Retomada presencial

Barreiras na volta às aulas: obstáculos que podem atrapalhar a aprendizagem em 2021

Pandemia ainda longe do fim, situação vacinal instável, sobrecarga de trabalho docente e saúde mental são entraves. Conheça sugestões para lidar com elas no retorno ao presencial

Animação criada a partir de fotomontagem comparando as expectativas e a realidade de aluno no período de ensino remoto.
Créditos: Duda Oliva/NOVA ESCOLA, Artem Podrez e Jeswin Thomas/Pexels, Annie spratt e Emily wade/Unsplash e Pixabay

Defasagem na aprendizagem, turmas heterogêneas, saúde mental, medo de pegar covid e sobrecarga de trabalho: misturadas com a esperança e a alegria de retornar à escola, novas e velhas barreiras apresentam-se para a comunidade escolar no segundo semestre de 2021, depois de um ano e meio de ensino remoto e afastamento da sala de aula presencial.

“A pandemia triplicou as dificuldades”, conta a diretora da EM Prof. Waldir Garcia, em Manaus (AM), Lúcia Cortez, que receberá todos os alunos presencialmente a partir de 23 de agosto.

Lidiane Lima, professora de Língua Portuguesa na EMEF Anna Silveira Pedreira, no extremo sul da capital paulista, voltou a pisar na sala de aula em maio e relata que foi importante olhar para os próprios sentimentos e compartilhá-los com as turmas. “Me senti muito tocada ao acolhê-los e oferecer o melhor que poderia. Era eu, a professora, renascendo. Fui naturalmente, retomando a paixão, a alegria da docência, do pensar, do planejar as aulas e os processos pedagógicos.


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Momentos de partilha de sentimentos e angústias entre professores e alunos, bem como ações de recuperação de aprendizagem, reuniões frequentes para acompanhar a situação dos alunos pela coordenação e busca ativa por aqueles que não voltaram são ações relatadas pelas educadoras ouvidas pela reportagem para tentar atravessar mais um capítulo da pandemia. 

Conheça, a seguir, o que contam as educadoras sobre o momento, as principais barreiras para a retomada efetiva do ensino presencial e possíveis ações para superá-las sugeridas por especialistas.

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4 barreiras para a retomada - e ações para superá-las


As barreiras da retomada do ensino presencial são muitas e variam de acordo com a rede e a realidade de cada escola. NOVA ESCOLA elencou alguns deles e consultou três especialistas - Renata Capovilla, cofundadora da Íntegra Educacional, Marcelo de Freitas Lopes, diretor pedagógico da Foreducation EdTech, e Antônio Alexandre da Silva, professor do Instituto Singularidades, especialista em educação matemática para falar sobre as principais delas e indicar possíveis soluções para superá-las. 

1. Pandemia e situação vacinal instável no Brasil

Os altos índices de contágio e a demora na vacinação ainda vista em algumas regiões do paaís geram medo e preocupação. Existe parcela considerável de estudantes, ainda sem vacina, que não se sentem segura de retornar às aulas presenciais. Escolas em regiões mais vulneráveis tiveram menos acesso às aulas remotas e também estão tendo menos velocidade na vacinação. Logo, o abismo da desigualdade está maior e será, infelizmente,  mais difícil recuperar o prejuízo pedagógico. 

O que pode ser feito? 

As escolas que voltaram ao presencial estão em uma fase de adequação aos protocolos de biossegurança, atividades de acolhimento e nivelamento da aprendizagem. A volta às aulas é um momento de expectativa e medo para todos, misto de sensações que afetam pais, professores, gestores e também os alunos. Ter calma e analisar dia a dia os cenários que se formam será imprescindível, pois a pandemia não acabou e está longe de ocorrer.

2. Sobrecarga de trabalho para o professor  

Existe uma sobrecarga de trabalho, principalmente no modelo em que o professor divide a atenção entre estudantes que estão em casa e os que estão na sala de aula. Também há preocupação com a utilização dos equipamentos, que antes eram dedicados apenas às aulas remotas e agora têm de dar conta dos estudantes que estão na sala de aula. A preparação de atividades e o acompanhamento escolar para resgatar o desenvolvimento de habilidades e conteúdos essenciais que não podem ficar para o próximo ano também têm peso. Além de gerar essa sobrecarga de trabalho, ainda gera um estresse emocional para o professor. 

O que pode ser feito? 

Neste cenário, o foco é entender quais as competências, habilidades e conteúdos são estruturantes para serem priorizados nas aulas até o fim do ano. Para isso, o planejamento convencional deve ser reavaliado e os professores devem buscar o essencial para cada turma e componente curricular.

