Prática pedagógica

Transição entre etapas: 7 dicas para apoiar os alunos do Fundamental

Professores preparados e uma gestão atuante para que alunos e educadores consigam formar vínculos são as chaves para a peculiar fase de transição entre segmentos

Animação alterando entre fotografia e ilustração de alunos do ensino fundamental conversando.
Ilustração: Yasmin Dias/NOVA ESCOLA. Fotografia: Edson Chagas/NOVA ESCOLA

Não é à toa que a linha do tempo da vida escolar é divida em etapas (ou segmentos) da Educação Básica. Do Infantil até o Ensino Médio, os ciclos dos currículos acompanham também as transições da criança muito pequenina para aquela autônoma, falante, e dali para a pré-adolescência e adolescência. 

O que a escola faz é delimitar no espaço e no tempo o momento exato em que essa transição vai acontecer: no 6º ou no 9º ano, por exemplo. Mas há mesmo um dia no calendário em que a criança parece ter de deixar os recreios longos, o cantinho dos brinquedos, ou seja, deixar de ser criança, para se tornar um adolescente. Ter uma data marcada para amadurecer pode ser assustador, não é mesmo? 

E não são só os menores que se intimidam, mas também os alunos do 9º ano, em vias de ingressar no Ensino Médio, com ainda mais cobranças e metas numa fase já suficientemente complexa por si só. Em resumo: mudar dá trabalho e as transições entre etapas são complexas. E os professores e gestores escolares sabem bem disso.


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“O novo assusta todo mundo. E por isso as transições são muito difíceis para os professores também. Se o professor não conseguir sair da sua zona de conforto, ele não vai conseguir apoiar os seus alunos”, comenta a diretora escolar e pesquisadora especialista em transição Renata Borges. 

Atualmente à frente da EE Izac Silvério, escola que atende aos anos iniciais em São Paulo, a educadora mergulhou no tema nas suas pesquisas de mestrado e doutorado e buscou compreender melhor as dificuldades inerentes aos momentos de transição. Convidamos a especialista para ser a consultora pedagógica dos conteúdos desta edição e levantar os principais pontos de atenção para os educadores envolvidos com o processo de transição no Ensino Fundamental, confira a seguir e nos outros conteúdos listados abaixo:


Transição entre etapas: como ajudar na adaptação das turmas
Chegando ao 6º ano: 5 pilares para pensar uma transição cuidadosa e intencional
Transição para o Ensino Médio: como ajudar os alunos do 9º ano
Roteiro de formação: Como fazer a transição do 5º para o 6º ano em 2022?


1. Criar e fortalecer vínculos: o primeiro desafio da transição 

Um dos primeiros entraves encontrados nas fases de transição entre etapas, segundo Renata, é criar vínculos. E por isso mesmo são fases duras para ambos os lados, alunos e professores. Se nos Anos Iniciais os estudantes passavam muitas horas com um único professor polivalente, nos Anos Finais eles se deparam com cinco ou seis disciplinas diferentes no mesmo dia. 

“Não existe educação sem vínculo. Educação é afeto, não no sentido maternalista, mas como ato de afetar”, explica a consultora. Agora, na dobradinha 2021-2022, com a pandemia de Covid-19 e quase dois anos afastados das escolas, criar vínculos será ainda mais desafiador. 

2. De olho na defasagem de aprendizagem e “ensinagem” na pandemia

A pandemia veio como um divisor de águas para a comunidade escolar, segregando alunos e educadores. Quem tinha computador, celular, bom acesso à internet e a família por perto e disponível para ajudar, deu conta do recado a medida do possível. Mas quem não teve acesso a esses recursos, ou não tinha familiaridade e formação com plataformas digitais, ficou patinando. E as perdas não são só cognitivas, mas também emocionais. 

Na educação pandêmica, além da defasagem de aprendizado, houve  ainda a defasagem de “ensinagem”, como diz Renata. Afinal,  explica, muitos professores não conseguiram ministrar suas aulas como gostariam e há ainda o enorme vazio das relações entre as pessoas.

“Professor e aluno viraram uma bolinha com um número na tela, na melhor das hipóteses. Os alunos já não sabem mais quem são os seus melhores colegas de sala, quem vai estar na turma com ele ano que vem”, comenta Renata. 

