Entrevista

Internet para todos só se garante com união de esforços, defende coordenadora da TIC Educação

Daniela Costa, responsável pela mais importante pesquisa sobre o uso de tecnologias no ensino, diz que é preciso uma articulação mais intensa entre o poder público e as empresas para garantir conectividade dentro e fora da escola

As atividades síncronas permitem interação maior, mas também exigem mais conectividade, afirma Daniela Costa, coordenadora da pesquisa TIC Educação. Foto: Divulgação

Quem tem boa memória deve se lembrar de quando os primeiros computadores pessoais começaram a aparecer com mais força, lá pelo início dos anos 2000. A discussão era se a escola deveria ou não incorporar o computador ao ensino.

Vinte anos depois, a pergunta que angustia os educadores é como ensinar sem o uso da tecnologia. Com escolas fechadas por causa da pandemia, ficou quase impossível fazer algo sem a internet e os dispositivos de acesso. Ou tecnologia ou nada. Infelizmente, muitos estudantes ficaram no “nada”.

A pandemia expôs o problema da conectividade no Brasil. Segundo a TIC Educação 2019, a mais importante pesquisa sobre o acesso à tecnologia no país, o celular já era utilizado para acessar a internet por 98% dos alunos. Por outro lado, 39% dos alunos de escolas públicas - ou seja, quase quatro em cada dez - não possuíam nenhum desses dispositivos em casa (tablet, notebook ou computador de mesa). Em cidades como Coruripe (AL), cujo trabalho você conhece nesta Caixa, foi preciso um enorme esforço da comunidade para suprir a falta que esses equipamentos fazem nas casas.

A boa notícia é que o isolamento social pode ser uma importante alavanca para a inclusão da população no ambiente digital - isso se houver uma articulação eficiente entre o poder público e os provedores de internet. Essa é a tendência apontada por Daniela Costa, coordenadora da TIC Educação. No Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), departamento ligado ao Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto Br (Nic.br), órgão que executa as decisões tomadas pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, Daniela coordena a realização da pesquisa TIC Educação.

Professora de formação com passagens pela Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio ao longo de 7 anos de magistério, Daniela aceitou o convite de NOVA ESCOLA para realizar uma análise do atual momento.

NOVA ESCOLA: Nos últimos anos, as políticas de educação dedicaram-se a equipar as escolas com computadores e acesso à internet. Mas, agora, com a necessidade de acesso de casa, as ações públicas podem ser redirecionadas no sentido de garantir infraestrutura diretamente aos alunos, e não mais às escolas?

DANIELA COSTA: Durante a pandemia, as redes de ensino perceberam que era necessário olhar para o aluno nas políticas de conectividade, tanto quanto para a escola, uma vez que a Educação se estendeu para os domicílios. As redes [públicas] já sinalizam a existência de um período de transição mais longo entre as práticas pedagógicas realizadas antes da pandemia e a readaptação a uma educação que leve em conta as medidas de segurança em saúde, mesclando períodos de ensino presencial e remoto.

As estratégias adotadas pelas redes durante ao longo da pandemia, de conexão por meio de subsídio, aplicativos e serviços específicos ou oferta de chips de celular, podem vir a ser políticas mais duradouras para suprir as desigualdades de acesso, especialmente para alunos em condição de vulnerabilidade. Porém, talvez se veja a adoção de políticas híbridas, que proporcionem tanto conectividade mínima para a escola quanto para os alunos, de forma que a instituição de ensino seja um ponto focal de uso desses recursos na comunidade. No entanto, os alunos precisarão ter dispositivos que permitam a conexão à infraestrutura escolar ou à infraestrutura de outros espaços, como centros públicos de acesso.

Seja como for, um dos aspectos-chave para a efetividade desse processo está na articulação entre as redes de ensino e as instituições provedoras de acesso, especialmente aquelas que atuam regionalmente.

Ainda segundo a TIC Educação 2019, 79% das escolas já possuíam em 2019 um perfil ou página em redes sociais (73% entre as públicas e 94% entre as particulares). De que forma esse fato apoiou o contato da escola com os alunos e a família ao longo da pandemia?

