Conexão professor-equipe

Alívio, comunidade e afeto: como está a reconexão com a equipe na volta às aulas

Conheça a experiência da pandemia e do reencontro entre professores e gestão escolar na EMEF Saint'Hilaire em Porto Alegre (RS)

Ilustração abstrata de professores e gestores apoiados na palavra apoio.
Ilustração: Thiago Lopes (Estúdio Kiwi)/NOVA ESCOLA

A Lomba do Pinheiro é um bairro periférico da zona leste de Porto Alegre (RS). A comunidade reúne cerca de 70 mil habitantes, muitos em situação de alta vulnerabilidade social. 

É onde fica a EMEF Saint'Hilaire, escola de 800 alunos que leva a sério a ideia de que a escola faz parte do todo. De portas abertas para o entorno, a equipe docente manteve a assistência à comunidade mesmo durante o ensino remoto, o que ajudou a manter e reforçar os laços entre os educadores e estudantes do Ensino Fundamental. 

Durante o isolamento, a escola, que atende turmas do 1º ao 9º ano, manteve as atividades como pôde: o coral aconteceu por videochamada, bem como as discussões na equipe pedagógica e a preocupação com os alunos para além dos muros da escola. A professora de Ciências gravou um vídeo animado, comunicando a importância do cuidado com a saúde mental. Uma feira literária centrada na questão indígena e dos povos originários, ocorrida em setembro, também virou vídeo na página da escola nas redes sociais. 

Além disso, projetos fundamentais para a escola, como o Afroativos, nascido com o lema “solte o cabelo e prenda o preconceito” e cultivado para resgatar a memória, empoderar os alunos negros e fortalecer a discussão racial na comunidade escolar, continuaram como força motriz dos encontros.

Posse da sede do #MuseudeCulturaHipHopdoRS na manhã de sábado - 28/08/2021 - Afroativos.

Encontro do Afroafetivos na escola antes da pandemia, em 2019.
Encontro do Afroafetivos na escola antes da pandemia, em 2019. Foto: Reprodução/Facebook

Agora, os educadores se dizem aliviados com a volta, mesmo com as restrições. “É muito importante se rever, receber as famílias e contemplar toda a escola”, conta o diretor, Angelo Barbosa. 

O alívio vem mesmo diante do distanciamento  necessário no contato presencial e das emoções conflitantes de alegria e cuidado, como definiu o diretor, um dos educadores ouvidos para este Especial Dia dos Professores do Nova Escola Box.


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Da escola pulsante para o isolamento 

Na Emef Saint'Hilaire, apesar de a gestão não deixar de trabalhar presencialmente, o trabalho ficou mais solitário, lembra Angelo, diretor escolar há cinco anos. 

“Tínhamos uma quantidade enorme de pessoas, uma pequena cidade pulsante e, de repente, a escola era meia dúzia de pessoas presentes, uma sensação muito ruim de isolamento”, lembra o educador.

Ao longo dos meses da pandemia em 2021, o corpo docente e a equipe gestora buscaram se adaptar à nova realidade. Em junho, por exemplo, a escola fechou após a detecção de um caso de coronavírus e testou 51 pessoas. Dois meses depois, em agosto, algumas turmas do 6º ano também precisaram de testagem e tiveram as aulas suspensas. 

“A gente tinha de lidar com essa felicidade do retorno, cuidando para que essa felicidade não parecesse uma negação da necessidade do distanciamento”, conta  Angelo. “Houve momentos de culpa de estar feliz pelo retorno. Sabíamos da necessidade do distanciamento, mas somos seres sociais, então havia esse conflito de emoções”, resume. Para o diretor, agora há uma nova etapa do ciclo de aprendizagem de como conviver. 

“Voltamos ao presencial com a ideia de voltar para uma vida que deixamos abruptamente, mas também, entrando numa vida que a gente não conhecia. Tínhamos de aprender a interagir sem se encostar, distantes. Então o momento de alegria do reencontro foi recheado de temores”, lembra o diretor.

Passado esse primeiro estranhamento, a interação flui de maneira mais natural. “Já podemos viver uma nova experiência de convívio e de ver que mesmo com o distanciamento a gente está feliz de se enxergar. Não pode mais abraçar, é um toque de cotovelos”, resume.

Separados, mas juntos: coral de Natal e os vínculos entre a equipe docente no ensino remoto

“O remoto foi o nosso emergencial, era aquilo que a gente podia fazer, mas o nosso brilho no olho acontece aqui, nos nossos encontros, nas nossas brincadeiras, na recepção da comunidade do portão”, explica Ana Agnol, supervisora que atua com a centena de professores da unidade escolar desde 2011.  

“Foi muito difícil. Fazer nossas reuniões semanais via internet não era a mesma coisa. Tentamos reformular, fazer planejamentos diversificados, porque é muito importante manter o vínculo, o planejamento e a ligação afetiva”, afirma a educadora.

Alguns momentos, mesmo singelos, marcaram pela tentativa de aproveitar a companhia do outro no novo normal: a escola organizou um coral remoto de Natal em 2020. “Cada um cantou separado, mas na hora que juntou deu a sensação de que nós estávamos nos vendo reunidos de novo”, lembra Angelo. 

A professora Larisse Moraes conta que a relação entre os professores e com a gestão é de forte parceria, característica considerada imprescindível para não sucumbir diante de desafios que vão além das questões educacionais. 

“A gente está falando de uma escola pública, na periferia, numa região de vulnerabilidade e as necessidades vão muito além das questões pedagógicas, muito além do que a gente enxerga enquanto as crianças estão dentro da escola”, diz a educadora, que também é residente no bairro da escola, realidade compartilhada entre muitos professores na escola.  

Com uma relação tão estreita com a comunidade, Larisse sabe que os alunos e suas famílias estão sofrendo com os efeitos da pandemia. 

“Mudei minha vida para este bairro, amo esta escola e acredito muito na educação pública e no trabalho que é feito com empenho e dedicação, sempre visando o bem-estar dos alunos, das alunas e das famílias” afirma ela, que tem um filho também matriculado na Saint'Hilaire.   

Acolhimento e engajamento com a comunidade diante da desigualdade 

Boa parte do engajamento que a escola tem com a comunidade vem da série de projetos que acontecem na EMEF Saint'Hilaire. 

A escola é o lar do projeto Afroativos, que desde 2016 promove conscientização e empoderamento de estudantes e suas famílias por meio do processo de afrobetização (ressignificação e resgate da história africana e afro-brasileira). Em 2019, o Afroativos foi finalista do Prêmio Sim à Igualdade Racial, a maior honraria sobre o tema na América Latina.

Criado e coordenado pela professora Larisse Moraes, o projeto foi chave para manter os vínculos entre escola e comunidade mesmo durante o isolamento social, além de ajudar a cumprir a Lei nº 10.639/2003, de difusão e ensino da cultura africana, ampliando as discussões sobre as questões raciais no espaço escolar. 

“A pandemia só escancarou mais ainda essas desigualdades. Então o projeto adquiriu também o caráter de promover ações sociais. “Pela visibilidade do Afroativos, fizemos campanhas de auxílio por alimentos e itens de higiene. No inverno fizemos campanha para agasalho. E a gente conseguiu atender muitas das nossas famílias”, conta a professora.

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