1977-2020

Rodrigo Braga, o professor de Biologia que lutou para conscientizar sua escola do risco da pandemia

Apaixonado pela sala de aula, ele considerava ser seu papel difundir informações que salvassem vidas e fez do laboratório onde lecionava um espaço privilegiado de aprendizagem

"Ele amava mais que tudo aquele laboratório”, lembra a mulher, Elisângela. Ilustração: Marcella Tamayo/NOVA ESCOLA

Bastou o coronavírus surgir no noticiário, antes mesmo de chegar ao Brasil, e ele entrou em ação. Professor de Biologia, no dia a dia e de coração, Rodrigo Braga passou a pesquisar sobre a doença e dela falar sempre que podia: quais eram os grupos de risco e as formas de transmissão? Como se precaver e evitar o pior? “Amor, você só fala de covid-19 o tempo inteiro”, disse a viúva. Mas Rodrigo continuou: não só era diabético, hipertenso e acima do peso, o que fazia dele alvo preferencial da doença, como acreditava ser seu papel difundir informações que salvassem vidas. 

Não só passou trabalhos para os alunos sobre o vírus como, assim que a pandemia interrompeu as aulas presenciais, gravou inúmeros vídeos explicando a doença, no tom calmo e didático de sempre. Alguns ainda circulam nas redes — agora como forma de homenagem. 

Rodrigo nasceu e cresceu em Belo Horizonte, na mesma casa onde muito depois moraria com os três filhos e a mulher, Elisângela — sua vizinha desde criança, que sempre passava para papear na casa dos Braga como quem não quer nada. “Um dia você vai ser minha nora”, brincava o futuro sogro. Dito e feito. “Sempre foi extremamente estudioso, tinha uma inteligência aguda que sempre admirei”, diz a viúva. Jovem, ele pensava em ser médico. Mas logo percebeu que o que lhe interessava como profissão era, sobretudo, a Biologia. Formou-se, passou a lecionar e nunca mais deixou a sala de aula. 

“Ele passava noites inteiras planejando as aulas, elaborando as provas, com uma dedicação que você não vê sempre”, conta a Elisângela. Livros abertos sobre a mesa, gráficos e tabelas no computador, não se tratava de uma obrigação. “Amor, olha só o que eu estou inventando”, ele dizia, os olhos traindo a empolgação. “Chegava a gastar dinheiro do bolso para mandar imprimir coisas na gráfica, para comprar lâminas pro laboratório, para organizar viagens. E não reclamava. Ele amava dar aula e ver que o aluno aprendeu algo pra vida.”

Desde que a covid-19 obrigou os professores a ficarem em casa, distante dos alunos, e a se reinventarem como mestres, Rodrigo fez mais de dez cursos remotos. “Muitos deles justamente sobre como dar aulas on-line”, lembra a viúva. “Ele não ficou parado um único dia na pandemia. Trabalhou o tempo todinho.” Se os colegas professores não estavam conseguindo se adaptar, tinha todo o tempo do mundo para ajudar, explica Maria Moreira, vice-diretora da Escola Municipal Professor Wancleber Pacheco, em Contagem (MG), onde ele lecionava ciências biológicas.  

“Não me lembro de ele ter faltado um único dia ou ter chegado sequer atrasado, tamanho o comprometimento dele”, diz o amigo Marlon Souza, colega na Escola Estadual Padre Matias, onde Rodrigo ensinava Biologia para o Ensino Fundamental e Médio. “Era cristão evangélico, mas sabia separar perfeitamente o que era crença e o que era ciência. Era sindicalizado e lutava por melhorias na escola e no ensino público. Para ele, educação era coisa séria.” 

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Todas as ferramentas que desse para usar na hora de ensinar - PowerPoint, data show, internet, vídeos, saídas, laboratórios - ele usava. “Este ano, por causa da greve, os alunos só tiveram um dia de aula. O que ele fez? Gravou vídeos para ensiná-los a acessar a plataforma digital. E gravou ainda outros alertando os meninos para a importância de se prevenir da covid-19. Para ele, era sua função.” 

“O Rodrigo era daqueles professores que nunca estão satisfeitos com as possibilidades, que não se acomodam, que tentam como podem inovar”, diz Maria. Ninguém fazia tanto trabalho de campo quanto ele. “Ele explorava cada canto dessa escola e ainda saía sempre que podia com os alunos: exposições em museus, excursões para feiras de ciências, tudo. Mas, acima de tudo, ele adorava aquele laboratório.” 

O da escola nunca ficou totalmente pronto. E ele cobrava noite e dia. “Sabia que a ciência se aprende mesmo de forma concreta”, concorda a viúva. “Até ferramentas para consertar esse laboratório eu vi ele levando de casa. Era dedicação total.” 

Um de seus hobbies favoritos era, ao passar férias no sítio de seu pai em Andiroba, interior mineiro, sair com os filhos para coletar plantas e insetos que pudesse usar nas aulas de laboratório. “Ele amava mais que tudo aquele laboratório”, diz a viúva. “No meu freezer até pouco tempo ainda tinha um monte de inseto congelado. Ele estava esperando a quarentena terminar para poder finalmente mostrar os bichos pros alunos. Era uma grande expectativa.” 

A outra era o mestrado. Após anos apenas se dedicando à família, aos três filhos e à rotina de aulas — que professor de escola pública, afinal, não passou parte da vida ensinando noite e dia, mas querendo retomar os estudos —, Rodrigo finalmente ingressara no mestrado profissional em ensino de Biologia da Universidade Federal de Minas Gerais. “O texto da dissertação estava praticamente pronto”, comenta Elisângela. “Ele estava tão animado com a defesa...” 

Finalmente, quando Rodrigo recebeu o diagnóstico, já era tarde. Morreu em 28 de junho, justo com a doença que mais temia e pela qual passou dias e dias lutando contra. Mas sua mensagem não foi em vão. Ao contrário, ela foi passada em frente, até o último momento e ainda agora. “Até a despedida dele serviu como exemplo do que ele dizia para nos alertar a todos: seu ensinamento final é de que devemos levar a covid-19 a sério.”


O texto acima integra a edição especial de Nova Escola Box "Vida, saudade e legado: os educadores que partiram em 2020". Durante o mês de outubro, vamos contar a história de dez grandes educadores e funcionários que inspiraram alunos, colegas e cidades ao longo de suas vidas, interrompidas, infelizmente, pela covid-19. É nossa forma de dizer "muito obrigado" pelas lições deixadas dentro e fora de sala de aula e lembrar aos que seguem a vocação de lecionar o poder transformador da Educação para tantos brasileiros, muitos deles em luto por perdas humanas inestimáveis. 

Confira os textos que já publicamos

15/10 - “Gosto do que faço, amo meus alunos”: a paixão da professora Maria Aparecida pela escola
14/10 - Em suas aulas, Saulo Basílio guardava e transmitia a cultura do povo indígena terena
08/10 - Aguinaldo Marinho, o professor que levava a alma encantadora das ruas a seus alunos

Créditos deste Box

Reportagem: Willian Vieira
Produção: Marcelo Valadares
Edição: Miguel Martins e Pedro Annunciato

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