Os dados de 2019 mostram que, em 54% das escolas públicas urbanas e 79% das escolas particulares urbanas que possuíam perfis em redes sociais, as famílias já faziam uso destes espaços para interagir com a escola. Com a ocorrência da pandemia, esses recursos tornaram-se uma das principais estratégias de contato, com a criação de grupos para as turmas para envio e recepção de tarefas, encaminhamento de avisos, resolução de dúvidas etc. Algumas redes sociais tornaram-se também espaços para a realização de lives e compartilhamento de videoaulas. Esse uso das redes sociais está associado também ao uso intenso do telefone celular, que, em alguns casos, é o único dispositivo disponível para acessar a internet e realizar as atividades.

As plataformas voltadas para o ensino a distância estavam presentes em apenas 14% das escolas públicas urbanas e 64% das particulares urbanas. Com o fechamento das escolas, as plataformas ganharam enorme importância. De que forma essas ferramentas alteraram os métodos de aprendizagem?

A pandemia, de certa forma, fez com que muitos educadores que possuíam acesso às tecnologias descobrissem aplicativos, serviços e plataformas digitais, e a potencialidade de seu uso no ensino. Esse pode ter sido um ganho para os professores e os alunos, que se sentirão mais estimulados a diversificar as estratégias didáticas utilizadas, mesmo depois da volta ao ensino presencial.

Um aprendizado desse período é que, independentemente da plataforma escolhida, as atividades não poderiam apenas ser transpostas do off-line para o meio digital, que os alunos não conseguiriam permanecer atentos às atividades por longos períodos de tempo e que era necessário adaptar os métodos de ensino não ao conteúdo que se queria transmitir, mas às características dos alunos a quem se desejava atender. Ficou claro para todos, mais do que nunca, que o processo de ensino e aprendizado se efetiva com a participação ativa dos alunos.

E com relação às plataformas síncronas e assíncronas, qual o impacto mais significativo dentro do ensino remoto?

O uso de plataformas ou a transmissão de conteúdos por meio de estratégias síncronas está condicionado a alguns aspectos, como a capacidade de conexão à internet por alunos e professores, a idade dos estudantes e o conteúdo curricular trabalhado, entre outros. As atividades síncronas permitem interação maior, mas também exigem mais conectividade. Em termos de conectividade, um documento elaborado pela Cepal [Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe] afirma que, considerando um uso simultâneo de atividades educacionais por videoconferência e de teletrabalho, a conexão à internet da casa deveria ser de no mínimo 25 Mbps. Porém, segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2019, que também é produzida pelo Cetic, só 15% dos domicílios contavam com uma conexão superior a 21 Mbps.

Ainda sobre o uso das plataformas digitais, é possível inferir que a próxima edição da pesquisa vai trazer uma grande mudança. Sua equipe pretende incluir mais perguntas a respeito delas?

A TIC Educação completou dez anos em 2020, com o lançamento dos dados coletados em 2019. A intenção já era realmente fazer alterações nos questionários para compreender o uso desses recursos, especialmente a partir da realização de contratos pelas redes de ensino com as plataformas para a adoção delas nas escolas públicas, de forma massiva. Com a pandemia e a observação do crescimento no uso não apenas de plataformas, como de redes sociais e aplicativos, a coleta de dados da pesquisa em 2020 já contou com diversas outras perguntas que pretendem compreender as atividades realizadas. Queremos saber, por exemplo, o uso que se faz dessas plataformas na relação escola-família e alunos-professores, no desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem e na relação da escola com a sociedade, assim como compreender como se dá a produção e o tratamento de dados da instituição, dos professores e dos alunos nesses ambientes.

Que outras mudanças os dados coletados para a TIC Educação 2020 devem mostrar?

Além da inserção de novos indicadores sobre o uso mais intenso dos aplicativos, das redes e das plataformas, a edição de 2020 contará com um módulo específico sobre a pandemia, em termos de ações implementadas pelas redes de ensino e pelas escolas individualmente. Há também um reposicionamento do ponto de vista dos indicadores, de forma a enfatizar mais o desenvolvimento de atividades pedagógicas não apenas no ambiente escolar, mas em outros espaços. Esse paradigma de abertura da educação enquanto um processo que pode ocorrer de forma distribuída é um aspecto que deve ser acompanhado pela pesquisa durante a sua série histórica.

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