Mesmo sem eleição, fake news e desinformação serão temas em 2021
A escola tem papel fundamental no combate às notícias falsas, que em 2021 devem continuar a ter como alvo a pandemia. Língua Portuguesa é território rico para abordar o tema
O ano de 2021 não haverá eleições, terreno já tradicionalmente fértil para a proliferação de desinformação e fake news. Mas isso não quer dizer que o tema não deva continuar presente na sala de aula. As disputas políticas em torno da pandemia - e agora da vacina contra o coronavírus - têm sido alvos constantes desse tipo de ação, seja por má-fé, como é o caso das fake news fabricadas para causar confusão, seja pelo compartilhamento descuidado, nas redes sociais, de conteúdo questionável.
Tathiana Chicarino é cientista política do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política (Neamp) da PUC-SP. Tathiana trabalha com o tema da desinformação nas eleições já há alguns pleitos e, neste ano, a pesquisa apontou que durante as eleições municipais circularam menos notícias falsas do que em eventos anteriores, como as eleições presidenciais de 2018. “Mas a pandemia é um assunto muito sensível para a desinformação, então a questão das vacinas deverá acirrar isso”, afirma.
Ela explica que o processo de desinformação tem três passos: quem produz o conteúdo, quem dissemina e os que funcionam como efeito-demonstração, em geral influenciadores nas redes sociais, jornalistas e políticos. "Quando se tem esses três passos, há uma reiteração da desinformação, e ela começa a circular de forma mais intensa", explica.
Em relação à pandemia, por exemplo, há memes que circulam intensamente com informações absurdas do ponto de vista científico, mas aquilo vai sendo reiterado, fomentando a desconfiança de quem é impactado por aquela desinformação. “Aí, mesmo quando um órgão como a Organização Mundial da Saúde, ou um médico reconhecido, por meio da imprensa tradicional, desmentem, essa desconfiança em relação à Ciência já está dada.”
Na escola, a sugestão de Tathiana é trabalhar os instrumentos de checagem. “As pessoas sabem o que é checagem, mas como transformar isso em uma checagem qualificada?”, questiona. Por isso, para ela, é importante um entendimento das redes sociais, de como funciona o Google e o que são os algoritmos.
Educação midiática é um guarda-chuva bastante amplo, explica Daniela Machado, coordenadora do Programa de Educação Midiática (EducaMídia). Segundo ela, o combate à desinformação e o entendimento do que é fake news formam um pilar bastante relevante, mas não são os únicos tipos de ação dentro da educação midiática.
É importante pensar também na construção de habilidades para autoexpressão (como se colocar nas redes sociais, por exemplo) e no combate ao discurso de ódio. “Nesse sentido, o que a gente tem demonstrado é que embora se encontrem algumas oportunidades mais claras na BNCC, por exemplo, no campo jornalístico-midiático, em Língua Portuguesa, a educação midiática pode e deveria ser incorporada por todas as áreas. Se você está em dúvida sobre por onde começar, comece pela sua aula”, sugere Daniela Machado.
Para ajudar você a se inspirar a planejar boas aulas, NOVA ESCOLA colheu ideias com as especialistas Daniela Machado, do EducaMídia, e Daniela Vieira, professora do Time de Autores de NOVA ESCOLA. Além disso, buscamos na Base as habilidades que podem ser desenvolvidas a partir do assunto.
COMO ABORDAR FAKE NEWS E TEMAS DE POLÍTICA
Habilidades da BNCC de Língua Portuguesa concentram-se no campo jornalístico-midiático
Fake News e Educação midiática, em Língua Portuguesa
Como trabalhar:
Para a professora de Língua Portuguesa Daniela Vieira, do Time de Autores de NOVA ESCOLA, o trabalho pedagógico com Educação midiática pode ser desenvolvido já nos últimos anos do Ensino Fundamental 1 e ser explorado de maneira mais pormenorizada no Fundamental 2 e no Ensino Médio. Para esse último, a BNCC conta com um campo inteiro para abordar a educação midiática em Língua Portuguesa, o campo jornalístico-midiático. Lá, se destacam as habilidades EM13LP14, EM13LP34, EM13LP37 e EM13LP42 (o texto na íntegra destas e de outras habilidades sugeridas está disponível mais adiante).
