Anos Iniciais

Chegando ao 6º ano: 5 pilares para pensar uma transição cuidadosa e intencional

Conheça dicas e estratégias para ajudar os pequenos a se acharem na nova organização escolar e os professores a acolherem os anseios da turma

Animação alterando entre ilustração e fotografia de dois alunos lendo em espaço coletivo na escola.
Ilustração: Yasmin Dias/NOVA ESCOLA. Fotografia: Ricardo Lima/NOVA ESCOLA

“Tia, eu estou na casa da minha vó.” “Tia, tia! A minha irmã também já sabe andar de bicicleta.” “Tia, eu fui no parque com os meus primos”: na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Fundamental, o começo de uma aula pode ser tomado pelas narrativas das crianças, ávidas por compartilhar com os seus amigos e professores as pequenas aventuras do cotidiano. 

Quando todo o tempo na escola corre acompanhado pelo professor polivalente, já muito chegado da turma, é possível reservar esse espaço de trocas. Mas quando os pequenos vão para o 6º ano, em que a divisão é feita por componentes curriculares em períodos de aulas que muitas vezes não ultrapassam os 50 minutos, e com professores com poucos recursos para conhecer melhor cada um, tudo muda. 

Essas janelas de conversas soltas, tão importantes para arejar a rigidez das escolas, ficam miúdas. Os pequenos não sabem disso, e certamente vão reproduzir no 6º ano parte da organização escolar de antes.


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“Quando eles vão do Infantil para os Anos Iniciais, há muita expectativa. Eles adoram a escola e estão na expectativa por novas experiências. Agora, na pandemia, isso ficou muito evidente com o uso das máscaras. Os pequeninos têm muita preocupação em usar a máscara, porque eles estavam loucos para voltar para a escola, e sabem que essa volta depende disso. Na transição para o Fundamental 2 não é mais assim. Eles sentem que muita coisa vai mudar, e ficam com muito medo”, explica Renata Borges, diretora da EE Izac Silvério, em São Paulo, especialista em transição pela PUC-SP e consultora pedagógica para os conteúdos desta edição. 

Por isso, é fundamental que essa transição seja cuidadosa e intencional, programada com antecedência, em conjunto com a equipe da escola, e levando em conta as peculiaridades de cada grupo e indivíduo. 

Renata debruçou-se sobre os desafios da transição do 5º para o 6º ano na dissertação de mestrado e na tese de doutorado, dando atenção especial aos casos das escolas públicas e para a perspectiva dos alunos, professores e gestores. 

Ela indica aqui cinco pilares para pensar uma transição satisfatória: 

1. Escuta ativa 

Em qualquer contexto, mas, principalmente, quando há situação de maior vulnerabilidade, como em muitas escolas públicas, é preciso compreender que cada sujeito vive diferentes realidades. Homogeneizar a Educação nunca foi um caminho recomendado. 

Em tempos de pandemia, como nos últimos dois anos, ouvir o que cada aluno traz consigo para a escola é uma regra básica. Muitos tiveram perdas de toda ordem, estão preocupados e angustiados. 

“É preciso acolher as questões pessoais, dar espaço para a subjetividade de cada um. A primeira etapa da transição, antes de qualquer outra coisa, deve ser a da escuta ativa. Isso significa deixá-los verdadeiramente à vontade para falar, sem julgamentos e cercamentos, e acolher a questão de cada um”, afirma Renata.

2. Sondagem para criar um plano de ação 

Após a escuta da turma, e pensando nessas experiências diversificadas que serão colocadas à mesa, um segundo passo, indica a consultora, é fazer a sondagem para diagnosticar e entender em que pé está a aprendizagem de cada aluno. Há alunos que pararam há dois anos, juntamente com o fechamento das escolas, e outros que tiveram maior apoio e conseguiram seguir com o programa previsto. 

Com isso, “faça uma varredura dos temas mais importantes até chegar naquele que está mais atrasado. Essa sondagem terá de ser diversificada. Não há um modelo, porque cada ano, turma, escola, aluno, está chegando de uma forma”, explica Renata, reforçando que o objetivo dessa varredura é “criar um plano de ação para deixar os alunos em um mesmo patamar.”

3. Habilidades essenciais: agrupar o que é fundamental na aprendizagem

A defasagem é um tema corrente nas escolas. Alunos que não puderam acompanhar, professores que não conseguiram ensinar. O empenho de toda a comunidade escolar em manter o carro andando não escapou à dura realidade do ensino remoto emergencial.

Se equiparar o conhecimento dos alunos parece impraticável, está na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) a chave para manter o carro andando em melhor potência: são as habilidades consideradas essenciais, que não podem ser deixadas de lado. 

“Já faz tempo que não faz mais sentido falar em conteúdo. Os professores do 6º ano precisam discutir em conjunto o que eles querem daquela turma. O que é mais importante. Na sondagem saberemos quais habilidades estão mais fortes e mais fracas no grupo, e, a partir delas, agrupar as que podem ser trabalhadas juntas, tentar montar um fio que passe por todos”, explica a especialista. 

Quem já estava trabalhando com foco nas habilidades em 2020 e 2021 entregará para os próximos professores uma turma mais preparada para essa estratégia, mas nada impede que ela seja usada em qualquer contexto. Ao contrário, Renata garante que todos sairão ganhando com o agrupamento de habilidades. 

4. Organização: rodízio de professores na turma e cadernos diferentes 

Lá no começo falamos dos alunos que chegam ao 6º ano falantes e logo se deparam com uma realidade bem diferente. Muitas vezes até com professores impacientes com a energia dos pequenos. É verdade que nos Anos Iniciais boa parte da energia dos professores vai para organizar as ações dos pequenos, e que nos Anos Finais não há muito tempo para isso. 

Uma estratégia para minimizar o impacto das mudanças na forma de organização do ensino no Fundamental 2 é fazer rodízios de professores já no 4º e 5º ano. Renata afirma que nos casos em que ela analisou no mestrado e no doutorado onde as escolas agruparam os docentes em Ciências da Natureza, Português com História, ou Educação Física com Artes, para fixar apenas em alguns exemplos, a transição foi muito mais suave, e os professores do 6º ano conseguiram tocar os planos de aulas com maior tranquilidade. 

Outra dica é começar a usar cadernos diferentes para algumas matérias também já no 4º e 5º ano. “Se a criança consegue se localizar no que está fazendo, ela não terá tanto medo da mudança”, reflete Renata. 

5. Identificação e pertencimento: reserve tempo para a turma conhecer a escola 

Coladinho à organização está outro ponto de atenção importante: a identificação. Se antes cada professor e cada cantinho da escola pertenciam à vida do aluno, na troca para os Anos Finais a escola fica mais diversa e complexa. Antes eles estavam mais preocupados em brincar e correr por toda parte, agora querem conversar, pertencer ao grupo. 

Identificar-se com esse novo tempo passa por conhecer a fundo seus educadores, o novo prédio ou espaço da escola onde irão estudar. Por isso, reserve tempo no planejamento para que eles conheçam salas, corredores, e até mesmo o entorno da escola com calma, e façam isso já com os novos professores. 

“Eles vão criar reconhecimento em momentos mais descontraídos, sem o rigor de uma aula. É preciso criar esses espaços de acolhimento para que eles tenham a oportunidade de se reconhecer nesse novo momento”, finaliza a consultora.

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