ECONOMIA

Como abordar recessão e desemprego nas aulas de Geografia e Matemática

A crise econômica causada pela pandemia de covid-19 deve marcar o noticiário ao longo de 2021. Por isso, merece espaço no planejamento do próximo ano letivo

As consequências da crise deflagrada pela pandemia de covid-19 em 2020 serão sentidas fortemente ao longo de 2021. Espera-se que a atual crise mundial seja a maior desde a Segunda Guerra Mundial, e temas como recessão, desemprego, equilíbrio fiscal e dificuldades no comércio exterior devem manter presença constante nos veículos de comunicação.

Para o economista Joelson Sampaio, coordenador do curso de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV), “o maior desafio para o Brasil é recuperar o crescimento, debilitado mesmo antes da pandemia”. O principal efeito da retração econômica é justamente o desemprego, que atinge diretamente as famílias e, por consequência, toda a comunidade escolar.

Para se ter uma ideia do tamanho do tombo, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, que é a soma de todas as riquezas produzidas pelo país ao longo de um ano, cresceu 7,7% no 3º trimestre de 2020 na comparação com os três meses imediatamente anteriores, confirmando a saída do país da chamada "recessão técnica", quando há dois trimestres consecutivos de queda. No entanto, as consequências da paralisação da economia ficam claras no comparativo anual, medida mais precisa para diagnosticar os efeitos da pandemia sobre a economia. Em relação ao terceiro trimestre de 2019, o PIB registrou queda de 3,9%, a terceira retração seguida nessa base de comparação. 

Isoladamente, o resultado do terceiro trimestre reverteu parte das perdas com a pandemia, mas a alta foi insuficiente para compensar o colapso do segundo trimestre (-9,6%). Resultado: um desemprego recorde de 14,6%, de acordo com os números mais recentes do IBGE. Mais: chegou a 5,9 milhões o número de desalentados, aqueles que desistiram de procurar trabalho por falta de oportunidades e, portanto, não aparecem mais nas estatísticas de desemprego. Se a participação da população em idade ativa fosse a mesma do ano passado, a taxa de desemprego seria de 24,12%.

Não é preciso enfileirar mais números para concluir que a preocupação com a economia estará na ordem do dia. E se ela é um problema da sociedade, que atinge em cheio o dia a dia dos estudantes, precisa estar na escola. Mas como fazer isso na prática? Temas como crescimento ou retração da economia e desemprego não aparecem de modo explícito na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), mas há muitas habilidades em que essas questões podem ser trabalhadas, especialmente em Geografia e Matemática.

Por isso, NOVA ESCOLA mapeou, com a ajuda de especialistas, as habilidades propostas no documento que dialogam com esse tema. Elas devem ser desenvolvidas independentemente do contexto, mas aproveitar o noticiário e os problemas reais é estratégia poderosa. Vejamos?

COMO ABORDAR RECESSÃO E DESEMPREGO COM ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL 2

Habilidades da BNCC de Geografia e Matemática podem ser desenvolvidas a partir do tema em 2021


BNCC de Geografia e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas

Como trabalhar:

Murilo Rossi, professor de Geografia do Time de Autores de NOVA ESCOLA, lembra que o processo de ensino e aprendizagem na BNCC é contínuo e, ao pensar no Ensino Fundamental 2 e no Médio, há processos cognitivos que precisam ser despertados desde os anos iniciais, como as habilidades de se localizar no espaço e reconhecer distâncias, por exemplo. “Isso é premissa, pois temas como recessão econômica e desemprego são abstratos e subjetivos. Apesar de fazer parte da realidade e do cotidiano das pessoas, muitas coisas precisam vir antes dessa aprendizagem. Trabalhar habilidade por habilidade vira 'conteudismo'. É importante a integração”, defende. 

Por isso, a sugestão é observar as unidades temáticas, que reúnem um conjunto de habilidades necessárias para alcançar os objetivos propostos. A unidade Mundo do Trabalho, por exemplo, está presente na BNCC do 6º ao 9º ano. No 7º ano, destaque para a habilidade EF07GE05. Já no 8º ano, o tema pode ser abordado em EF08GE20, na unidade Natureza, Ambientes e Qualidade de Vida. Recessão também dialoga com temas como população, urbanismo, aspectos políticos e econômicos e desigualdades, presente no 9º ano na EF09GE12 (O texto de cada habilidade está disponível na íntegra, mais adiante).

É importante também sempre trabalhar os métodos e instrumentos. Como são temas que demandam uma escala de abordagem territorial, os alunos precisam ter contato com mapas e gráficos. No 7º ano, as habilidades EF07GE09 e EF07GE10 propõem basicamente trabalhar com mapas temáticos e históricos. Atenção: a ideia não é que os estudantes só interpretem, mas elaborem mapas - o que é considerado superimportante por Murilo porque faz com que o aluno se aproprie da ideia de território e desenvolva a capacidade de imaginá-los e desenhá-los em outra escala. Entram aí também a elaboração e a interpretação de gráficos de toda ordem. São bases para começar a compreender as questões econômicas.