Dicas práticas para trabalhar o assunto:
- Explore os conhecimentos prévios dos educandos a respeito das fake news. Isso pode ser feito, por exemplo, por meio de conversas com a turma.
- Leve para a sala de aula exemplos de notícias falsas e proponha aos alunos uma comparação entre essas e as notícias verdadeiras sobre o mesmo fato. Durante a leitura, incentive os alunos a refletirem sobre ela, a problematizá-la e a desconfiar, já que as notícias falsas estão cada vez mais sofisticadas e, portanto, cada vez mais semelhantes às verdadeiras. Oriente-os a não curtirem nem compartilharem uma notícia sem haver certificação de sua veracidade.
- Apresente agências de checagem de notícias aos alunos (como, por exemplo, Aos Fatos, Comprova, Agência Lupa, ligada ao Grupo Folha, e Fato ou Fake, do Grupo Globo), para que eles mesmos possam utilizá-las sempre que precisarem verificar a autenticidade de informações. Esclareça, porém, que qualquer texto precisa ser lido criticamente, incluindo os dessas agências.
- Na hora de falar em desinformação, não leve exemplos que possam polarizar demais a discussão, desviando o tema e afastando alguns da reflexão. Prefira exemplos internacionais ou do campo da ciência, e não propriamente da política. Com o tempo, a turma saberá usar as habilidades desenvolvidas para analisar notícias sobre qualquer assunto.
- Porém, se o assunto é mesmo política, tema sempre muito polêmico, estimule o debate sobre diferentes pontos de vista a partir da leitura de diversas notícias e, ao mesmo tempo, explique aos estudantes a importância de respeitar os diversos posicionamentos políticos.
- Oriente os alunos a selecionarem notícias de fontes fidedignas (jornais, revistas e periódicos impressos e/ou on-line renomados), para que se mantenham informados de acontecimentos políticos nacionais e internacionais e de outros assuntos que interessem a eles.
- Como os alunos, especialmente os adolescentes, têm mais acesso à internet e também são produtores de conteúdo, estimule a criação de campanhas em redes sociais. Promova a reflexão sobre a responsabilidade de serem produtores de conteúdo.
- Incentive o acompanhamento de hashtags de temas importantes no Twitter. É uma maneira que a turma tem de ficar por dentro de problemas e discussões da sociedade. E, mais uma vez, os jovens podem criar hashtags que mobilizem a escola ou o bairro em torno de uma demanda específica.
- Proponha a criação de memes e gifs para chamar atenção para alguma questão pertinente aos alunos. É uma oportunidade para tratar de uso de imagem e direitos autorais.
Planos de Aula NOVA ESCOLA relacionados ao assunto:
- Plano de aula - 4º ano - Fake News: como trabalhar em sala de aula
- Plano de Aula - 5º ano - Compreensão leitora
- Plano de Aula - 5º ano - Fake news: notícias criadas e falseadas
- Plano de aula - 7º ano - Notícia on-line: discussão sobre fake news
- Plano de Aula - 9º ano - Editorial: contexto de produção e de circulação
- Sequência de 15 Planos de Aula - 2º ano - Manchetes e lides em notícias
- Sequência de 15 Planos de Aula - 6º ano - Notícias de esporte impressas, no rádio ou na TV
Habilidades da BNCC de Língua Portuguesa:
- No Ensino Fundamental 1
1º ao 5º ano
EF15LP01 - Identificar a função social de textos que circulam em campos da vida social dos quais participa cotidianamente (a casa, a rua, a comunidade, a escola) e nas mídias impressa, de massa e digital, reconhecendo para que foram produzidos, onde circulam, quem os produziu e a quem se destinam.
1º e 2º ano
EF12LP08 - Ler e compreender, em colaboração com os colegas e com a ajuda do professor, fotolegendas em notícias, manchetes e lides em notícias, álbum de fotos digital noticioso e notícias curtas para público infantil, dentre outros gêneros do campo jornalístico, considerando a situação comunicativa e o tema/assunto do texto.
