensaios clínicos em humanos. Cada teste, hipótese e conclusão desse processo está amparado pelo método científico, que ocupa papel de destaque também no ensino. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) prevê como uma das competências gerais da Educação Básica que os alunos possam recorrer à abordagem própria das ciências, investigando causas e elaborando e testando hipóteses.

Auxiliar os alunos a assimilarem o método científico em suas atividades, como ocorre na corrida pela vacina, é uma importante missão dos professores em meio a tanto desconhecimento e incompreensão sobre os caminhos para se comprovar a eficácia de uma imunização.  

Para Cíntia Diógenes, mentora do Time de Autores de Ciências de NOVA ESCOLA, o “letramento científico” deve estar no cotidiano das escolas. “Onde surgem os cientistas? Eles são formados desde a Educação Infantil! É isso que faz com que haja profissionais lá na frente, trabalhando hoje em soluções para acabar com esta e outras doenças”, defende.  

Para a docente, o acesso à ciência desde cedo não pode estar baseado numa abordagem infantilizada, mas incluir os termos científicos gradualmente nas atividades do aluno. “Usar o termo ‘bichinho’ para se referir a micro-organismos, por exemplo, é um conceito errado e que pode se perpetuar e até distanciar por completo a ciência das pessoas.” 

O aluno precisa ser instigado a pensar e exercitar o método científico. No lugar de apresentar uma saída pronta para um desafio em aula, o professor pode estimular a busca de novas respostas a partir do acionamento do conhecimento prévio, de testes, de reavaliação de variáveis. “A ciência move-se o tempo inteiro, não é algo estagnado”, analisa Cíntia. “Ela não é feita de convicções ou achismos, mas de comprovação de fatos.”

Nesse sentido, a pandemia oferece oportunidades muito interessantes para a escola estimular o pensamento científico. Para Cíntia, a vantagem de se trabalhar um tema com atualização em tempo real é não precisar esperar que eles surjam nos livros didáticos. “Os fatos estão acontecendo diante dos nossos olhos. Sempre haverá um ‘agente mobilizador da aula’, que são os novos temas em torno da vacina.” 

No entanto, a discussão tão atual também traz um desafio tremendo: o professor precisa estar atualizado quase diariamente sobre a doença. Na escola onde leciona, em São Paulo (SP), a professora de Ciências Elka Waideman Martinez, integrante do Time de Autores de NOVA ESCOLA, conta que são feitas reuniões a cada duas semanas para atualizar todo o corpo docente sobre os temas mais atuais relacionados à pandemia. “As perguntas dos alunos sobre o tema, as fake news, as imprecisões chegam a todos os professores, não só aos de Ciências”, conta.

A escola como espaço de esclarecimento

Nem sempre a população compreende as dificuldades para se produzir uma vacina, e a escola pode ter um papel importante nesse esclarecimento. “Há uma impressão generalizada de que os cientistas ‘estão perdidos’, de que não sabem de nada e muita desconfiança em torno dos procedimentos”, analisa Elka. “O método científico não é resposta, é o caminho para se buscar respostas para um problema.” Em vídeo intitulado Como a Ciência Funciona, em seu canal no YouTube, o médico e pesquisador Drauzio Varella alerta para o mesmo desconhecimento: “Esse pensamento mostra o quanto a ciência não faz parte da vida das pessoas”.

Quando a escola abraça o tema para esclarecê-lo, ele pode ganhar uma função social importante. Para Cíntia, além de contextualizar o que é vacina ou métodos de prevenção à doença, como o uso de máscaras, as instituições de ensino podem estimular os estudantes a criarem campanhas para mobilizar a comunidade sobre a importância da imunização ou para esclarecer mentiras circulantes sobre a pandemia, o coronavírus ou uso de medicamentos de eficácia não comprovada. “A ideia de ação que reflita sobre a comunidade escolar vai fazer com que o aluno perceba a ciência no nosso cotidiano. Esta é uma forma de valorizá-la também”, afirma. 

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