Folclore em tempos de pandemia: o que fazer no ensino remoto
Sugestões e estratégias para trabalhar com o folclore mesmo a distância
Se, por um lado, o segundo ano da pandemia de covid encontrou escolas, professores e alunos mais adaptados ao ambiente virtual e às ferramentas digitais de aprendizagem, por outro há o desafio de renovar o interesse diante de olhos já cansados das telinhas de computador ou dos celulares, os novos locais de encontro dos estudantes.
Nossos consultores apontam alguns caminhos para manter atenção acesa em seus alunos ao abordar o folclore, mesmo com o cansaço acumulado. Se na maioria das situações ainda não é possível o retorno presencial, ou mesmo híbrido, a aposta no fascínio da palavra contada ou cantada pode ser o caminho para que as aulas sobre a cultura popular não percam a alegria e a espontaneidade que a caracterizam.
5 dicas para levar o folclore para sua aula (virtual ou presencial)
- Aproprie-se da história, largue o registro do livro e conte-a do seu jeito.
- Busque mais de uma versão de uma história, para mostrar que não há uma “verdadeira” e outra “falsa”.
- Trate as histórias e personagens do folclore com o mesmo respeito que merecem as histórias e personagens da literatura tradicional.
- Vá além dos mitos e lendas tradicionais, explorando também a riqueza das danças, músicas, brincadeiras, parlendas, adivinhas, ditos e causos.
- Estimule a turma a conhecer novas histórias que, na verdade, não são novas, mas precisam ser renovadas.
Aposte na oralidade
Como o folclore tem como uma de suas principais características a oralidade, isso pode ajudar a trazer novas dinâmicas didáticas em tempos de aulas virtuais. Afinal, a arte de contar histórias, tão antiga quanto a humanidade, só precisa de um bom contador (e a puxar essa fila está o professor ou professora) e ouvintes atentos – que ficarão mais atentos se a história for boa, e bem contada.
Mesmo em uma sala on-line, é possível ao docente preservar esse lado essencial da cultura popular. Com a experiência de contar histórias em muitas escolas ao longo de sua carreira, a escritora e pesquisadora de folclore Januária Cristina Alves aconselha que o contador se aproprie da história e a conte do seu jeito, mantendo o espírito da narrativa, não as mesmas palavras do suporte escrito de onde ela foi extraída. Ou seja, leia e releia até que a narrativa ganhe vida própria na sua boca.
“Há uma magia em contar histórias de folclore porque não há uma versão correta. É aquela história de ‘quem conta um conto aumenta um ponto’. O professor pode colocar um detalhe que possa interessar aos alunos, inserir alguém na história que eles conheçam, um colega, a moça da cantina”, sugere.
Andriolli Costa, pesquisador responsável pelo blog Colecionador de Sacis, lembra que sua avó costumava juntar o tio às aventuras de Pedro Malasartes, o que sempre foi motivo de espanto para ele. “Mas, antes de tudo, é preciso se apaixonar pela história”, recomenda Januária. “Quando eu faço oficinas de formação com professores, gosto de repetir uma frase que ouvi de um professor meu: ‘Ninguém leva o outro em algum lugar onde nunca esteve’.''
Quem fala sem travar a língua?
Além da contação de histórias, que também pode ser feita pelas crianças com as narrativas trazidas de suas famílias, outra atividade capaz de eletrizar a turma, especialmente os mais novos, é uma competição de adivinhas ou de desempenho em trava-línguas. Para isso, basta separar os grupos, estabelecer um critério de votação entre a turma e lançar os desafios.
Proximidade e diversidade: dois caminhos
E qual critério adotar na hora de trazer as histórias de folclore para a sala de aula, seja ela presencial, seja virtual: é melhor partir das personagens e lendas já conhecidas das crianças, e compartilhadas por seus pais e avós, ou nessa hora o melhor a ser feito é abrir o caldeirão da diversidade e deixar que a turma descubra com quantos mitos e lendas se faz o folclore de um país?
Para Andriolli Costa, os dois caminhos não deveriam ser excludentes.
“Entender a diversidade é importante no mundo da cultura porque é muito comum a gente ver nas redes sociais pessoas se digladiando sem motivo e dizendo ‘esse costume é meu’, ‘essa receita é desse jeito’, ‘a música certa que a minha avó cantava é essa...’, o que não faz sentido, porque tudo é tradição, e tem sua potência cultural simbólica. Quando entendemos a diversidade, conseguimos compreender que é preciso respeito mútuo, pela nossa cultura e pela cultura do outro”, comenta, exemplificando que essa discussão sobre a verdade pode ajudar os alunos a entenderem que não há um saci de verdade.