5º ano
EF05LP16 - Comparar informações sobre um mesmo fato veiculadas em diferentes mídias e concluir sobre qual é mais confiável e por quê.
EF05LP18 - Roteirizar, produzir e editar vídeo para vlogs argumentativos sobre produtos de mídia para público infantil (filmes, desenhos animados, HQs, games etc.), com base em conhecimentos sobre os mesmos, de acordo com as convenções do gênero e considerando a situação comunicativa e o tema/assunto/finalidade do texto.
EF05LP19 - Argumentar oralmente sobre acontecimentos de interesse social, com base em conhecimentos sobre fatos divulgados em TV, rádio, mídia impressa e digital, respeitando pontos de vista diferentes.
- No Ensino Fundamental 2
6º ao 9º ano
EF69LP06 - Produzir e publicar notícias, fotodenúncias, fotorreportagens, reportagens, reportagens multimidiáticas, infográficos, podcasts noticiosos, entrevistas, cartas de leitor, comentários, artigos de opinião de interesse local ou global, textos de apresentação e apreciação de produção cultural – resenhas e outros próprios das formas de expressão das culturas juvenis, tais como vlogs e podcasts culturais, gameplay, detonado etc. – e cartazes, anúncios, propagandas, spots e jingles de campanhas sociais, dentre outros em várias mídias, vivenciando de forma significativa o papel de repórter, de comentador, de analista, de crítico, de editor ou articulista, de booktuber, de vlogger (vlogueiro) etc., como forma de compreender as condições de produção que envolvem a circulação desses textos e poder participar e vislumbrar possibilidades de participação nas práticas de linguagem do campo jornalístico e do campo midiático de forma ética e responsável, levando-se em consideração o contexto da Web 2.0, que amplia a possibilidade de circulação desses textos e “funde” os papéis de leitor e autor, de consumidor e produtor.
EF69LP17 - Perceber e analisar os recursos estilísticos e semióticos dos gêneros jornalísticos e publicitários, os aspectos relativos ao tratamento da informação em notícias, como a ordenação dos eventos, as escolhas lexicais, o efeito de imparcialidade do relato, a morfologia do verbo, em textos noticiosos e argumentativos, reconhecendo marcas de pessoa, número, tempo, modo, a distribuição dos verbos nos gêneros textuais (por exemplo, as formas de pretérito em relatos; as formas de presente e futuro em gêneros argumentativos; as formas de imperativo em gêneros publicitários), o uso de recursos persuasivos em textos argumentativos diversos (como a elaboração do título, escolhas lexicais, construções metafóricas, a explicitação ou a ocultação de fontes de informação) e as estratégias de persuasão e apelo ao consumo com os recursos linguístico-discursivos utilizados (tempo verbal, jogos de palavras, metáforas, imagens).
6º ano
EF06LP02 - Estabelecer relação entre os diferentes gêneros jornalísticos, compreendendo a centralidade da notícia.
6º e 7º ano
EF67LP03 - Comparar informações sobre um mesmo fato divulgadas em diferentes veículos e mídias, analisando e avaliando a confiabilidade.
8º e 9º ano
EF89LP01 - Analisar os interesses que movem o campo jornalístico, os efeitos das novas tecnologias no campo e as condições que fazem da informação uma mercadoria, de forma a poder desenvolver uma atitude crítica ante os textos jornalísticos.
EF89LP24 - Realizar pesquisa, estabelecendo o recorte das questões, usando fontes abertas e confiáveis.
Consciência política e os Três Poderes, em História
Como trabalhar:
Assim como desinformação e fake news não se restringem às eleições, o noticiário político promete manter-se quente e ser uma boa fonte de temas para tratar de política na sala de aula. E como a compreensão do noticiário também é parte da Educação midiática, trazê-lo para a aprendizagem é importante.
