ENSINO REMOTO

Avaliação na pandemia: saiba o que deu certo (ou não) em 2020 e como avançar

Saiba mais sobre como educadores trabalharam com a avaliação dos alunos no ano passado e novas ideias para colocar em prática em 2021

Ilustração feita a partir de colagens de aviões de papel voando ao redor de uma lixeira. Dentro dela, algumas folhas de papel amassadas são vistas.
Ilustração: Rafaela Pascotto/NOVA ESCOLA

O que você avaliou (ou deixou de avaliar) nas suas aulas no último ano? Com a chegada do segundo semestre de 2021, alunos, professores e comunidade escolar sentem os desafios inerentes às bruscas mudanças das práticas educacionais na pandemia, impulsionadas pela suspensão das aulas presenciais, as incertezas da covid-19 e pelo ensino remoto emergencial. A avaliação, como outros aspectos da vida escolar, não ficou de fora.  

Para Mario Fioranelli Neto, coordenador pedagógico do Fundamental 2 do Centro Educacional Pioneiro, em São Paulo (SP), as habilidades passaram a ter maior relevância no processo avaliativo, pois foram mais enfatizadas no desenvolvimento da aprendizagem. Assim, modelos anteriores foram adaptados ao remoto para que não houvesse uma grande ruptura, mas, na prática avaliativa, cotidiana e processual, propostas em grupos, entregas de podcasts, vídeos, sites e apresentações foram incorporados ao processo de aprendizagem e, por consequência, avaliativo. 

PONTO DE ATENÇÃO: Mais do que aplicar ao longo do bimestre pequenas avaliações somativas, a avaliação processual busca informações ao longo do processo de ensino e aprendizagem para que o professor possa modificar estratégias de ensino e interferir individualmente no aprendizado dos alunos, utilizando a avaliação para a promoção da aprendizagem. Desta forma, o aluno torna-se mais consciente e ativo em seu processo de aprendizagem, promovendo melhores resultados.

“Nesse cenário, os conteúdos estavam ali presentes, mas as habilidades, tão explícitas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ganharam força e foram incorporadas à prática escolar, presencial e remota”, afirma o educador.

Renata Capovilla, cofundadora da Íntegra Educacional, concorda. Segundo a educadora, o que deve ser avaliado é a habilidade desenvolvida. “O professor não pode perder o foco da habilidade, pois isso é que vai nortear o trabalho e garantir que os objetivos sejam atingidos”, afirma. 

Na visão de Renata, para que o professor desenvolva uma avaliação mais eficiente e integral, é fundamental que ele “comece pelo fim”, tendo muita clareza de quais são as habilidades que ele espera que sejam desenvolvidas e, a partir daí, pensar como os resultados serão avaliados. As estratégias são diversas, incluindo quiz, questões abertas, jogos ou portfólio.

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Como usar os principais métodos avaliativos no ensino remoto? 

Como usar rubricas

É uma forma de avaliar bastante adaptável à realidade atual, pois é processual e dialoga muito com as habilidades, pois possibilita avaliar o nível de aprendizagem dentro de cada habilidade ou etapa, o que contribui com propostas em grupos (ou individuais), organizadas por momentos (etapas).

Como usar questionários

O questionário pode ser utilizado para uma avaliação instantânea, logo após algum assunto ter sido trabalhado, por exemplo. Ou, pode compor parte de uma avaliação processual, como uma das etapas objetivas de avaliação.

Como usar portfólios

A escolha do instrumento avaliativo diz muito sobre a caminhada de aprendizagem proposta. O portfólio permite um trabalho processual, de mediação tanto coletiva quanto personalizada do docente e também uma autorreflexão constante da aluna ou do aluno sobre sua produção e desenvolvimento. Desloca o eixo de centralidade da proposta do docente para o estudante.

Como usar a autoavaliação

Flexível e possível de ser utilizada em qualquer etapa da atividade proposta (início, final etc.), a autoavaliação colabora com o desenvolvimento da percepção do aluno sobre si e sobre sua ação em prol da aprendizagem. 