3. “Primeiro a gente brinca, depois fica amigo”: a importância do afeto 

Todos temos na ponta da língua o nome daquele professor que fez a diferença em nossa formação. Difícil pensar em vínculo, ou naqueles que nos marcam, sem pensar no olhar, nos momentos de troca, nas conversas importantes que se carrega por toda uma vida.

No livro O Palhaço e o Psicanalista - Como escutar os outros pode salvar vida, que discute a importância e estratégias para uma escuta mais qualificada, os autores Cláudio Thebas e Christian Dunker contam que certa vez um dos autores foi dar  uma palestra em escola infantil e antes mesmo de começar a falar um estudante levantou a mão e perguntou se antes da palestra eles poderiam brincar. O palestrando, tentando criar uma ponte na intervenção da criança, perguntou por que ele queria brincar, e recebeu como resposta “porque primeiro a gente brinca, depois a gente fica amigo”. 

As crianças sabem formar vínculos fortes e duradouros, mas, para isso, é preciso atuar no tempo e espaço, e esse tempo dificilmente caberá nos 45 minutos das aulas dos componentes curriculares. 

4. Gestão Escolar: Formação e mais formação para ensinar na transição 

Mas se as transições entre etapas são ainda mais desafiadoras agora, com todas as adversidades trazidas pela pandemia, o primeiro passo dentro de uma escola deve ser, aponta Renata, investir em formação dos educadores. 

“É preciso reservar espaços e formar os professores para a  profissionalidade docente. Educar não é só dar aquela aula. Sabemos disso já. Então, é o quê? Um espaço formativo em lócus implica olhar para as especificidades daquela comunidade escolar e buscar caminhos e estratégias que colaborem com todo o processo de escolarização, incluindo as transições entre os ciclos”,  justifica a diretora. 

5. O que abordar na formação de professores: o papel do gestor escolar 

Para ela, a formação para as transições deve favorecer a escolha de textos que falem sobre relações interpessoais, escuta, acolhimento, conhecimento do sujeito e, de novo, profissionalidade docente. 

“A equipe gestora deve criar estratégias para apoiar alunos e professores. Ela, mais do que ninguém, sabe quem está indo e quem está chegando. Ela precisa olhar para o todo e pensar práticas em que toda a turma tenha esses momentos que são próprios para adaptação.”


Quatro perguntas de reflexão para pensar na transição na escola

- Quem são os alunos dessa escola? 

- Quem são esses professores? 

-  Quais as expectativas do grupo ou das turmas? 

- Eles querem aprender coisas novas ou estão se cansando da escola? Eles querem fazer o vestibular ou estão mais preocupados com o mercado de trabalho?


6. Escuta ativa dos alunos para evitar a evasão no Ensino Médio 

Se os alunos devem ter voz e vez, então, como aponta Renata, é preciso que essa escuta seja sincera. Sem saber os medos e desejos desses estudantes em transformação, a transição no 6º e 9º ano pode prejudicar os anos que virão depois, com alguns ficando pelo caminho.

Segundo o Censo Escolar de 2014-2015, o 9º ano apresentava a maior taxa de evasão (7,7) do Ensino Fundamental, com dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

7. Atenção ao tempo para a adaptação dos alunos 

Se a evasão é a maior tormenta no início do Ensino Médio, nos Anos Iniciais o tempo de adaptação é um dos maiores desafios. Renata estima que a transição de um aluno do 6º ano leve cerca de seis meses, enquanto uma criança que começa a cursar o Fundamental precisa de apenas um mês para se sentir à vontade no ambiente escolar. 

“Do Infantil para os Anos Iniciais as crianças estão superinteressadas. Elas já sabem que há uma escola de crianças maiores e gostam muito da escola. Na pandemia isso ficou muito evidente. Elas voltaram afoitas. No momento de ir para os Anos Finais é diferente. Elas estão, sempre, com muito medo. Já os adolescentes apresentam outros interesses além da escola nessa fase”, conta a pesquisadora. 

Mas se a mudança é certa e a transição dura para todos, atravessar essa fase juntos com consciência, acolhimento e mútuo apoio parece ser o caminho menos tortuoso. Depois de tanto tempo longe uns dos outros, pode ser, ainda, oportunidade para a cura de outros males.

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