“Tecnologia usada de forma correta é para facilitar o trabalho e não desgastar. Durante o isolamento social, o processo de adoção tecnológica foi traumático pela situação. Agora podemos continuar de forma mais estratégica e com o foco na melhora do aprendizado”, defende Marcelo Lopes.

O professor dos anos finais do Ensino Fundamental tem muitas turmas, e com isso, muda de objetivos de desenvolvimento a cada uma ou duas aulas. Para contornar essa situação, especialmente porque estão conhecendo, de fato, seus alunos agora, uma boa estratégia é trabalhar nos registros das turmas, seja com um caderno, um documento on-line ou outro formato. Nele, anote as peculiaridades das turmas e dos alunos, compreendendo as características que vão apresentando. Assim, aos poucos, será possível conhecer melhor cada turma, além de traçar um plano em cima das estratégias de aprendizagem que são funcionais para os alunos, especialmente pensando em cada fase de desenvolvimento e de acolhimento emocional.

3. Situação econômica e vulnerabilidade das famílias

Quando falamos em Brasil, com toda a sua diversidade e desigualdade, não dá para ser simplista na solução. Então, são necessários diagnósticos de cada local e ações nas várias frentes que afetam os nossos alunos, sem um único caminho possível. “As escolas heroicamente estão fazendo  busca ativa dos alunos e repensando o modelo de aula para ser mais significativa”, afirma Marcelo. 

O que pode ser feito? 

Agora, a escola tem um papel fundamental no acolhimento desses estudantes, na escuta das histórias de vida e principalmente no incentivo a continuar nos estudos. O professor pode mostrar que já atravessamos outras crises e que é preciso abrir espaço para desenvolver projetos de vida e buscar, sempre que possível, a felicidade. “Isso motiva o estudante a continuar”, aponta Antônio.

4. Saúde mental e convivência no espaço escolar após o isolamento

O retorno às rotinas escolares, agora modificadas, não é natural. Voltar a escrever, prestar atenção, apresentar as anotações para o professor, dividir uma ideia em sala, em voz alta, se expor - tudo é diferente. Além disso, a pandemia e o isolamento social tiveram efeitos na saúde mental de todos nós - e com os adolescentes não é diferente. 

O que pode ser feito? 

Se possível, faça uma reunião com os responsáveis para entender como é o comportamento dos adolescentes em casa, o que mudou com a pandemia, como foi esse processo para o aluno, as perdas que ele sofreu e como lidou com isso, para então observar em sala seu comportamento. 

A troca de informações de forma sensata entre os professores de outras áreas que dão aula para a mesma turma também é importante para compreender se o comportamento do aluno que apresenta sintomas de ansiedade, depressão ou qualquer outra situação emocional é isolada ou acontece de forma generalizada, e acolhê-lo. “Chamar esse aluno para conversar, mostrar que compreende o que ele sente e entender de sua parte de que forma é possível auxiliá-lo fará a diferença para que essa saúde mental seja cuidada”, conclui Renata Capovilla.

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Em Manaus, luto, tutoria e olho na defasagem

A EM Professor Waldir Garcia, de Manaus, receberá a partir de 23 de agosto todos os seus alunos no presencial após adotar o modelo híbrido no primeiro semestre. Segundo a diretora Lúcia Cortez, a escola já trabalhava com alta vulnerabilidade social e enfrentava muitas dificuldades com a inclusão para proporcionar equidade aos alunos migrantes, refugiados e com deficiência. Por conta disso, em nenhum momento a escola ficou totalmente fechada.

A diretora Lúcia Cortez na EM Waldir Garcia, em 2020.
A diretora Lúcia Cortez na EM Waldir Garcia, em 2020. Crédito: Nidiacris Ribeiro/Trupe Filmes

“A gente não conseguiu fechar porque vemos a escola como um local de apoio, de proteção e segurança. Então a gente abriu com voluntários para atender as crianças no ano passado até novembro. Neste ano, em fevereiro, a gente também reabriu”, conta Lúcia. 

A escola serviu de base para prover atendimento às crianças em situação de risco com atividades de leitura e escrita. Ainda assim, a defasagem da aprendizagem é um desafio. “Esse um ano e meio de pandemia equivale a três anos ou mais”, compara a gestora. Ela relata, ainda, a dificuldade em receber alunos egressos de outras escolas que não obtiveram o mesmo apoio, especialmente na entrada do Fundamental e no 6º ano.

