Dados: Analise os números da fome no Brasil de 2021 com as turmas
Conheça propostas práticas para trabalhar a questão da falta de alimentos nas aulas de Geografia e Matemática, sugeridas por especialistas
Nos últimos meses de 2020, a fome atingiu 19,1 milhões de brasileiros nas cinco regiões do país, o que corresponde a 9% da população. Os dados, divulgados em abril deste ano pela Rede PenSSAN, fazem parte do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de covid-19. O levantamento indica, ainda, que 116,8 milhões de pessoas vivem algum grau de insegurança alimentar, tanto em áreas urbanas quanto rurais.
Diante de tantas informações sobre um problema real e urgente, como levar os dados relacionados à fome no Brasil para as aulas de Geografia e Matemática?
Sueli Furlan, doutora em Geografia Física e professora assistente de Geografia na Universidade de São Paulo (USP), explica que, em Geografia, a fome pode ser trabalhada a partir de discussões sobre sistemas produtivos, inclusão e exclusão da sociedade em relação à sua possibilidade de se manter através da alimentação e estatísticas em relação à distribuição de renda, por exemplo. Há, ainda, a compreensão da fome como questão política e econômica, como é tratada por Josué de Castro no livro Geografia da Fome.
“A fome é uma decorrência social porque é, na verdade, uma decorrência da capacidade econômica. Ou seja, se existe fome, é porque existe uma privação de alimentos, uma privação da possibilidade das populações poderem adquirir uma alimentação segura”, afirma a educadora. Mas como isso chega à escola?
Um dos eixos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de Geografia é O sujeito e seu lugar no mundo. Nele, é possível compreender o processo cultural da alimentação, que também é um processo territorial que criou verdadeiras regiões culturais no Brasil, além de práticas alimentares interculturais, de acordo com Sueli Furlan. “Aqui, o professor pode trabalhar diversas temáticas relacionadas à fome, tanto no contexto de produção dos alimentos, sua distribuição, quanto questões ligadas aos lugares e suas culturas”, recomenda.
Para além disso, a professora elenca três propostas para debater o assunto com as turmas do Fundamental 2.
EM GEOGRAFIA
Proposta 1: O que os brasileiros comem?
Indicada para: 6º ano
Objetivo: Utilizar os conhecimentos geográficos para entender a interação sociedade/natureza e exercitar o interesse e o espírito de investigação e de resolução de problemas.
Habilidade: EF06GE01 - Comparar modificações das paisagens nos lugares de vivência e os usos desses lugares em diferentes tempos.
O que é comida para os brasileiros? O que é um repertório alimentar para os brasileiros? A partir dessas perguntas, o professor pode pedir aos alunos que façam uma pesquisa sobre como se alimentam as várias camadas da sociedade, as diversas comidas regionais, o que é considerada uma comida boa para determinadas regiões, quais comidas são características de algumas cidades etc.. E, em seguida, investigar quais alimentos são esses, como são produzidos e como podem ser relacionados à própria proposição de Josué de Castro, quando ele diz:
“A enorme extensão territorial, com seus diferentes tipos de solo e de clima, com seus múltiplos quadros paisagísticos, nos quais vêm trabalhando, há séculos, grupos humanos de distintas linhagens étnicas e de diferentes tintas culturais, não poderia permitir que se constituísse, em todo o território nacional, um tipo uniforme de alimentação. O país está longe de constituir uma só área geográfica alimentar. As variadas categorias de recursos naturais e a predominância cultural de determinados grupos que entraram na formação de nossa etnia nas diferentes zonas tinham de condicionar forçosamente uma diferenciação regional dos tipos de dieta”.
Fonte: CASTRO, Josué de. Geografia da Fome. 6ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006, pág. 34.
Ou seja, a partir dessa citação, é possível construir uma atividade que tenha como objetivo problematizar o que comem os brasileiros, o que diferencia uma alimentação da área urbana e da rural, por exemplo? O que diferencia a alimentação de um brasileiro que vive na Amazônia de um que vive no Pampa? Por que churrasco na Região Sul e por que feijoada na Região Sudeste? E assim por diante.