Como analisar (com empatia) o que o aluno produziu na quarentena 

Além de levar em conta a entrega das atividades realizadas, é importante analisar a produção do aluno, de modo a identificar se ele está, ou não, conseguindo atingir os objetivos propostos em cada uma dessas atividades.

Nessa perspectiva, os professores podem elaborar critérios de avaliação específicos (para cada disciplina) ou gerais (envolvendo vários professores da turma, por exemplo, em uma atividade interdisciplinar), sugere Cláudia Oliveira Pimenta, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, professora da rede estadual de São Paulo e membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Avaliação Educacional (Gepave) da FE-USP.

Para Cláudia, é fundamental fornecer devolutivas aos estudantes que evidenciem o que eles conseguiram aprender e o que precisa ser melhorado. É importante também adotar a autoavaliação a partir das devolutivas fornecidas pelos professores, com o aluno expondo dificuldades. Assim, os professores podem traçar caminhos mais assertivos para auxiliá-los em sua aprendizagem.

“As devolutivas são necessárias sempre e, no contexto da pandemia, elas se configuram como uma das formas de manter os alunos em contato com a escola e com os docentes, pois o aluno percebe que aquilo que produz está sendo visto, considerado e avaliado”, afirma Cláudia.

É fundamental, ainda, que os próprios alunos tenham nitidez do que é esperado deles. O professor de Ciências do Fundamental 2, mestre em Educação e consultor de NOVA ESCOLA Rodrigo Padilha explica que avaliações descontextualizadas e que não promovem o desenvolvimento do aluno podem deixar marcas no processo de aprendizagem que serão carregadas durante a vida adulta.

“Levantar o contexto que o grupo está inserido, promovendo uma aproximação com a realidade dos alunos, é essencial” afirma Rodrigo. “Olhar para o seu grupo e entender as diferentes necessidades é fundamental neste momento. É preciso entender o que o aluno alcançou pensando de onde ele partiu e como ele partiu”, explica. Não se trata, claro, de deixar os conteúdos de lado, mas sim, de priorizar os diferentes aprendizados do aluno diante da atual situação. “É verdade que algumas expectativas esperadas nas diferentes séries e disciplinas podem não ter sido alcançadas, mas precisamos abrir o campo de visão e ver quais outras situações foram aprendidas para fazer uma avaliação coerente com o momento. O professor precisa exercer papel ativo e investigativo. A avaliação é uma via de mão dupla que promove situações de aprendizado para professor e aluno”, conclui Rodrigo.

No atual contexto, o volume de atividades avaliativas também deve ser observado. Cláudia, do Gepave, defende que “menos é mais neste momento”. Em vez de demandar inúmeras atividades aos estudantes, pode ser mais frutífero que os professores realizem projetos interdisciplinares, com atividades que contemplem habilidades essenciais dos currículos de cada escola e, ao mesmo tempo, sejam significativas e substanciais para os estudantes. Esse tipo de projeto ainda proporciona um trabalho coletivo dos professores, tanto para formular as atividades quanto para pensar critérios de avaliação condizentes a elas.

Mas, afinal, o que deu certo na hora de avaliar no ensino remoto? Para Renata, da Íntegra Educacional, de modo geral, as tentativas de simplesmente transpor para o on-line métodos utilizados no ensino presencial naufragaram. Por outro lado, ganharam força todas as iniciativas de colocar o aluno como protagonista de seu próprio desenvolvimento. “Não temos uma cultura de autonomia, então isso tem de ser ensinado de forma gradativa. Agora, vemos que as experiências que deram certo foram aquelas processuais, com base em rubricas, quando o aluno sabia o que estava sendo avaliado. Esse protagonismo deu certo e deve ser levado para quando as aulas presenciais retornarem”, afirma.

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Avaliação na pandemia: o que deu certo em 2020 e o que poderia melhorar em 2021 

Com base em suas experiências profissionais, Rodrigo e Mário listaram para NOVA ESCOLA o que deu certo e o que não deu na hora de avaliar estudantes do Fundamental 2 ao longo de mais de um ano de pandemia.