A capital do Amazonas foi o epicentro da segunda onda da covid e palco das lamentáveis cenas de falta de leitos e oxigênio. Portanto, alunos e funcionários ainda lidam com o luto e o medo. Lúcia conta que essa questão também é central e, para isso, buscou parceria para prover atendimento psicológico, com grupos terapêuticos para os funcionários e professores se sentirem mais aptos a retomar a rotina e apoiar os alunos.

“A gente volta com medo, sim, com muita insegurança, mas buscamos profissionais da psicologia para nos dar suporte e conseguirmos trabalhar esses medos internos, voltarmos mais tranquilos e passarmos a tranquilidade aos familiares e às crianças. A gente precisava estar bem”, resume a educadora.

Para apoiar os alunos, são promovidas ações como as rodas dos sentimentos e, para minimizar a defasagem, há apoio de tutoria com roteiros de estudo, promovidos por voluntários. “Neste momento, a gente não pode ter pressa para resolver um ano e meio da noite para o dia. É preciso cuidado para não sobrecarregar as crianças, os professores e as famílias”, afirma a diretora.

Em São Paulo, a escola como um espaço de cura 

Lidiane Lima é professora de língua portuguesa na EMEF Anna Silveira Pedreira, no extremo sul da cidade de São Paulo. Lidiane retomou parcialmente o ensino presencial em maio, após participar do movimento de greve na cidade que pedia o retorno apenas após a vacinação. Ela relata um profundo estranhamento na volta, com corredores vazios e silenciosos que nada lembravam o agito de uma escola.

Lidiane Lima voltou para a sala de aula em maio de 2020 e buscou acolher os sentimentos dos alunos no retorno ao presencial.
Lidiane Lima voltou para a sala de aula em maio de 2020 e buscou acolher os sentimentos dos alunos no retorno ao presencial. Crédito: Nidiacris Ribeiro/Trupe Filmes

Em sua primeira sala, de 9º ano, apenas três alunos. Seu primeiro impulso foi compartilhar com esses alunos como ela própria se sentia e pedir desculpas por não trazer, naquele momento, o entusiasmo, a paixão, o potencial que acredita ter para despertá-los para a aprendizagem.

“Tivemos um bonito momento de escuta em que recuperamos os sentimentos que nos assolaram durante a pandemia, os que ainda se faziam presentes. Os estudantes apontaram crises de ansiedade, depressão, distúrbio de sono e alimentação”, conta. “Entendendo a escola também como um espaço de cura para a maioria das questões que os estudantes trouxeram. Me senti muito tocada ao acolhê-los e oferecer o melhor que poderia. Era eu, a professora, renascendo. Fui naturalmente retomando a paixão, a alegria da docência, do pensar, do planejar as aulas e os processos pedagógicos. Só sentia certo pesar por não estar oferecendo as boas aulas que preparava para uma maior quantidade de estudantes”, conta Lidiane.

O grande desafio encontrado pela professora foi justamente resgatar o entusiasmo dos alunos, tecer novamente o fio que os atava à escola, relembrando a importância da educação e do significado político de estarem na escola, contrariando as expectativas negativas que recaem sobre docentes e estudantes periféricos de escola pública.

Lidiane conta, ainda, que a coordenadora da escola tem feito reuniões frequentes para atualizar as listas dos alunos que têm ido ao presencial, dos que estão no remoto e daqueles que não estão em nenhum dos dois grupos e mais preocupam. “Há uma equipe na secretaria que tem feito a busca ativa desses estudantes por telefone e carta registrada. Aos poucos, o número de alunos na escola tem aumentado, bem como os que realizam atividades on-line. Mas ainda há uma evasão significativa e preocupante”, afirma.

Como era esperado, Lidiane sente a sobrecarga do trabalho no ensino híbrido. Afinal, ela tem de se desdobrar em dois modelos distintos. “Ampliou-se a quantidade de registros que temos de realizar na escola, sejam internos da unidade, sejam no Sistema de Gestão Pedagógica. O sistema não é funcional e demanda tempo. Temos passado muito mais tempo fazendo registros internos e no SGP do que pensando processos pedagógicos. Isso adoece a categoria”, defende.

Ainda assim, Lidiane se diz otimista quanto ao plano de recuperação que a unidade elaborou. “Temos uma excelente pedagoga na escola que tem oferecido aulas de reforço dentro do próprio turno dos alunos. Existem também três projetos voltados para o fortalecimento e recuperação de aprendizagens. Faço parte de dois deles, oferecidos no contraturno”, conta. “Estou muito entusiasmada, acreditando que os projetos e as aulas bem planejadas recuperarão e fortalecerão o vínculo dos estudantes com a escola”, conclui.

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