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Temas polêmicos e tabus

Vamos conversar abertamente e com respeito?

Nestes tempos de educação remota, você se sente intimidado quando tem de abordar assuntos como sexualidade, preconceito racial e política com os estudantes? Não precisa ser assim! Para se sentir mais seguro, confira o que é importante fazer antes de encarar a turma

Professora explicando sobre os temas como preconceito racial, sexualidade, democracia e Covid-19. Ilustração: Estúdio Kiwi|Nova Escola 

Na hora de ensinar sobre sistema reprodutivo para suas turmas do 8º ano, a professora Andara Gualberto, de Cantagalo (RJ), ficou receosa: “Como as aulas agora são remotas, tive medo de explicar algo e algum pai estar acompanhando a aula e não gostar. Não porque acho que estou ensinando algo que não deveria, já que faz parte do currículo, mas porque já fui ameaçada por ensinar sobre métodos contraceptivos. Como falar sobre isso agora, com os alunos em casa?”

O receio de Andara é justificável. Por causa do isolamento social provocado pela pandemia do novo coronavírus, os professores entram diariamente na casa dos estudantes e estão mais expostos a confrontos diretos com as famílias, causados por interpretações erradas, pela oposição entre conhecimentos científicos e valores religiosos e de grupos políticos e também porque em família todos estão participando.

Ainda assim, é dever educacional dos professores ensinar e direito dos alunos de aprender temas polêmicos, como sexualidade e mecanismos reprodutivos, racismo, fake news envolvendo o novo coronavírus e crise na política brasileira. Incluir esses temas no currículo contribui para a formação humana integral dos estudantes, para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. São conteúdos apontados como objetos de conhecimento nos documentos oficiais, como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de 1998, e na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). 

Mais do que isso, a escola é um organismo vivo da sociedade, impactado por tudo que acontece nela e no contexto territorial onde ela está. Além disso, é agente de suas transformações. “Nela, os alunos aprendem a conviver e a respeitar pessoas e opiniões diferentes. É o espaço que oferece a eles outras informações e pontos de vista para além dos da família”, comenta Luciana Hubner, assessora pedagógica escolar e coordenadora pedagógica do Prêmio Educador Nota 10.

Para evitar que surjam conflitos (e lidar com eles, caso sejam desencadeados) ao abordar nas aulas temas polêmicos e tabus, confira uma lista de 11 perguntas e respostas que vão lhe ajudar a se preparar e apresentar aulas com segurança e qualidade. 

1. É melhor adiar o trabalho com temas polêmicos e tabus para quando as aulas presenciais forem retomadas?
Não. Esses temas fazem parte do currículo e, sobretudo neste momento de intensa divulgação de informações sobre eles e com os alunos estando mais tempo on-line, a escola precisa ser um espaço de debate seguro e fonte de informações confiáveis.

2. Preciso buscar apoio da coordenação pedagógica antes de explorar esses temas, para evitar reclamações posteriores dos pais?  

Sim. Construir a aula e os materiais que serão utilizados em conjunto com um grupo de educadores, regidos pelo Projeto Político-Pedagógico (PPP), evita a exposição individual. E, se um familiar se dirigir a você, expressando seu descontentamento com as aulas sobre determinado tema, peça para os gestores acolherem e dialogarem com ele, explicando que não há problema em pensar diferente, porque cada um tem seu papel na formação do aluno como cidadão.

3. Tenho medo de que os alunos gravem a aula para me expor, me denunciar. O que posso fazer para me proteger?

Gravações só podem ser feitas com consentimento de ambas as partes, mas proibir não garante que o educador não será gravado. O melhor caminho é conscientizar estudantes e familiares sobre o direito à privacidade e esclarecer sobre a importância de estudar o tema.

4. Preciso conversar com as famílias dos alunos antes de abordar os temas?

É sempre importante buscar o fortalecimento do regime de colaboração entre escola e família, criando uma parceria entre escola e família, criando espaços de escuta, trocas e formação sobre a organização curricular. 

5. O que devo ter em mente como objetivos de aprendizagem quando abordo temas tabus e polêmicos?

Os objetivos traçados devem afirmar valores e estimular ações que contribuam para a transformação da sociedade. O ideal é acompanhar a evolução das aprendizagens, observando posturas, conversas e o tratamento que os alunos dão ao outro e às informações. 

6. Como posso lidar com quem se vale de argumentos religiosos?

Vale explicar que esses argumentos são válidos dentro do sistema religioso, mas que para a Ciência existem outras teorias e também é importante conhecê-las, além de deixar claro que compreender e concordar são coisas diferentes.

7. O que fazer caso os alunos se mostrem tímidos para participar de aulas sobre temas como sexualidade já que estão no mesmo ambiente em que os pais?

Aposte em textos escritos, tanto para leitura quanto para entrega de atividades, para que eles não tenham de falar em voz alta. Além disso, tenha em mente a importância de promover uma Educação voltada ao acolhimento, reconhecendo e valorizando as singularidades e diversidades de cada um, estabelecendo um ambiente de confiança e segurança.

8. O que fazer para não ter uma postura que impõe ideias? 

É importante compreender a complexidade dos assuntos tratados, rompendo com visões reducionistas que privilegiam ou a dimensão intelectual (cognitiva) ou a dimensão afetiva. Assuma uma visão plural e considere os alunos sujeitos da aprendizagem.

9. Preciso combinar com a turma que devemos deixar nossas posições e opiniões partidárias de fora de aulas sobre política?

É papel e responsabilidade da escola trabalhar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo cultural e digital para que os alunos possam entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva. Dessa forma, é importante apresentar o contexto histórico porque abordar esses temas não se trata de ensinar política partidária, mas cidadania. 

10. Existem estratégias respeitosas para tratar de temas polêmicos e tabus?

Sim. Em vez de introduzir o tema diretamente, o que favorece embates, prefira começar tocando o lado emocional dos alunos, exercitando a empatia, e usando manifestações artísticas para iniciar uma problematização. Também vale se apoiar em frases e textos de figuras amplamente validadas e, quando possível, usar jogos e atividades lúdicas.

11. Posso expor minhas opiniões durante a aula?

Sim. O professor precisa se reconhecer e ser visto como cidadão com pontos de vista e posicionamentos políticos e que integra a diversidade de opiniões da turma. Expressar isso dentro dos limites do tema abordado é diferente de tentar convencer o outro de suas opiniões - isso é o que não deve ser feito de modo algum. 


Consultoria: Luciana Hubner, assessora pedagógica escolar e coordenadora pedagógica do Prêmio Educador Nota 10 da Fundação Victor Civita, e Sueli Furlan, professora de Geografia da Universidade de São Paulo (USP).

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