DEU CERTO

Por Mario Fioranelli Neto, coordenador pedagógico do Fundamental do Centro Educacional Pioneiro

1. Autoavaliação de projetos interdisciplinares

Tanto nos 6os anos quanto nos 7os anos, as turmas desenvolveram um projeto interdisciplinar em 2020. Pegando o projeto dos 6os anos como exemplo, as turmas foram desafiadas pelas professoras e professores de arte, geografia, história e música a pensarem sobre o tema “A invenção da tradição”, a partir da pesquisa e reflexão sobre o bairro da Liberdade, no Centro de São Paulo. 

Além de terem de apresentar suas conclusões para a turma, cada grupo e cada aluna e aluno foram desafiados a pensar sobre sua caminhada de aprendizagem, fazendo uma autoavaliação coletiva e individual. Seu resultado foi debatido pela equipe de professoras e professores e, posteriormente, com cada grupo, para fechamento do projeto. Foi um movimento que fez bastante sentido, para a reflexão da experiência de aprendizagem e a oportunidade de cada uma e cada um se ver, de fato, protagonista da sua caminhada.

2. Produção de podcast

Os 7os anos desenvolveram um trabalho interdisciplinar em grupo com o tema “Mulheres nas regiões do Brasil”. Cada grupo ficou responsável por pesquisar sobre uma mulher com relevância social em sua região e produzir um podcast, que demonstrou ser um processo avaliativo interessante, pois, além das habilidades envolvidas para o planejamento do conteúdo do podcast, precisaram também aprender ou aperfeiçoar suas habilidades e conhecimentos sobre técnicas de gravação e edição de podcast.

3. Aplicação de avaliações mediadas a distância

Em determinado momento de 2020, sentimos as turmas cansadas e a entrega de atividades que ficavam disponíveis na plataforma digital caiu significativamente, mesmo deixando alguns dias para sua execução. A opção encontrada pela equipe docente foi trazer essas atividades para dentro das aulas ao vivo e dar esse espaço para que as alunas e os alunos pudessem desenvolvê-las com a mediação docente. O resultado foi bastante positivo, pois aumenta o engajamento das turmas e o resultado final demonstrou que a decisão foi acertada.

4. Experiências científicas e análise de resultados

As turmas também foram desafiadas em Ciências a elaborar experiências científicas em casa, a partir de materiais do cotidiano doméstico. As turmas do 9º ano fizeram um projeto denominado “Ciência na cozinha”, onde fizeram pesquisas sobre conhecimentos biológicos, físicos e/ou químicos associados ao cozinhar, que também possibilitou experimentos reais e culminou em uma apresentação à comunidade escolar dos resultados obtidos.


DEU CERTO 

Por Rodrigo Padilha, professor de Ciências do Fundamental 2, mestre em Educação e consultor de NOVA ESCOLA 

1. Uso do TikTok para o desenvolvimento de conteúdos de genética com o 9º ano

Os alunos tiveram de seguir um planejamento com diferentes etapas envolvendo o objeto de estudo, o objetivo da atividade, os conteúdos abordados, a coerência na produção do conteúdo em vídeo e as fontes de pesquisa. Eles receberam os critérios de avaliação e os indicadores de desempenho através de uma rubrica compartilhada no início da atividade. Ao final da atividade (apresentação do vídeo), eles foram avaliados com o uso da rubrica e tiveram um momento de reflexão (autoavaliação) sobre os critérios alcançados e os que eles precisavam melhorar.

2. Criação de memes com o 7º ano sobre mudanças climáticas

Planejamento dos alunos seguindo o modelo proposto, apresentação e discussão da rubrica avaliativa com o grupo, desenvolvimento e acompanhamento durante a produção (meme generator free), envolvendo sugestões e correções (avaliação formativa), socialização com o grupo de alunos e avaliação somativa utilizando os critérios e níveis de desempenho propostos na rubrica.

