Entrevista

Jon Bergmann: “Não sei como é possível sair-se bem em uma pandemia sem sala de aula invertida”

Um dos criadores da metodologia, o educador americano fala sobre ensino na pandemia e dá sugestões para professores de todo o mundo minimizarem os desafios impostos pela distância da escola

O educador Jon Bergman, um dos principais embaixadores da sala de aula invertida. Foto: Divulgação/Nova Escola



Jon Bergmann levou ao pé da letra suas ideias de interação ao receber o pedido de entrevista do Nova Escola BOX: para responder às perguntas da reportagem, enviadas por e-mail, trocou a linguagem escrita por um vídeo, gravado em seu hábitat natural, a sala de aula (confira um trecho do vídeo legendado abaixo).

Professor de Química há mais de 30 anos nos ensinos Fundamental e Médio, Bergmann é um dos criadores da sala de aula invertida, juntamente com seu colega Aaron Sams. Ao "inverterem" a aula tradicional - com videoaulas para ver em casa e exercícios em aula sob supervisão -, os educadores não só viram as notas subirem, como também tiveram mais tempo para ampliar o repertório de atividades com os alunos.

Embora tenha se tornado uma espécie de embaixador da sala de aula invertida - palestrando sobre o assunto no mundo todo, com sete livros publicados e à frente do Flipped Learning Global Initiative -, Bergmann segue na sala de aula, lecionando no estado americano do Colorado. 

Nesta entrevista, ele divide sua experiência com os alunos durante o ensino remoto imposto pela pandemia e dá sugestões de ferramentas e ações que podem ser usadas por professores de realidades diversas, inclusive no Brasil. 

A despeito da técnica, Bergman é enfático ao defender a importância do vínculo entre professor e aluno para o sucesso da aprendizagem, especialmente no atual contexto de ensino a distância. “No ensino remoto, é tudo sobre relacionamento: se eu puder construir um relacionamento com meus alunos e me conectar com eles, isso fará uma enorme diferença.”

Confira a íntegra da entrevista concedida por Jon Bergmann para NOVA ESCOLA.

NOVA ESCOLA: A sala de aula invertida nasceu da necessidade de elevar o interesse e o engajamento dos alunos nas aulas. Hoje, com o ensino remoto imposto pela pandemia, professores de todo o mundo têm sofrido para manter o interesse de seus alunos. O que fazer? 

Jon Bergmann: A chave é tornar envolvente a aprendizagem invertida. E é possível tornar a aprendizagem pandêmica envolvente. Honestamente, não sei como é possível sair-se bem em um mundo de pandemia sem a aprendizagem invertida. Porque as crianças têm de aprender as coisas, e a grande ideia do uso de aprendizagens invertidas é que elas têm de ser fáceis, um pequeno vídeo para os alunos assistirem ou algo assim. 

É possível introduzir o tópico inicial e, então, no espaço em grupo, que é o tempo da aula, eu expando a aula. Como em uma sala de Zoom síncrona, por exemplo, é aí onde você o envolve.

Alguém disse no Twitter que os “professores invertidos” estão se preparando para a pandemia há 12 anos. Então, de muitas maneiras, quem já usa a sala de aula invertida não está sofrendo um desafio tão grande. É claro que todo este contexto tem sido difícil, muito difícil, mas tem sido mais fácil para professores invertidos do que para os professores que ainda não tinham aplicado a metodologia em suas salas de aula.

É possível fazer uma transposição adequada da sala de aula invertida para o ensino remoto? Como?

Totalmente, eu fiz isso. Acho que uma das principais modificações que eu tive de fazer quando mudei para o aprendizado remoto é que eu estava em um modelo de sala master, então eu tive de voltar um pouco. 

Temos um programa de certificação no learn.flglobal.org e em nosso curso temos uma seção inteira sobre como ensinar on-line. E, obviamente, como estamos numa pandemia, de maneira remota. 

Há duas horas de conteúdo sobre como inverter as aulas on-line, sobre como lidar com isso, como usar a tecnologia, como lidar com o tempo de aula assíncrona e síncrona. A grande resposta é sim, é possível, está sendo feito. Eu conheço professores que estão fazendo e eu mesmo fiz nas minhas aulas.

Como é possível envolver os alunos nas tarefas que antecedem a aula, especialmente considerando o atual contexto de ensino remoto, sem a presença na escola? 

Bem, isso não mudou para mim. Há um software de rastreamento e o uso para saber quem assiste aos vídeos que envio antes das aulas síncronas. Alguns dos mais comuns são PlayPosit, EdPuzzle e o que estou usando atualmente se chama Perusall. Assim eu sei quantos minutos os alunos ficam no conteúdo ou se eles não viram o conteúdo. Hoje mesmo eu mandei e-mails para meus alunos dizendo: "Cara, você não assistiu a este vídeo, então assista!"

Portanto, há maneiras de rastreá-los e continuar sendo legal com eles sobre isso. Eu disse: "Ei, parece que você não fez isso. Como posso ajudá-lo a fazer isso acontecer?" No ensino remoto, é tudo sobre relacionamentos: se eu puder construir um relacionamento com meus alunos e me conectar com eles, isso fará uma enorme diferença.

Você já disse em algumas entrevistas que tudo que existe para ser aprendido pode ser achado no YouTube. Como os professores podem agir para instruir os alunos sobre como diferenciar o que é confiável ou não na internet? 