Proposta 2 - Desperdício de alimentos
Indicada para: 7º ano
Objetivo: Analisar os mundos social, cultural e digital e o meio técnico-científico e informacional com base nos conhecimentos das Ciências Humanas, considerando suas variações de significado no tempo e no espaço, para intervir em situações do cotidiano e se posicionar diante de problemas do mundo contemporâneo.
Habilidade: EF07GE06 - Discutir em que medida a produção, a circulação e o consumo de mercadorias provocam impactos ambientais, assim como influem na distribuição de riquezas, em diferentes lugares.
A partir desse objetivo previsto na BNCC, uma boa sugestão é propor atividades que possam se relacionar ao combate ao desperdício de comida. Por exemplo: uma pessoa pode ter mais ou menos dinheiro para comprar alimentos, mas pode ir à feira (na chamada hora da xepa) e não ter vergonha nenhuma de consumir alimentos que, muitas vezes, não estão tão bonitos como aqueles das 8 da manhã, mas que são igualmente saudáveis. É preciso quebrar a ideia de que para a gente se alimentar deve ter um padrão. Não é preciso ter padrão, mas sim, hábitos de maior aproveitamento dos alimentos para que, inclusive, caibam no orçamento quando este ficar mais apertado.
Proposta 3 - Hábitos alimentares
Indicada para: 8º ano
Objetivo: Utilizar os conhecimentos geográficos para entender a interação sociedade/natureza e exercitar o interesse e o espírito de investigação e de resolução de problemas.
Habilidade: Relacionar fatos e situações representativas da história das famílias do município onde se localiza a escola, considerando a diversidade e os fluxos migratórios da população mundial.
Outra possibilidade que pode ser levada para a sala de aula é trabalhar com os alunos os hábitos alimentares. O professor pode pegar como gancho o momento da pandemia para repensar os hábitos, em razão da escassez de alguns alimentos e de reconhecer, inclusive, que existem alimentos não convencionais que trazem igual valor alimentar e, ao mesmo tempo, trabalhar a questão do desperdício. Para isso, o professor pode começar com um levantamento de opiniões entre os alunos, perguntando a eles quais são seus hábitos alimentares, mapear o que comem nas três refeições diárias, depois trabalhar os conceitos de alimento convencional e não convencional, o que são as PANCs etc. Depois, se possível, pode trazer à tona a roda de alimentos da FAO, o Manual de Alimentação Saudável do Ministério da Saúde, e trabalhar com os alunos no sentido de montar o que seria um prato saudável.
Ponto de atenção: Para não constranger alunos que talvez estejam passando insegurança alimentar, proponha que esse prato saudável seja feito na escola, de modo que cada turma faça o seu e todos comam juntos.
EM MATEMÁTICA
Nas aulas de Matemática, os dados da fome no Brasil podem ser trabalhados de diversas formas, segundo Fernando Barnabé, professor de Matemática, formador de professores e mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Ele explica que a base sólida para discutir esse tema dentro da Matemática está em Probabilidade e Estatística. “O professor pode propor a análise de dados referentes à insegurança alimentar, discutir sobre como trabalhamos esses dados em gráficos e tabelas apresentados etc. Isso é o mais importante quando pensamos nesse assunto”, afirma.
Por outro lado, de acordo com o educador, vale pensar, também, em cálculos específicos, como porcentagens, e como isso pode ser organizado em termos de sociedade. “Por exemplo: fizemos uma estimativa, ótimo! Mas como isso é considerado com relação a uma porcentagem específica da população? É algo que precisa ser considerado, assim como o diálogo com outras áreas, como a Geografia, para pensarmos sobre como essas informações estão relacionadas com outros dados sociais”, enfatiza Fernando Barnabé.
Pensando nisso, o professor pensou em três propostas para levar o assunto para as aulas de Matemática.
Proposta 1 - Porcentagem e dados populacionais
Indicada para: 7º e 8º ano
Habilidades: EF07MA12 - Resolver e elaborar problemas que envolvam as operações com números racionais.
EF07MA35 - Compreender, em contextos significativos, o significado de média estatística como indicador da tendência de uma pesquisa, calcular seu valor e relacioná-lo, intuitivamente, com a amplitude do conjunto de dados.
