Como trabalhar a Consciência Negra na formação docente?
A formação é fundamental para avançar no combate ao racismo na escola e nos currículos. Conheça uma experiência e confira dicas
Já faz parte do calendário anual das escolas de Paraisópolis: todo mês de novembro acontece a FeirÁfrica, evento de formação de professores organizado pelas escolas da região em parceria com a UniCEU, universidade localizada no CEU Paraisópolis, em São Paulo. O evento começou há quatro anos, reunindo professores das unidades escolares que funcionam no local: uma EMEF, uma EMEI e um CEI, além da UniCEI. "Em todos os lugares onde trabalhei sempre dediquei atenção às questões raciais e, aqui, reunimos um pequeno grupo que deu início ao trabalho", conta Rosana de Souza, coordenadora da UniCEU e uma das criadoras do evento, ao lado de Eliana da Cruz, gestora do CEU, e Selma da Silva Jesus, funcionária de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) da região.
Da unidade do CEU, o evento foi crescendo. Hoje, participam desse mesmo evento professores de diversas escolas localizadas na comunidade de Paraisópolis. Além disso, a Diretoria Regional de Ensino (DRE) passou a apoiar o projeto e a ampliá-lo: em 2019, os oito CEUs da região de Campo Limpo realizaram seus eventos de acordo com o próprio planejamento, e o grupo também organizou um curso sobre história e cultura africana e afro-brasileira para professores da região, o que dará pontos para o avanço na carreira na rede.
Investir em conquistar os professores e formá-los é fundamental para garantir avanços no combate ao racismo na escola e nos currículos. "Ainda é possível ver muita resistência entre alguns educadores, que afirmam que não é importante discutir esse tema", destaca Juliano Sobrinho, professor da Escola Lourenço Castanho e doutor em História pela USP. Rosana conta que essa resistência tem sido revertida por causa do evento. Apesar dos avanços, tratar de temas ligados a afrobrasilidades ainda é um desafio. Vencer as resistências requer esforço diário, que é liderado principalmente por educadores negros, que sentem na pele os impactos de uma Educação que não valoriza a diversidade e as heranças africanas na história brasileira. "Vamos conquistando cada vez mais parceiros, negros ou não, que nos ajudam a defender a importância desses temas", diz Rosana.
Inspire-se: 5 dicas para trabalhar a afrobrasilidade na formação
- Consciência Negra o ano todo
Estudar e refletir sobre a temática racial é algo que deve ser feito o ano todo - e não pontualmente ou apenas em novembro, mês da Consciência Negra. O grupo de educadores responsável pela organização da FeirÁfrica, por exemplo, discute os temas ao longo do ano e aproveita o evento também para compartilhar essas ações e discussões. "Não se trata só do evento, mas a formação é realizada todo o ano, com visitas a exposições, discussões e outras propostas", explica Rosana. - Além do pedagógico
Além das questões pedagógicas, cabe também reflexões sobre a cultura e a condição da população negra no Brasil, no estado e no município/região em que a escola está inserida. Na FeirÁfrica de 2019, discutiu-se, por exemplo, o genocídio da juventude negra, com palestrantes indicados pelos próprios professores. - Todos juntos
Dentro da escola, construa uma rede de aliados que acreditam na importância do tema e se engajam nas iniciativas de formação e em projetos. Abra o grupo e convide os demais professores a se juntarem às iniciativas. O apoio de coordenadores pedagógicos e diretores também é fundamental para valorizar o trabalho feito com o tema e incentivar o restante do corpo docente.
- Contra o preconceito
Tente desfazer confusões e preconceitos que possam existir, associando a cultura afrobrasileira exclusivamente às religiões de matriz africana e também a própria discriminação contra esses credos, que devem ser respeitados como os demais. - É a lei
A lei 10639/2003 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e tornou obrigatória a abordagem da história e da cultura afrobrasileira nas escolas. Assim, além de ser um dever ético, é ilegal deixar de incluir a diversidade de povos e culturas em suas práticas como educador.
*Reportagem: Wellington Soares
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