Educação de Jovens e Adultos (EJA): WhatsApp como ferramenta de afeto
Um atendimento individualizado - e persistente - foi o caminho encontrado pela professora Renata Gibelli para se manter próxima dos alunos e ajudar a combater a evasão
Como manter vínculos, no contexto do ensino remoto emergencial, na Educação de Jovens e Adultos (EJA), etapa na qual sabemos que o incentivo do professor é ainda mais fundamental para manter o engajamento dos estudantes?
“Atender e conversar individualmente com os estudantes por meio de seus números privados de WhatsApp foi a forma que encontramos para conseguir escutar e compreender um pouco melhor a diversidade de realidades que estão vivenciando”, conta a professora Renata Gibelli.
Ponto a ponto: WhatsApp na EJA
- Atender e conversar com os alunos individualmente, pelo WhatsApp, foi a estratégia usada durante a pandemia.
- Para combater a evasão, a professora faz busca ativa pelos alunos em diferentes horários e insiste, mandando mensagem quantas vezes for necessário
- As mensagens de áudio aproximam, ajudam a matar a saudade e a discutir problemas e desafios.
- A professora diversificou as estratégias e contou com o apoio da coordenação pedagógica da escola.
Ela assumiu em 2018 as aulas de História no CIEJA Professor Francisco Hernani Alverne Facundo Leite, em Interlagos, na capital paulista. Sua relação com a Educação de Jovens e Adultos, porém, é mais antiga: desde 2012 trabalha com projetos de incentivo à leitura literária.
Renata sabe que a evasão escolar ronda as salas da EJA. Por isso, a saída tem sido buscar os alunos em diferentes horários, e insistindo, mandando mensagem quantas vezes for necessário. “Quando o aluno para de interagir nas aulas síncronas ele acredita que já perdeu o ano e que não há mais nada o que fazer para seguir com os estudos. Quando buscamos esse aluno no particular e apresentamos outras possibilidades, algumas vezes ele aceita seguir por meio de uma outra proposta”, afirma.
As conversas, principalmente via áudios no WhatsApp, promovem a oportunidade de escuta e compartilhamento de problemas e desafios.
“Saber como estão, perguntar da família e compreender como está a rotina de trabalho, que muitas vezes mudou, foi um caminho para manter o vínculo e conseguir pensar em estratégias de aprendizagem que contemplem cada realidade”, afirma Renata. “Cheguei a mandar áudio para uma aluna, com explicações sobre um tema que estávamos discutindo na semana, e ela me respondeu com “nossa, professora, que bom ouvir sua voz”. Nessa hora percebi que o contato afetivo entre nós duas estava sendo mais relevante do que o tema que precisaria ser desenvolvido”, conta.
Não há fórmula, há escuta e compreensão. Segundo Renata, não foi possível trabalhar com um único formato de aula. Alguns alunos são atendidos de maneira síncrona. Para outros - como aqueles que têm dificuldade para a leitura no celular - as atividades são impressas e retiradas nas escola.
Em outros casos, há atendimento fora do horário. Para aqueles que ficaram um tempo sem conseguir acompanhar as aulas on-line, são feitos compilados das atividades trabalhadas para que ele retome os pontos principais.
Como resume Renata, a chave foi pensar em estratégias diversas para conseguir atender ao maior número de estudantes: “foi esse o caminho para demonstrar afeto, para mostrar o quanto nos importamos com cada um e o quanto queremos que eles continuem conosco. Temos um formato de trabalho instituído, mas o flexibilizamos para alcançar o maior número de estudantes”.
O compartilhamento de experiências não se resume à relação entre professor e aluno, toda a escola está envolvida. Renata explica que conta também com os colegas e com a gestão da escola para fazer tudo funcionar. O diálogo precisa ser constante e em todas as direções.
“Quando um aluno deixa de participar da minha aula ou não responde minhas mensagens, pergunto se o mesmo está acontecendo na aula de outro professor”.
Segundo Renata, às vezes um aluno só consegue estudar de maneira síncrona em um determinado dia da semana, então ele só dialoga com um professor. Ou ainda, há casos em que um aluno tem mais segurança e afinidade com um professor e só compartilha seus desafios com ele.
“Quando um aluno evade das aulas remotas, sempre trazemos o caso para reunião pedagógica para saber se algum professor tem notícias e pensamos juntos em estratégias”, afirma.
Na escola em que Renata atua, a gestão escolar também tem um papel fundamental, pois é ela quem levanta e disponibiliza o contato dos alunos e tem acompanhado de perto o trabalho dos professores, o que, para Renata, dá mais segurança. “A coordenadora pedagógica busca agendar chamadas de vídeo, fazer atendimentos telefônicos ou, em alguns casos, atendimento presencial para acompanhar a aprendizagem, inclusive com aqueles que fizeram matrícula durante a pandemia”.
Os alunos recém-chegados não têm vínculo nenhum com os colegas e professores, então a coordenação pedagógica cuida e acompanha a apresentação e familiarização desse novo aluno com o grupo e com o ensino remoto.
Claro que nem sempre a busca pelos alunos que evadem dá certo. “É preciso também aceitar que nem tudo está ao nosso alcance e respeitar o tempo de cada estudante”, afirma Renata. Então, quem cuida de quem está cuidando?
“Arrisco dizer que esse papel foi e continua sendo exercido pelos estudantes”, avalia. Para ela, o agradecimento pela flexibilização das formas de atendimento, pelo incentivo para que continuem vinculados à escola, pela atenção dedicada “é a melhor forma de dar significado ao trabalho que estamos fazendo”.
Essas devolutivas chegam também por áudios do WhatsApp. “Até mesmo um “obrigado pela aula de hoje” faz a gente sentir que de alguma forma está dando certo, mesmo nesse cenário e nessas condições onde parece que tudo está estruturado para dar errado”.
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