Para repensar a prática

Por que usar games para ensinar Matemática

Jogos eletrônicos despertam o interesse da turma e podem ser usados como pano de fundo para aprender conceitos da disciplina, além de desenvolver habilidades como a cooperação

Ilustração de aluna e professora jogando video game juntas.
Ilustração: Nathália Takeyama/NOVA ESCOLA

“Como fazer o aluno ficar sentado em frente ao computador para assistir a uma aula on-line?” Essa foi a pergunta que pais e professores se fizeram com o início das atividades remotas por causa da pandemia do novo coronavírus. Em muitas casas, aliás, o acesso à internet, quando existe, fica restrito ao uso do celular, o que torna a aula ainda mais difícil de acompanhar. 

Uma das soluções para esse desafio é mais simples do que se pensa. Basta imaginar a garotada jogando um game: os olhos ficam fixos na tela, observando a lógica de cada ação, a sede de vencer cada etapa é insaciável e o tempo passa tão rápido quanto as fases do jogo. O game over (quando o jogo termina, tendo o jogador vencido ou não), errar, retroceder fases... nada disso é problema, pois a graça está em tentar de novo até se superar e vencer. 

Por que não usar, então, essa dinâmica para potencializar as aulas de Matemática? 

“Os jogos eletrônicos podem ser incluídos no planejamento como uma das atividades a serem realizadas pela turma, tal como a estratégia da gamificação. “Essa é uma metodologia em que se lança mão de elementos dos jogos, como a superação de etapas, a disputa por equipes e a estrutura por pontos para engajar os estudantes, que, por sua vez, são ativos no processo de aprendizagem”, diz Rafael Ferreira da Costa Leite, mestre em Matemática pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e membro da Escola de Formação do Professor Carioca Paulo Freire, no Rio de Janeiro. 

De acordo com Leandro Mendonça do Nascimento, professor de Matemática na Escola Profa. Dulce Trindade Braga, em Duque de Caxias (RJ), e Escola Prefeito Juarez Antunes, no Rio de Janeiro (RJ), e doutorando em Informática na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os jogos eletrônicos podem ser usados de forma síncrona, durante o encontro virtual com os alunos, ou assíncrona, quando cada um estuda em casa, sozinho, ou quando os estudantes  se organizam entre eles para jogarem no horário que for melhor. Em tempos de aulas a distância, por causa da covid-19, essa é mais do que uma boa notícia, não?

Leandro trabalha com jogos eletrônicos no Ensino Fundamental 2 desde 2016, quando começou a fazer os próprios games usando Geogebra (software gratuito de Geometria) e plataformas virtuais voltadas especificamente para tal (saiba mais sobre o trabalho dele aqui). 

“Os alunos são nativos digitais, então, nada mais lógico do que explorar esse universo em prol da educação. Mesmo quem não tem tanta familiaridade com o ambiente dos jogos pode aprender com os colegas”, explica Leandro.   

O que diz a BNCC

Os games são itens bem-vindos para desenvolver a cultura digital, uma das competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e muito essencial na atualidade. E ao colocar a estratégia da gamificação em cena é possível explorar praticamente todas as habilidades da Base (confira uma proposta de atividade). 

Mas não é somente a BNCC que endossa o trabalho com jogos eletrônicos se pensarmos no que eles proporcionam. O psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934) já defendia a importância de se considerar que cada pessoa tem conhecimentos diferentes e aprende de formas diversas e que, por isso, o educador deve ter estratégias para atender a essa variedade de perfis (A Formação Social da Mente, Ed. Martins Fontes). Somado a isso, o uso dos jogos eletrônicos é uma forma de lançar mão da afetividade, conceito já disseminado no passado pelo educador francês Henri Wallon (1879-1962). “A matemática ainda é vista como algo difícil e muitas vezes chato, cansativo. Ao inserir esse conhecimento em um contexto que é afetivo ao aluno, ou seja, que atrai a atenção dele, esses saberes ganham outro sentido”, diz Rafael.

Vale lembrar que ao usar jogos eletrônicos em atividades, o foco não pode ser a competição entre os estudantes. O que se espera é o estímulo à cooperação e a superação de desafios. Nesse sentido, se a turma for organizada em grupos mais fortes e outros menos, pode acontecer de aqueles que avançam mais lentamente se sentirem desmotivados. O ideal é pensar sempre em grupos heterogêneos, para que o processo seja prazeroso e faça sentido para todos. 

Aprendizado e avaliação constantes 

Uma grande vantagem do uso de games é que em muitos sites e aplicativos o educador consegue acompanhar cada estudante, quem tentou jogar mais de uma vez, onde cada um apresenta mais dificuldades, quem demorou mais... E assim, planejar aulas para suprir as necessidades de todos. É a personalização do ensino em cena. 

A avaliação, por sua vez, acontece de forma contínua, pois os alunos conseguem ver na hora do jogo mesmo onde estão errando e têm a possibilidade de, depois de novos momentos de aprendizado, testar seus conhecimentos novamente. Por isso, o planejamento sempre deve contemplar momentos de explicação, contextualização e aplicação dos saberes.

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