O papel do professor é acreditar no potencial dos alunos, diz especialista
Na opinião da secretária de Educação Básica do MEC, a BNCC aprofunda e amplia ideias que já estavam contidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), estabelecendo um roteiro claro para o planejamento das aulas
Planejar aulas que articulem os diversos aspectos importantes colocados pela BNCC para a área da Matemática será um desafio para os educadores. Embora concorde com essa afirmação, Katia Smole Stocco, que esteve à frente do Mathema, instituição especializada em pesquisa e desenvolvimento do ensino da Matemática, pondera que, a partir das definições trazidas pela Base, já há um roteiro objetivo do que precisa ser ensinado para se alcançar os resultados esperados no processo de aprendizagem da disciplina. “As habilidades específicas de cada área temática, explicitadas ano a ano, indicam um caminho para a organização das aulas. Mostram o ponto de partida e o de chegada”, afirma a especialista, que assumiu a Secretaria de Educação Básica do MEC em junho de 2018. A seguir, ela comenta outros avanços trazidos pelo documento, bem como o impacto dessas mudanças no dia a dia do professor.
NOVA ESCOLA: A BNCC traz mudanças expressivas em relação aos PCNs no que diz respeito às competências específicas propostas para a área da Matemática?
Katia Stocco Smole: A BNCC traz uma complementação aos PCNs, não necessariamente uma ruptura. A importância da aplicação na sociedade do que se aprende, a Matemática como um sistema abstrato que contém ideias e objetos fundamentais para a compreensão de fenômenos, a construção de representações e argumentações consistentes em diferentes contextos, a matemática como ciência que desenvolve o raciocínio hipotético-dedutivo... Essas ideias já estavam presentes nos PCNs. Em relação ao ensino, ganhou mais peso o conceito de letramento matemático e as competências fundamentais para o seu desenvolvimento: raciocínio, representação, comunicação e argumentação e os processos matemáticos de resolução de problemas, de investigação, de desenvolvimento de projetos e a modelagem (prática de abstrair características de uma situação para criar um modelo e uma representação matemática). É possível perceber que embora a BNCC traga inovações, muitas das competências específicas, com alguma alteração de redação, já estavam previstas nos PCNs.
Qual será o impacto dessas mudanças no trabalho do professor, em sala de aula?
Creio que as habilidades específicas de cada área temática, explicitadas ano a ano, trarão um impacto grande porque indicam um caminho para a organização das aulas. Mostram o ponto de partida e o de chegada e -- o que é importante -- segundo uma lógica de progressão da aprendizagem. A explicitação das expectativas de aprendizagem não era tão evidente nos PCNs e, a meu ver, é bom que se tenha um mapa orientador de aprendizagens esperadas, que é como eu enxergo na Base.
Como conectar tantos objetos de conhecimento a tantas habilidades e garantir que realmente possam ser trabalhados com os alunos?
É muito importante definir os focos da metodologia pela qual a Matemática será ensinada na escola. Não é qualquer metodologia que leva ao letramento matemático e ao desenvolvimento das competências específicas. É preciso um enfoque problematizador, que envolva desafios, que permita estabelecer relações com outras áreas do conhecimento e mesmo o desenvolvimento de projetos. A decisão pela divisão do ensino de Matemática em áreas precisa ser vista como uma opção didática, que envolve uma concepção de ensino e aprendizagem que se contrapõe à tendência de um ensino fragmentado. Embora a organização seja feita por área temática, é essencial assumir que os alunos aprendem fazendo conexões e relações entre diferentes conceitos e procedimentos matemáticos implícitos nessas áreas.
De forma geral, há uma expectativa maior em relação ao que o aluno deve aprender no Ensino Fundamental 1 e 2? Nesse contexto, como devem ser planejadas as aulas?
A aprendizagem do aluno se efetiva se o professor for capaz de organizar o planejamento percebendo as possíveis ligações entre as unidades temáticas, de modo que sua aula ajude os alunos a entenderem como uma se relaciona com outra, auxiliando-os a realizarem sínteses e fechamentos para explicitar as relações percebidas. Nesse sentido, o planejamento das aulas deve ser estruturado de modo que, por meio das atividades e das ações do professor, os alunos associem ideias; percebam que uma tarefa não se restringe a um objetivo limitado; compreendam que uma ideia transita de uma tarefa para outra, de um problema para o outro; possam explorar uma situação, discuti-la, generalizá-la; possam comparar e contrastar procedimentos; possam representar uma situação ou conceito em Matemática de muitas formas diferentes.
Sim, mas era esperado que isso ocorresse quando as expectativas de aprendizagem fossem explicitadas, e que a progressão ficasse mais clara. Além disso, é natural que novas pesquisas e novos conhecimentos sejam incorporados a qualquer processo que envolva renovação curricular, e com a Base não foi diferente. Não vejo nada impossível de se colocar em prática, mas entendo que exigirá estudo, conhecimento e formação dos professores.
O papel do professor muda muito diante desse novo cenário?
O papel do professor continua sendo o de alguém que acredita no potencial dos alunos, que tem altas expectativas sobre a aprendizagem, que planeja bem a aula, que conduz na sala um ambiente desafiador, mas estimulante. Hoje, há muitos estudos mostrando aspectos do trabalho docente como um grande agente que articula e faz a mediação da aprendizagem. Mas o professor também precisa estudar, precisa de apoio, de incentivo e valorização, para que consiga fazer tudo que se espera dele. Não dá para achar que a Base resolverá os problemas da Educação Matemática no Brasil. Ainda há muito por fazer.
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