Honestamente, talvez eu não confie em meus alunos para que eles encontrem o que é bom na internet, mas eu posso encontrar para eles. Sei que algumas coisas que estão no YouTube não são adequadas e acho importante ensiná-los sobre isso. Mas nos conteúdos que ensino, eu é que faço a curadoria, escolho quais fontes eles vão ver. Portanto, acho que há um grande valor em ensinar aos alunos como discernir o que é bom e e o que é ruim na internet, mas se estou ocupado tentando dar uma aula de matemática ou, no meu caso, de física e química, então faço a curadoria. E, na verdade, ainda é a melhor prática de aprendizagem que o professor crie seu próprio conteúdo, pelo menos da perspectiva do vídeo. 

Na verdade, tenho algo a dizer, algo que estou fazendo muito mais este ano: folhear o texto em meus vídeos. E descobri que isso é muito poderoso, os alunos liam em vez de assistir a um vídeo.

Como engajar adolescentes na era da hiperinformação?

É construindo relacionamentos. Há informações em todos os lugares, mas você sabe o que eles desejam? Eles anseiam por relacionamentos, e isso tem sido visto nas últimas semanas desde que voltamos para a escola [nos EUA]. No início, em um modelo híbrido onde víamos as crianças apenas pela metade, metade dos alunos de cada vez. Foi possível notar que eles realmente queriam voltar para a escola. Estamos quase totalmente de volta e eles estão gostando muito mais de estar com os amigos.

Em países desiguais como o Brasil, é comum a falta de acesso à internet e a dispositivos para estudo adequado em casa. Como lidar com esse tipo de situação, considerando o ensino remoto, mas também a situação normal de aulas presenciais?

Não tenho uma boa resposta para isso - eu gostaria de ter. Mas existem algumas maneiras criativas de contornar esse problema. Na Argentina, na província de Misiones, conversei com um professor do K-12 [equivalente ao Fundamental 2 no Brasil]. Seus alunos não têm celular com internet. E o que ele faz? Ele cria um arquivo de áudio, um mp3, e um PDF.  Quando os alunos estão na escola, o professor compartilha o arquivo de áudio e o PDF por bluetooth. No áudio, o professor narra o que os alunos devem fazer com o PDF: "Agora vá para a página três", por exemplo. Não é um arquivo de vídeo e usa muito menos dados ou da capacidade do telefone. Portanto, seus alunos têm acesso muito limitado à tecnologia, mas ele tem sido muito criativo ao resolver esse problema. 

São soluções criativas que temos mas, honestamente, a melhor solução é que o poder público acredite nisso e descubra uma maneira de conseguir acesso das pessoas. É isso que temos de fazer.

Aqui nos Estados Unidos também temos acesso desigual de muitas maneiras. Mas estou impressionado e orgulhoso de muitas de nossas escolas que têm acesso limitado, pois eles descobriram como dar seu acesso às crianças. De modo geral, observamos as exceções, mas se alguma vez houve um momento para o governo intervir e ajudar seus educadores e alunos a fazerem isso acontecer, é agora. Porque aqueles que não o fizerem ficarão muito mais atrás do que já estão. Será muito ruim.

Outro desafio diz respeito aos próprios professores. Muitos ainda resistem a novos métodos de ensino. Como é possível engajá-los na adoção da sala de aula invertida?

Os professores estão aderindo à aprendizagem invertida porque finalmente perceberam que precisam fazê-lo, simplesmente não há outra opção agora, quando falamos sobre a aprendizagem na pandemia. Então, estou realmente esperançoso. Pode apostar no que estou falando: eu acho que em longo prazo as mudanças serão significativas e boas. Mas é claro que o curto prazo é difícil. Então, eu entendo que são muitos os desafios. 

Se pensarmos na Taxonomia de Bloom, os níveis de cognição que Benjamin Bloom criou na década de 1950. O nível mais baixo é lembrar, e então compreender, aplicar, analisar, avaliar, criar. 

Sabemos que quanto mais tempo síncrono você tiver, menos terá para fornecer suporte. Quanto menos você tem, mais tem de fornecer suporte. Então, se eu conseguir ver meus alunos todos os dias, posso passar a maior parte do meu tempo de aula na criação, avaliação e análise. Mas se eu tiver um tempo síncrono muito limitado? 

Na primavera passada [no Hemisfério Norte], quando tivemos a pandemia, passei a ter muito pouco tempo com meus alunos, talvez uma hora por semana em uma sala do Zoom. Então, tive de fornecer mais suporte para as tarefas cognitivas. 

Em minhas aulas tenho usado uma ferramenta que se chama GoFormative, em que é possível embutir um pequeno vídeo explicativo que acompanha a tarefa que os alunos devem fazer. Então, quando eles ficam presos em questões mais difíceis, clicam em play e sou eu dando a eles algumas dicas de como resolver o problema. Portanto, há som saindo de lá e eles podem obter ajuda sobre como resolver o problema. Antes, eu passava a maior parte do meu tempo na aula, certo? Eu andaria pela sala ajudando os alunos um a um. Mas no mundo da pandemia, tenho de fornecer mais apoio no espaço de aprendizagem independente, quando eles estão trabalhando sozinhos. E incorporar vídeos em suas atribuições reais, nas coisas difíceis, faz uma grande diferença em sua compreensão.

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