No Ensino Médio, o componente curricular avança para temas norteadores, conceitos e categorias. Por isso, o aluno precisa compreender processos de territorialização e regionalização para, assim, entender os problemas da economia mundial e regional. Esta etapa traz uma diversidade de temas para chegar na questão da recessão econômica, o que permite ao aluno pensar quais são as estruturas que levam a uma recessão, e como a recessão traz o desemprego. “Não tem como a gente falar em recessão econômica e desemprego sem falar de desigualdade social e fluxo populacional. É preciso abordar cartográfica e graficamente esses temas para depois trabalhar nos temas que levem à recessão econômica e ao desemprego”, explica Murilo. 

Nesse sentido, a competência específica 4 da BNCC do Ensino Médio é fundamental, com destaque para as habilidades EM13CHS402 e EM13CHS404. “Vale destacar como o trabalho era antigamente e como ele é agora e entender que, a partir de um desemprego estrutural baixo, não há recessão econômica”, sugere o especialista Murilo Rossi, que destaca, ainda, as habilidades EM13CHS201 e EM13CHS202.

Dicas práticas para trabalhar o assunto:

- Trabalhe a cartografia, mas não no sentido convencional. É importante que o aluno elabore mapas e tenha formação espacial.
- Proponha atividades de conhecimento prévio, como mapas mentais da casa para a escola. Isso é importante para o diagnóstico da turma.
- Nos anos finais do Fundamental 2, é possível partir para os mapas temáticos. Dê oportunidade ao aluno tocar o mapa, escrever, pintar, sempre com sentido, mas para que o mapa não seja algo distante.
- Proponha a construção de gráficos a partir de 3D, o que pode ser feito com papelão ou com o uso de ferramentas digitais, quando houver acesso.
- Torne o aluno protagonista da aprendizagem: o que é desemprego para você? E recessão, o que é? Interaja como mediador ao estilo socioconstrutivista. A partir da realidade do aluno é possível propor atividades, por exemplo, em roda de contação de história, de elaboração de textos verbais e não verbais e depois montar uma exposição para que as histórias desses alunos sejam contadas. É uma experiência rica para fazer imersão dos alunos na temática.

Planos de Aula NOVA ESCOLA relacionados ao assunto:

- Sequência de 5 Planos de Aula - 7º ano - Aspectos demográficos do Brasil
- Sequência de 5 Planos de Aula - 8º ano - Regionalização com base em dados socioespaciais
- Plano de Aula - 9º ano - Urbanização, desemprego estrutural e desindustrialização
- Sequência de 10 Planos de Aula - 7º ano - Alfabetização cartográfica e análise da constituição do território brasileiro

Habilidade da BNCC de Geografia e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas relacionadas:

- No Ensino Fundamental 2

7º ano

EF07GE05 - Analisar fatos e situações representativas das alterações ocorridas entre o período mercantilista e o advento do capitalismo.

EF07GE09 - Interpretar e elaborar mapas temáticos e históricos, inclusive utilizando tecnologias digitais, com informações demográficas e econômicas do Brasil (cartogramas), identificando padrões espaciais, regionalizações e analogias espaciais.

EF07GE10 - Elaborar e interpretar gráficos de barras, gráficos de setores e histogramas, com base em dados socioeconômicos das regiões brasileiras.

8º ano

EF08GE20 - Analisar características de países e grupos de países da América e da África no que se refere aos aspectos populacionais, urbanos, políticos e econômicos e discutir as desigualdades sociais e econômicas e as pressões sobre a natureza e suas riquezas (sua apropriação e valoração na produção e circulação), o que resulta na espoliação desses povos.

9º ano

EF09GE12 - Relacionar o processo de urbanização às transformações da produção agropecuária, à expansão do desemprego estrutural e ao papel crescente do capital financeiro em diferentes países, com destaque para o Brasil.

- No Ensino Médio

1º ao 3º ano

EM13CHS402 - Analisar e comparar indicadores de emprego, trabalho e renda em diferentes espaços, escalas e tempos, associando-os a processos de estratificação e desigualdade socioeconômica.

EM13CHS404 - Identificar e discutir os múltiplos aspectos do trabalho em diferentes circunstâncias e contextos históricos e/ou geográficos e seus efeitos sobre as gerações, em especial, os jovens, levando em consideração, na atualidade, as transformações técnicas, tecnológicas e informacionais.

EM13CHS201 - Analisar e caracterizar as dinâmicas das populações, das mercadorias e do capital nos diversos continentes, com destaque para a mobilidade e a fixação de pessoas, grupos humanos e povos, em razão de eventos naturais, políticos, econômicos, sociais, religiosos e culturais, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a esses processos e às possíveis relações entre eles.

EM13CHS202 - Analisar e avaliar os impactos das tecnologias na estruturação e nas dinâmicas de grupos, povos e sociedades contemporâneos (fluxos populacionais, financeiros, de mercadorias, de informações, de valores éticos e culturais etc.), bem como suas interferências nas decisões políticas, sociais, ambientais, econômicas e culturais.