3. Projeto “Um dia de professor” com o 6º ano sobre a unidade geral Terra e Universo

Divisão dos grupos e escolha dos diferentes temas da unidade. Pesquisa e preenchimento do planejamento guiado com objeto de estudo, objetivo, escolha e justificativa da plataforma de apresentação pelo grupo, conteúdos abordados, desenvolvimento de um quiz, sequência da “aula” proposta e aplicada pelo grupo e fontes de pesquisa. Apresentação e discussão da rubrica avaliativa com o grupo, desenvolvimento e acompanhamento durante a produção. Apresentações dos grupos e aplicação do quiz proposto (avaliação das perguntas proposta pelos alunos). Avaliação somativa utilizando os critérios da rubrica.

4. Criação de uma animação sobre eletromagnetismo feita com os alunos do 8º ano

Divisão dos grupos, apresentação dos critérios de avaliação, conhecimento da ferramenta on-line FlipaClip, desenvolvimento da atividade pelos alunos, acompanhamento e devolutiva durante a produção (avaliação formativa), socialização, avaliação somativa e autoavaliação.


PODERIA MELHORAR 

A seguir, os educadores compartilham experiências de avaliação em 2020 que não foram tão bem-sucedidas.

Mario Fioranelli Neto, coordenador pedagógico do Fundamental 2 do Centro Educacional Pioneiro

1. Avaliações com longo prazo para entregar

Esse tipo de avaliação teve baixa eficiência, pois as turmas começaram a se perder em sua organização e também demonstraram cansaço na hora de executar essas atividades, que começaram a se acumular. Com isso, o processo de avaliação ficou comprometido, pois, independentemente do instrumento avaliativo, a proposta nem sequer chegou a ser feita pelas turmas.

2. Avaliações com questões prontas de banco de dados (vestibulares, por exemplo)

Pela própria facilidade de acesso à consulta pela internet, esse tipo de avaliação ficou comprometido, pois não exigiu reflexão das alunas e dos alunos no momento de respondê-las.

3. Avaliações que envolviam o envio de fotografia

Como, por exemplo, algumas atividades de álgebra ou geometria, que exigiam que o estudante elaborasse a questão em uma folha de caderno e depois enviasse um arquivo (foto) do resultado. Para muitas alunas e alunos, esse processo que às vezes exigia converter várias fotos em um único arquivo antes de anexar, dificultava tanto o processo, que acabavam por não enviar os resultados, mesmo que feitos.

4. Avaliações que envolviam apresentações e aparecer para a turma foram desafiadoras para algumas alunas e alunos

Além da questão tecnológica, que foi um desafio para alguns, muitas e muitos estavam (e estão) com o emocional abalado e os sentimentos confusos, tornando a exposição em grupo um grande desafio.


PODERIA MELHORAR 

Rodrigo Padilha, professor de Ciências do Fundamental 2, mestre em Educação e consultor de NOVA ESCOLA

1. Prova on-line com a utilização e modificação de perguntas retiradas de bancos de questões

Mesmo com a adaptação das questões na adequação da linguagem, ano-série e modificação de conteúdos para evitar uma pesquisa na internet, os alunos trocaram informações por WhatsApp, muitas respostas eram idênticas.

2. Utilização do Canva para a produção de um cartaz online com o 7º ano

A ferramenta era boa, mas apesar do compartilhamento dos critérios de avaliação (uso de imagens, escrita objetiva, itens chamativos presentes no cartaz, uso de tabelas)  faltou uma instrução detalhada e um tempo de conhecimento e adaptação dos alunos com a ferramenta. Os trabalhos não apresentaram uma boa qualidade.

3. Prova online com o 6º ano com perguntas discursivas e objetivas

Os alunos tiveram dificuldade na utilização da ferramenta (formulário on-line) e a quantidade de perguntas foi excessiva. Aliado a ausência do professor (apoio e confiança), a falta de autonomia característica da idade e a dificuldade de digitação (acentuação, ortografia, coerência, coesão), os resultados não foram positivos.

Divisória

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