Débora Garofalo: “A Educação Infantil precisou fazer um esforço ainda maior para se reinventar”
Em entrevista, a especialista em inovação na Educação afirma que, pela dificuldade de usar recursos como videochamadas, os professores da etapa tiveram de investir em “pílulas rápidas de ensino”
Há muitos anos já se fala sobre o uso da tecnologia na Educação, mas muitos professores e gestores ainda não estavam familiarizados com os recursos digitais, que se tornaram o principal meio de manter o contato e ensinar crianças e adolescentes durante o distanciamento social e fechamento das escolas. Na Educação Infantil, há ainda o fato de que os cuidados e limites para se utilizar recursos, como vídeos e videoconferências com as crianças, precisam ser ainda maiores, já que elas precisam do acompanhamento constante de um adulto e não podem ser expostas a muito tempo de tela.
Para conversar sobre o impacto da tecnologia para a prática do professor de Educação Infantil, NOVA ESCOLA convidou Débora Garofalo, assessora Especial de Tecnologias da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo e professora da rede pública de ensino da capital paulista. Débora foi vencedora na temática Especial Inovação na Educação no Prêmio Professores do Brasil e uma das dez finalistas do Global Teacher Prize, o Nobel da Educação. Também já foi colunista do site de NOVA ESCOLA, onde escrevia semanalmente sobre tecnologia.
NOVA ESCOLA: Por que os professores ainda não estavam preparados para usar a tecnologia para ensinar?
DÉBORA GAROFALO: Muito se falava sobre tecnologia e as crianças e jovens já queriam que ela estivesse em sala de aula, mas os professores são de uma geração que não cresceu com esse acesso e não recebeu formação profissional para trabalhar com ela. Os que tiveram pensam que precisam dominar completamente a tecnologia antes de aplicá-la. Mas, por si só, ela não tem a capacidade de transformação, o professor tem de ter metodologia para fazer dela um apoio para seu trabalho. Notamos, sim, um receio por parte dos professores, mas muito disso se deve à falta de formação em cultura digital, aprendizagem maker e metodologias ativas.
Em 2020, muitos professores precisaram utilizar recursos digitais para continuar trabalhando. Como a tecnologia modificou o cotidiano docente?
Primeiro, os professores levaram um susto. Nunca se pensou que a tecnologia poderia ser a única mediadora para darmos aulas. Depois, tiveram de inventar possibilidades para continuar ensinando. Isso modifica muito o trabalho do professor, que não está totalmente habituado a ter sua aula mediada pela tecnologia, e esse despreparo também pode ser ruim para o estudante. Na Educação Infantil, os professores pouco conseguem interagir diretamente com as crianças e precisaram fazer um esforço ainda maior para se reinventar, já que o uso constante de videochamadas não se aplica.
Quais são os principais desafios para propor atividades remotas com as crianças da Educação Infantil?
Os professores dessa etapa precisam ter uma série de cuidados. O primeiro passo é trazer esse familiar para perto. É preciso conseguir uma parceria entre família e escola porque a criança ainda é muito dependente. O segundo desafio é que um adolescente suporta assistir uma aula de 45 minutos, mas a criança não. Acaba o encanto e ela não consegue ficar parada. Para isso, o professor tem de saber propor “pílulas” rápidas de ensino. A criança está em um momento de descobertas e ele precisa saber usar isso ao indicar situações cotidianas que possam ser exploradas em casa.
Há muitos pais que se perguntam se tiram os filhos da creche nestes momentos de pandemia, o que causa grande angústia nos profissionais de Educação Infantil. Usar a tecnologia para proporcionar experimentações diferenciadas, fazer uma reunião diferente com as famílias e apresentar modelos de rotina pode ajudar a superar os desafios deste período e mostra que a creche pode ajudar crianças e famílias mesmo a distância.
Como o uso das tecnologias que está sendo feito agora pode ser aproveitado e continuado quando as atividades presenciais forem retomadas?
Para o retorno, estamos aprendendo lições com países que já voltaram ao modelo presencial. Acreditamos que o retorno será em formato híbrido, não com a turma cheia. Com os pequenos, tem de ser bem trabalhado o fato de que não podem se abraçar, compartilhar objetos pessoais e estar juntos o tempo todo. Essas atividades híbridas vão ser importantes nessa adaptação. As crianças viveram um normal (descobertas, convivências, uso constante do corpo); passarão por uma modalidade híbrida que deverá ser uma sala com rodízio de crianças, trabalhos em estações por rotações e atividades diferenciadas para serem trabalhadas com certa distância, e futuramente poderão voltar a um normal, mas com a tecnologia ainda presente. A pandemia trouxe a necessidade de trabalharmos mais com tecnologia e mostrou que é possível desenvolver habilidades para que as crianças sejam protagonistas de seu processo de desenvolvimento e aprendizagem.
Quais medidas as redes poderiam tomar para realizar uma formação dos docentes para utilizar as ferramentas digitais?
É necessário investir em formação continuada, debater o papel da tecnologia e das metodologias ativas. Muitas vezes estamos preocupados com produto final, mas o processo deveria ser a maior preocupação. As redes precisam se preocupar em fortalecer esses professores pensando que existe, sim, um prejuízo com o processo de aprendizagem que não vai se recuperar só em um ano. No retorno, a tecnologia precisa continuar presente, pois isso já era um pedido das crianças e adolescentes, que já interagem constantemente com esta.
Por parte dos professores, há resistência e medo. A tecnologia muda constantemente, o que sabemos hoje pode amanhã já ser atualizado. É comum você se perder, mas no professor isso pode causar certo nervosismo. Mas ele tem de se permitir errar e falar para os alunos ou para as famílias que não sabe, mas está disposto a aprender.
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