BNCC de Matemática

Como trabalhar:

O primeiro passo é lembrar que tanto variação do PIB quanto desemprego geram índices, que exigem conhecimento matemático do leitor para que ele compreenda os dados. “Quem não consegue ler a informação matemática não consegue compreender o que está sendo tratado”, explica Fernando Barnabé, professor de Matemática do Time de Autores de NOVA ESCOLA. “O aluno precisa de uma base para isso e a gente constrói essa base desde os anos iniciais. Quem não consegue compreender esse tipo de dado num jornal ou na tevê não teve, muito provavelmente, uma base matemática suficiente.”

O professor Fernando defende, ainda, a necessidade de um diálogo entre a Matemática e as outras áreas do conhecimento, principalmente a geopolítica, pois só assim os alunos poderão compreender as aplicações práticas do conhecimento matemático em discussões como o porquê de uma região crescer mais do que outra, por exemplo. “Se o professor não conseguir fazer esse diálogo, fica rendido”, afirma o docente. 

Na BNCC do Ensino Fundamental 2, Fernando elenca as habilidades EF06MA31, EF06MA32, EF07MA36, EF07MA37, EF08MA26 e EF09MA21 como essenciais (o texto de cada habilidade, na íntegra, está disponível mais adiante). Para o Ensino Médio, destaque para as competências específicas 2, 3 e 4

O professor de Matemática Cícero dos Santos, do Time de Autores de NOVA ESCOLA, menciona também as habilidades EF07MA02 e EF09MA05, dos anos finais do Ensino Fundamental. “[Neste trecho do documento] aparecem as habilidades relacionadas à matemática financeira, sobre juros, porcentagem e gráficos. É possível trabalhar estatística e leitura de gráficos também na questão do crescimento do PIB, trazendo a notícias para a sala de aula”, sugere.

Dicas práticas para trabalhar o assunto:

- Trabalhe com dados numéricos de PIB e desemprego. Como no Brasil esses dados são na milhões, é possível usá-los a partir do 5º ano. Se necessário, simplifique dados para torná-los mais acessíveis.
- Prefira as informações oficiais direto da fonte, como o IBGE. Isso é particularmente importante para não cair em fake news ou gráficos manipulados.
- Proponha pesquisas que extrapolem os dados oficiais. É possível, por meio do Google Formulários, aplicar um questionário para medir o desemprego nas famílias dos alunos. Esses dados podem ser transformados em gráficos e tabelas, e os números, comparados aos dados amplos oficiais.
- Proponha uma pesquisa sobre o crescimento econômico da cidade. Com base nesses dados, os alunos podem elaborar seus próprios gráficos e tabelas.
- Leve os estudantes para fazer pesquisa de preço. Com produtos em oferta, é possível fazer cálculos que mostram se o desconto é real. Inflação e juros podem ser vinculados ao tema da recessão econômica. 

Planos de Aula NOVA ESCOLA relacionados ao assunto:

- Sequência de 5 Planos de Aula - 6º ano - Trabalhando com Estatísticas
- Sequência de 5 Planos de Aula - 7º ano - Pesquisar é preciso!
- Sequência de 5 Planos de Aula - 7º ano - Aprendendo com gráficos de setores
- Sequência de 5 Planos de Aula - 8º ano - Coleta, agrupamento e análise de dados de pesquisa
- Sequência de 5 Planos de Aula - 9º ano - Gráficos: barras, linhas, setores, histogramas

Habilidade da BNCC de Matemática:

- No Ensino Fundamental 2:

6º ano

EF06MA31 - Identificar as variáveis e suas frequências e os elementos constitutivos (título, eixos, legendas, fontes e datas) em diferentes tipos de gráfico.

EF06MA32 - Interpretar e resolver situações que envolvam dados de pesquisas sobre contextos ambientais, sustentabilidade, trânsito e consumo responsável, entre outros, apresentadas pela mídia em tabelas e em diferentes tipos de gráficos e redigir textos escritos com o objetivo de sintetizar conclusões.

7º ano

EF07MA36 - Planejar e realizar pesquisa envolvendo tema da realidade social, identificando a necessidade de ser censitária ou de usar amostra, e interpretar os dados para comunicá-los por meio de relatório escrito, tabelas e gráficos, com o apoio de planilhas eletrônicas.

EF07MA37 - Interpretar e analisar dados apresentados em gráfico de setores divulgados pela mídia e compreender quando é possível ou conveniente sua utilização.

8º ano

EF08MA26 - Selecionar razões, de diferentes naturezas (física, ética ou econômica), que justificam a realização de pesquisas amostrais e não censitárias, e reconhecer que a seleção da amostra pode ser feita de diferentes maneiras (amostra casual simples, sistemática e estratificada).

PARA SABER MAIS:

O Estado e a pandemia
Disponível em: https://tab.uol.com.br/edicao/estado-e-pandemia/#page1

Reportagem especial do UOL TAB que discute de que maneira os governos de todo o mundo podem usar políticas econômicas de Estado para lidar com a crise provocada pelo novo coronavírus.

Ilustrações: Veridiana Scarpelli/NOVA ESCOLA

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