No momento, estão em pauta na mídia a disputa entre estados e governo federal pelo início da vacinação contra a covid-19, a votação no Supremo Tribunal Federal (STF) que negou a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e uma reação do Congresso contra a lentidão do governo federal em criar um plano de vacinação: uma Medida Provisória do Legislativo que obrigaria o Ministério da Saúde a comprar e distribuir aos estados e municípios todos os imunizantes aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Esses temas mostram clara disputa entre os Poderes e a necessidade de um entendimento pleno deles por parte dos alunos.
Elemento fundante da democracia, o funcionamento dos Três Poderes é tema constante nas aulas de História de Jair Ferreira, do Time de Autores de NOVA ESCOLA. “É o principal assunto da História. É obrigatório tratar do tema sempre. Nos anos iniciais, quando estudamos Grécia e Democracia, obrigatoriamente o professor tem de falar como funciona no Brasil. No 8º ano tem o Iluminismo, é o espírito das leis e dos Três Poderes que vai ser explicado de novo. No Ensino Médio é a mesma coisa. É o único conteúdo que eu dou todo ano”, reforça Jair.
Dicas práticas para trabalhar o assunto:
- Em salas do 4º e do 5º ano, divida a sala e crie partidos políticos com causas específicas, como partido do meio ambiente, do transporte, da cultura, da saúde, da segurança. Cada grupo cria um projeto de lei dentro da sua temática e o defende para os demais.
- Algumas cidades e estados contam com Parlamento jovem. Conhecer suas atividades e até mesmo estimular a participação dos alunos pode ser bastante interessante para a compreensão na prática do Legislativo.
Planos de Aula NOVA ESCOLA relacionados ao assunto:
- Sequência de 5 Planos de Aula - 5º ano - Formas de ordenação social/Democracia
- Sequência de 5 Planos de Aula - 4º ano - Noção inicial do conceito de município e escala municipal
- Plano de Aula - 5º ano - Canais de participação social
Nos anos iniciais do Fundamental, as habilidades principais a serem trabalhadas, segundo Jair, são EF04GE05 e EF05GE12.
Habilidades da BNCC de História:
- No Ensino Fundamental 1
5º ano
EF05HI02 - Identificar os mecanismos de organização do poder político com vistas à compreensão da ideia de Estado e/ou de outras formas de ordenação social.
Habilidades da BNCC de Geografia:
- No Ensino Fundamental 1
4º ano
EF04GE03 - Distinguir funções e papéis dos órgãos do poder público municipal e canais de participação social na gestão do Município, incluindo a Câmara de Vereadores e Conselhos Municipais.
EF04GE05 - Distinguir unidades político-administrativas oficiais nacionais (Distrito, Município, Unidade da Federação e grande região), suas fronteiras e sua hierarquia, localizando seus lugares de vivência.
5º ano
EF05GE12 - Identificar órgãos do poder público e canais de participação social responsáveis por buscar soluções para a melhora da qualidade de vida (em áreas como meio ambiente, mobilidade, moradia e direito à cidade) e discutir as propostas implementadas por esses órgãos que afetam a comunidade em que se vive.
PARA SABER MAIS:
O Dilema das Redes
Documentário, 1h 34min
Disponível na Netflix
A produção da gigante do streaming americano traz uma visão negativa dos especialistas sobre as redes sociais: elas podem causar danos irreparáveis à democracia.
Guia da Educação Midiática
Disponível em: https://educamidia.org.br/guia
O site criado pela EducaMídia, mantida pelo Instituto Palavra Aberta e com apoio do Google.org, oferece uma série de materiais para educadores que querem melhorar a formação e levar a Educação midiática para a escola.
Reportagens sobre Educação midiática
Disponível no site de NOVA ESCOLA
Produzida por NOVA ESCOLA com apoio do Instituto Palavra Aberta, a série retrata boas práticas e oferece dicas valiosas sobre o tema.
Diogo Jordão mostra que aula de Geografia é ocasião para falar de democracia
Disponível no Nova Escola Box
O projeto do professor, realizado em 2019, foi um dos dez vencedores do Prêmio Educador Nota 10 - 2020. A reportagem mostra como Diogo expandiu a visão dos adolescentes sobre o que é a participação política cidadã.
Ilustrações: Veridiana Scarpelli/NOVA ESCOLA
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