EF08MA04 - Resolver e elaborar problemas, envolvendo cálculo de porcentagens, incluindo o uso de tecnologias digitais.
EF08MA26 - Selecionar razões, de diferentes naturezas (física, ética ou econômica), que justificam a realização de pesquisas amostrais e não censitárias, e reconhecer que a seleção da amostra pode ser feita de diferentes maneiras (amostra casual simples, sistemática e estratificada).
A análise dos dados apresentados sobre Insegurança Alimentar pode ser feita a partir da publicação desta matéria da Agência Brasil. É possível fazer um paralelo entre as informações apresentadas e o quanto as porcentagens indicadas na matéria corresponderiam ao município onde a escola se localiza, caso a proporção fosse uniforme em todo o país. Os dados populacionais podem ser baseados nas informações disponibilizadas pelo portal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com dados relativamente mais precisos do que outras fontes.
Proposta 2 - Criação de uma proposta financeira
Indicada para: 8º e 9º ano
Habilidades: EF08MA04 - Resolver e elaborar problemas, envolvendo cálculo de porcentagens, incluindo o uso de tecnologias digitais.
EF08MA26 - Selecionar razões, de diferentes naturezas (física, ética ou econômica), que justificam a realização de pesquisas amostrais e não censitárias, e reconhecer que a seleção da amostra pode ser feita de diferentes maneiras (amostra casual simples, sistemática e estratificada).
EF09MA21 - Analisar e identificar, em gráficos divulgados pela mídia, os elementos que podem induzir, às vezes propositadamente, erros de leitura, como escalas inapropriadas, legendas não explicitadas corretamente e omissão de informações importantes (fontes e datas), entre outros.
EF09MA23 - Planejar e executar pesquisa amostral envolvendo tema da realidade social e comunicar os resultados por meio de relatório contendo avaliação de medidas de tendência central e da amplitude, tabelas e gráficos adequados, construídos com o apoio de planilhas eletrônicas.
O professor pode propor aos alunos a criação de uma estratégia financeira de investimento para o país, com base nas informações sobre a oferta do auxílio emergencial e sobre o poder de compra do brasileiro ante o valor médio da cesta básica. Os alunos podem fazer esse tipo de organização usando tabelas e gráficos em papel quadriculado ou ainda usando planilhas eletrônicas. Após a análise dos dados, solicite que a turma verifique o impacto financeiro do investimento eficaz para atender aos 19 milhões de pessoas que passaram fome até o fim de 2020, conforme pesquisas apresentadas. Uma dica é trazer discussões sobre o número médio de pessoas nessas famílias, para que os alunos tenham uma base de oferta do benefício (uma criança não pode receber o benefício diretamente, somente seus responsáveis).
Proposta 3 - Desperdício de alimentos
Indicada para: 7º, 8º e 9º ano
Habilidades: EF07MA12 - Resolver e elaborar problemas que envolvam as operações com números racionais.
EF07MA35 - Compreender, em contextos significativos, o significado de média estatística como indicador da tendência de uma pesquisa, calcular seu valor e relacioná-lo, intuitivamente, com a amplitude do conjunto de dados.
EF08MA26 - Selecionar razões, de diferentes naturezas (física, ética ou econômica), que justificam a realização de pesquisas amostrais e não censitárias, e reconhecer que a seleção da amostra pode ser feita de diferentes maneiras (amostra casual simples, sistemática e estratificada).
EF09MA23 - Planejar e executar pesquisa amostral envolvendo tema da realidade social e comunicar os resultados por meio de relatório contendo avaliação de medidas de tendência central e da amplitude, tabelas e gráficos adequados, construídos com o apoio de planilhas eletrônicas.
Aliado ao trabalho com Geografia, é possível propor uma busca por informações sobre desperdício de alimentos no Brasil, solicitando que as turmas elaborem programas de aproveitamento e distribuição de alimentos que sejam eficazes e que possam ser colocados em prática. Para isso, proponha aos alunos que pesquisem sobre a quantidade de alimentos desperdiçados e sobre as possibilidades de redistribuição, desde a verificação da quantidade de alimentos (em porcentagem), do quanto isso poderia alimentar a população que hoje passa fome, além das possibilidades de outras políticas econômicas que favoreçam a redução da fome no país.
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