“Há vários sacis, são plurais. Não há um verdadeiro saci, mas o que existe de verdade é o mito do saci.” Aliás, no blog do jornalista, Colecionador de Sacis, há uma seção inteiramente dedicada às dezenas de representações da personagem mais destacada do nosso folclore.
Por outro lado, Andriolli salienta que quando se trabalha localmente, cria-se proximidade com o tema. “Se o professor ou professora está precisando introduzir o assunto, é bem interessante começar localmente, seja puxando dos alunos as histórias que eles já conhecem, seja coletando junto aos seus familiares histórias que, muitas vezes, estão restritas a determinado bairro ou região. Isso vai funcionar bem para mitos e lendas urbanas, aquela lenda do fantasma que está na igreja tal, a assombração no cemitério tal. A própria loira do banheiro, que é típica lenda urbana, tem muitas variações. Essas histórias não estão na mídia, mas circulam pelo povo. Assim, começando pelas histórias locais, depois pode-se ampliar a conversa para a diversidade nacional e, paralelamente, levantar uma discussão sobre a ‘verdade’ dos mitos”, propõe.
Januária Cristina Alves concorda que a proximidade gera maior engajamento: “As histórias do folclore são um excelente instrumento para aproximar as gerações. Pedir pro avô, pra avó ou pros pais contarem uma história da infância deles, fazer uma pesquisa com gente mais velha na comunidade, tudo isso vai promovendo a percepção de que essas histórias não são minhas ou suas, mas são um patrimônio de todos nós”.
Em um segundo momento, Januária também recomenda mostrar a diversidade do folclore: “Há lendas que são muito fortes em determinadas regiões, como o negrinho do pastoreio na Região Sul ou o boto na Amazônia. Cada personagem tem muito a ver com o contexto, até mesmo geográfico. Uma história não circula em determinada região por acaso, mas porque encontrou ali terreno fértil”, reflete.
Para saber mais | Referências para ampliar o repertório sobre folclore
Para compreender o folclore brasileiro, há um autor inescapável: o pesquisador potiguar Luís da Câmara Cascudo, que tem vasta obra e para diversos tipos de leitores e leituras. Andriolli Costa recomenda começar por Literatura Oral no Brasil: “Esse é um livro onde Câmara Cascudo vai trabalhar conceitos, o que é literatura oral, o que é dança, o que são mitos, lendas, o que diferencia isso de causo, vai ser bem didática a leitura desse livro. Depois desse, eu indico Geografia dos Mitos do Brasil”. Nessa obra, o folclorista seleciona o que há de mais representativo por região, traçando também as possíveis origens das histórias.
Outro autor importante, cuja obra se encontra disponível na internet graças ao esforço de seus descendentes, é o folclorista pernambucano Mário Souto Maior. “Funciona como um intrigante almanaque de curiosidades que pode estimular bastante os alunos. Ele tem um texto muito divertido e enxuto, e além de livros sobre lendas e mitos, também publicou volumes de medicina popular, inclusive alguns sobre as proibições, os ‘não pode’ da cultura popular. Por exemplo, aquela que diz que uma mulher quando está menstruada não pode passar por cima de lixo porque atrairia uma energia ruim, aumentando suas cólicas”, comenta Andriolli.
Na pesquisa de seu Abecedário, Januária Cristina Alves também mergulhou nas pesquisas de outro folclorista, o paulista Lindolfo Gomes, autor de Contos Populares Brasileiros (Melhoramentos). E de Câmara Cascudo, seu favorito é Lendas Brasileiras (Global).
Por fim, a escritora acrescenta outro autor à lista de indicações, um escritor e dramaturgo que bebeu nas águas da cultura popular: “O professor que se interessa pelo assunto deveria conhecer a obra do Ariano Suassuna, que está impregnada de elementos do folclore, como, por exemplo, O Auto da Compadecida. Ele dizia que as suas histórias nasceram na mesa do bar em Itaperoá, que depois ele recontava em seus livros. A editora Nova Fronteira está reeditando a obra de Ariano, com ilustrações do filho dele, maravilhosas”, recomenda.
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